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Difteria poderá ser novo sarampo se Brasil não atuar na fronteira

Especialistas em saúde afirmam que país deve ser proativo em garantir cobertura vacinal; Venezuela registra mais de 2 mil casos de difteria

Saúde|Gabriela Lisbôa, do R7

Crianças entre 1 e 4 anos estão sendo vacinadas na campanha que vai até o dia 31
Crianças entre 1 e 4 anos estão sendo vacinadas na campanha que vai até o dia 31

Especialistas em saúde reunidos para debater a dificuldade do controle de epidemia de doenças antigas na última sexta-feira (17) no Summit Saúde Brasil, em São Paulo, foram unânimes em afirmar que o Brasil deve atuar na fronteira com a Venezuela, tanto por questões de saúde quanto humanitárias.

Para Isabella Ballalai, presidente Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), o país deveria ter se adiantado e ter previsto o que aconteceria em relação ao sarampo para reforçar a cobertura vacinal antes da chegada do vírus no Brasil. Ela também alerta que o mesmo pode acontecer com a difteria.

“Nós poderíamos ter sido proativos em relação ao diagnóstico da Venezuela, mas também poderíamos ter sido proativos no nosso diagnóstico de baixa cobertura, não precisava o venezuelano chegar com o vírus. Já são mais de 2 mil casos de difteria na Venezuela, o que estamos esperando? A difteria chegar? E aí a gente vai sair correndo, culpando o mundo inteiro que não se vacinou?”, questiona. 

A difteria é uma doença respiratória infectocontagiosa que pode ser facilmente prevenida com vacina. 


O diretor do Instituto Evandro Chagas, Pedro Vasconcelos, também acredita que o Brasil deve atuar na fronteira. “O Brasil tem esse papel de liderança dentro da América do Sul e eu acho que, com o sarampo, se tivéssemos sido proativos quando começou a se divulgar a ocorrência da doença na região da fronteira, teríamos impedido que o vírus tivesse se disseminado como, aparentemente, está se disseminando por todo o país”.

Para Marcos Boulos, coordenador de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, o país vizinho enfrenta uma crise humanitária e o Brasil deve ajudar, independentemente de questões políticas.


“Quando houve, há muito tempo, febre amarela no Paraguai, com um risco enorme de vir para o Brasil, nós fomos lá. Nós evitamos que a febre amarela se proliferasse no Paraguai e que atingisse as fronteiras brasileiras. Nós deveríamos estar ajudando a Venezuela. Nós não temos que fazer juízo de valores políticos nesse momento, é uma crise humanitária”, afirma.

Boulos acredita que o Brasil não pode culpar os venezuelanos pelo sarampo, embora o vírus, “obviamente” tenha vindo de lá. Para ele, a crise está fragilizando toda a população.


“Nós temos que ir lá, não é para ajudar a Venezuela, é para ajudar seres humanos como nós que estão sofrendo, padecendo e, como consequência, nós também ficamos doentes por causa disso”, diz.

Mobilizar a população é desafio

A globalização e a falta de saneamento básico, coleta de lixo e interesse da população em aderir às campanhas de vacinação e erradicação do Aedes aegypti fazem parte da extensa lista de motivos que fazem com que doenças aparentemente controladas ressurjam em surtos espalhados pelo país.

Para o infectologista Stefan Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, os governos isoladamente não vão conseguir controlar essas doenças. O médico acredita que é preciso uma ação que envolva toda a sociedade. “Aí está o desafio: tornar a população participativa, estimulada a participar do controle vetorial, do controle de doenças de um modo geral”, diz.

Leia também: Cinco motivos que estão levando à volta do sarampo e da poliomielite

Fazer a população aderir a campanhas que pretendem estimular o combate ao mosquito Aedes aegypti – transmissor de doenças como zika, dengue e chikungunya – e a campanhas de vacinação têm se mostrado uma tarefa cada vez mais difícil. Para a presidente da Sbim, a população cansou de se engajar em campanhas.

“Se antes as campanhas do vire o potinho para tirar a água e evitar a dengue tinha um efeito maior, hoje as pessoas estão cansadas, elas não estão mais virando potinho nenhum. Elas também não estão mais indo se vacinar”, diz a médica. Para ela, uma saída é envolver os médicos no processo e convencê-los a serem aliados das campanhas. “São eles que vão fazer a estratégia funcionar”.

“Se antes as campanhas do vire o potinho para tirar a água e evitar a dengue tinha um efeito maior%2C hoje as pessoas estão cansadas%2C elas não estão mais virando potinho nenhum"

(Isabella Ballalai)

Outra questão levantada por Isabella é a falta de interesse das pessoas em se vacinar. Para ela, os brasileiros, de uma forma geral, só vão para o posto de vacinação quando estão com medo de morrer por causa de determinada doença.

