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Criança de 10 anos vai ao dentista pela 1ª vez graças a projeto da USP que leva médicos à população carente 

Bandeira Científica de 2015 ocorreu em Limoeiro de Anadia (AL) entre 9 e 19 de dezembro

Saúde|Ana Ignacio, do R7, enviada especial a Alagoas*

Ana Paula dos Santos levou o filho com pneumonia para consulta
Ana Paula dos Santos levou o filho com pneumonia para consulta

Ana Paula dos Santos, 18 anos, ficou o dia inteiro com o filho de um ano nos braços rodando por hospitais de Arapiraca e Limoeiro de Anadia, cidades do interior de Alagoas. Com tosse, dificuldade para respirar e muito cansaço, o menino foi diagnosticado com pneumonia. Com os sintomas da doença há três dias, Ana Paula tentou internar o filho. Em Arapiraca, não havia vagas. Em Limoeiro, o filho não foi aceito.

— Estou tentando internar, mas não consegui vaga em Arapiraca e aqui em Limoeiro, como tem problema de falta de água às vezes, os hospitais estão aceitando só casos mais graves para internação, mas pneumonia nessa idade é perigoso.

Enquanto amamenta o filho, Ana Paula aguarda para passar por mais uma consulta. Em Terra Nova, povoado rural de Limoeiro de Anadia, foi montado um dos postos de atendimento do Bandeira Científica, projeto organizado todo ano por alunos da USP (Universidade de São Paulo) em comunidades carentes do País. Em uma escola da região, o grupo monta áreas de espera, leva equipamentos de São Paulo e instala um posto de saúde no povoado. Ana já fez o cadastro e a abertura da ficha de atendimento e aproveita a presença do projeto no município para se certificar de que o filho está bem, já que não conseguiu a internação.

— Trouxe ele hoje e o meu mais velho, de três anos, também está doente. É uma febre que não passa, mas vim com o pequeno porque ele está pior.


Em uma das salas de aula, uma estudante faz a consulta com Ana. Depois, os dados serão discutidos com um grupo de médicos formados que acompanha a expedição do Bandeira Científica e o encaminhamento para o paciente será definido.

Com essa iniciativa, os moradores de Limoeiro conseguem ter mais acesso a atendimento médico. Apesar de haver hospitais na região e de Arapiraca, município vizinho, apresentar uma estrutura maior de saúde, a demora no agendamento de consultas e a dificuldade de deslocamento são alguns dos desafios da população.


Cristiana acompanhou ida do filho ao dentista pela primeira vez
Cristiana acompanhou ida do filho ao dentista pela primeira vez

Além disso, alguns tipos de especialidade são mais raras na cidade, como no povoado de Chapéu do Sol, por exemplo. O local fica atrás de uma plantação de cana e o acesso é por uma curta estrada de terra. Com a cana cortada, é possível ver a estrada asfaltada a alguns metros do vilarejo, mas durante alguns meses do ano a paisagem deve ser apenas de um extenso canavial. No local, o posto de odontologia montado pelo Bandeira levou crianças ao dentista pela primeira vez na vida.

É o caso do filho do meio de Cristiana Maria Oliveira Soares, 30 anos. Aos dez anos, Vitor nunca havia feito uma consulta do tipo.


— Até tem dentista em Limoeiro e Junqueiro [município que faz divisa com o povoado], mas ele nunca tinha ido e estava com dor de dente há algum tempo.

Vitor precisou fazer duas extrações no consultório improvisado na pequena escola de apenas duas salas. Em um dos espaços, os voluntários promovem atividades educativas e lúdicas com as crianças para falar sobre a importância de escovar os dentes e, no outro, são feitos os procedimentos. Usando as cadeiras da escola, a criança fica deitada no colo do dentista para realizar os tratamentos.

Cristina conta que a filha mais velha, de 11 anos, também nunca foi ao dentista.

— Mas ela tem os dentes saudáveis.

Crianças atendidas em posto usam kits de higiene bucal
Crianças atendidas em posto usam kits de higiene bucal

Atendimentos e estrutura

No posto de atendimento montado pela equipe de oftalmologia, no centro de Limoeiro de Anadia, o movimento é intenso durante todo o dia. São cerca de 100 atendimentos por período, em sua grande maioria criança. De acordo com Paulo Mota, coordenador do Bandeira Científica, um dos objetivos do grupo é dar bastante atenção aos jovens.

— A gente quer focar nas crianças. No caso do posto de oftalmo, achamos que isso pode fazer com que ela tenha um desenvolvimento escolar melhor.

Ainda segundo Mota, ao fim da expedição — que este ano ocorreu entre os dias 9 e 19 de dezembro, com um dia de folga — o número total de atendimentos costuma chegar a 5.000. Em 2015, quase 200 voluntários foram para Limoeiro, sendo cerca de 100 de alunos da USP (das áreas de medicina, fonoaudiologia, fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional, psicologia, engenharia, economia e administração e, pela primeira vez, farmácia) e mais de 50 médicos profissionais e professores da USP que fazem orientação dos alunos. Além disso, estudantes de medicina de universidades de Alagoas também participaram da expedição.

Denise Costa Oliveira, 24 anos, é uma dessas voluntárias e está em sua quarta expedição. Estudante de medicina da USP, a jovem começou no projeto como aluna de engenharia e decidiu mudar de curso por causa da experiência que adquiriu nas viagens.

— Troquei de faculdade por causa do Bandeira. Na primeira eu fui como aluna da Poli. Eu fazia engenharia ambiental, mas sempre tive vontade de fazer medicina e na expedição percebi que eu não queria ficar atrás de um computador. Eu queria contato com as pessoas, conversar.

Após dois anos e meio de curso, resolveu largar a faculdade e prestou vestibular para medicina. No ano seguinte, iniciou sua nova fase.

— Me interessa esse contato maior com a população, é mais resolutivo. Agora vou até o final em medicina e Bandeira até o fim também.

Um dos postos médicos montados pelo Bandeira Científica foi em uma escola do povoado de Terra Nova
Um dos postos médicos montados pelo Bandeira Científica foi em uma escola do povoado de Terra Nova

José Antonio Atta, 53 anos, está em sua 16ª expedição. Atta é professor na USP e participou do Bandeira pela primeira vez em 1999.

— Eu só não vim em 2000 e gosto muito desse contato com o aluno. Aqui eles fazem um curso de medicina intensivo em 10 dias. Um aluno que participa do projeto tem um crescimento como médico e na vivência como pessoa. Nossos alunos são protegidos, filhos de classe média, a maioria, são pessoas que estão bem de vida, que tem pouco contato com a pobreza e a miséria.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Limoeiro de Anadia tem cerca de 27 mil habitantes. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), referente a 2010, é 0,58 e a cidade ocupa a posição 4.638 do ranking dos municípios do País (a lista tem 5.565 cidades e o primeiro lugar é ocupado por São Caetano com o índice em 0,86). 

O desafio do projeto, segundo Mota, é oferecer o melhor atendimento possível com a estrutura que existe no local.

—Temos que balizar o tanto que o aluno consegue atender com a expectativa da população. Outra dificuldade é estar em um local sem estrutura adequada, equipamento adequado, sem diagnóstico preciso e ter que se virar. E isso é um problema que 85%, 90% dos municípios do Brasil vivem.

Após o fim do projeto, o grupo ainda retorna para o município no início do ano para entregar uma devolutiva para a cidade do que foi visto nos dez dias de atendimento.

Nossa proposta não é fazer um atendimento pontual, atender todo mundo e deixar eles voltarem pra casa. A gente quer que essa pessoa retorne para o sistema de saúde de forma coerente. Queremos ajudar o sistema de saúde. 

*A repórter viajou a Alagoas a convite da farmacêutica Sanofi

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