“Só se consegue [adesão à campanha] quando a população enxerga como perigo verdadeiro. Por exemplo, febre amarela. Todo mundo morre de medo. Estão morrendo de febre amarela em São Paulo, as pessoas nem sabem por que estão na fila, mas estão na fila. Mas quando a gente diz: se não atingir a cobertura vacinal contra o sarampo ele pode voltar, parece que fica todo mundo esperando ele voltar para fazer fila. É o pânico que faz as pessoas buscarem vacinação”, conclui Isabella.

Imunização, globalização e poder público

As estratégias de imunização precisam ser constantemente revistas. O que funcionava na década passada, hoje não tem mais efeito. O infectologista Stefan Ujvari lembra a estratégia usada pelo Oswaldo Cruz no início do século 20 para erradicar o Aedes aegypti nas cidades e controlar uma epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro. “Naquela época a cidade tinha o que? Tinha cisternas, poços e raras caixas d’água, então foi muito mais fácil controlar o mosquito”, explica.

Ao longo do século 20 o país mudou. Com a urbanização, o número de pessoas nas cidades superou o de moradores das áreas rurais. A falta de planejamento trouxe o excesso de lixo, a carência de água encanada e saneamento básico, com tudo isso, veio também a necessidade de adaptação das estratégias de saúde.

“Na nossa infância a gente não tinha refrigerante em lata, cerveja em lata, a gente trocava vasilhame, assim por diante. Conclusão: na década de 1990 a gente acreditava que podia erradicar o Aedes aegypti e hoje em dia é uma unanimidade que nenhuma nação consegue erradicar”, diz.

Para controlar epidemias, é preciso, além do engajamento da população, que os governos trabalhem juntos. Nesse ponto, Ujvari vê outro desafio. Ele acredita que existem deficiências na interação entre os diferentes níveis de governo. “A gente percebe que há uma dificuldade nos Estados de coletar informações dos municípios e daí para o governo federal e vice-versa”, para o médico, essa dificuldade de comunicação interfere diretamente nos resultados. "Muitas das doenças transmitidas por vetores dependem do poder municipal e uma cidade como São Paulo, por exemplo, que é cercada por outros municípios, basta que um ou dois não tenham uma ação efetiva de controle vetorial para que tudo o que foi feito se perca, então isso é um problema sério”.

"Na década de 90 a gente acreditava que podia erradicar o Aedes aegypti e hoje em dia é uma unanimidade que nenhuma nação consegue erradicar”

(Stefan Ujvari)

Boulos acredita que uma das principais conquistas da globalização, a diminuição das distâncias, acaba sendo um problema quando se fala em saúde. "Estamos muito próximos de todo o mundo e as doenças são veiculadas pelas pessoas. Então, uma gripe que acontece na Coreia pode estar no dia seguinte aqui no Brasil”.

Ele explica que uma pessoa que está no período de incubação, quando não tem sintomas, mas já está com a doença, pode viajar e acabar contaminando outras pessoas: “isso mostra que estas distâncias curtas permitem uma globalização de doenças que não existiam entre nós e que agora existem”.

Um exemplo é o zika vírus, comum nas florestas africanas e que causou um grande surto no Brasil em 2015. Boulos explica que, apesar dessa facilidade de locomoção, algumas doenças já não causam o mesmo impacto por causa do avanço científico – embora ainda sejam letais. “A gripe espanhola que matou milhões no passado, hoje é a nossa H1N1 modificada. Hoje tem vacina, hoje tem melhores condições sanitárias, hoje tem cuidados maiores”, afirma.

Vasconcelos concorda que a globalização influencia a disseminação de doenças e lembra o papel de eventos mundiais, que reúnem grande número de pessoas. “O Brasil vivenciou grandes eventos, a Copa do Mundo, a Copa das Confederações e depois a Olimpíada, onde milhares de pessoas vieram de toda a parte do mundo, isso faz com que aumente o risco de doenças: gripe, sarampo, zika, chikungunya”, alerta.

Para eles, isso também acontece dentro do país, quando as pessoas passam de um Estado ou uma região para outra. “Isso é fortalecido por uma certa deficiência em todo o país de infraestrutura, de saneamento, fornecimento de água, coleta de lixo”, para ele, problemas que facilitam a disseminação de doenças transmitidas por vetores, como o mosquito Aedes aegypti.

Saiba quais doenças podem ser evitadas com vacina:

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