Em queda desde 2005, coberturas vacinais voltam ao patamar de 1980
Razões são desinformação e falta de acesso, segundo assessora técnica da Sbim; pandemia potencializou o problema no Brasil
Saúde|Da Agência Brasil
As sucessivas quedas nas coberturas vacinais desde 2015 levaram os percentuais da população vacinada a retornarem a níveis semelhantes aos da década de 1980. A série histórica foi apresentada na quinta-feira (9) na Jornada Nacional de Imunizações, pela especialista em epidemiologia e assessora técnica da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Antônia Maria Teixeira. A enfermeira destacou que a pandemia potencializou essa queda, mas que o movimento é anterior à covid-19 e não se restringe ao Brasil.
"[A pandemia] pode ser um potencializador, mas não é necessariamente a causa principal. Não se nega a importância que a pandemia teve nesse processo", disse a pesquisadora, que citou uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicando que a adoção de quarentenas e lockdown para prevenir a covid-19 afetou a vacinação de bebês em pelo menos 68 países.
"As baixas coberturas vacinais, ao meu ver, são efeitos colaterais decorrentes de pelo menos duas razões macro: a desinformação e o acesso. É um processo que antecede e é potencializado pela pandemia e não limitado ao Brasil. É mais uma pandemia em curso, com riscos reais para outras doenças", alertou.
Antônia Teixeira descreveu que, na década de 1980, o Programa Nacional de Imunizações disponibilizava menos tipos de vacinas nos calendários de rotina das crianças e havia altas taxas de incidência de doenças imunopreviníveis. A cada triênio, porém, era possível observar crescimento das coberturas.
Entre os anos 1995 e 2015, as coberturas vacinais foram mantidas em patamares altos e novas vacinas foram acrescentadas ao calendário, que hoje oferece 23 imunizantes para proteger diferentes faixas etárias contra 19 doenças. O resultado foi uma queda da incidência das doenças contra as quais já há vacinas disponíveis, disse a enfermeira.
Desde 2015, porém, segundo Antônia Teixeira, as coberturas estão em queda, o que já tem gerado novos surtos, como é o caso do sarampo, que chegou a ser erradicado e voltou a circular no país. A continuidade desse processo fez com que entre 2019 e 2021 a cobertura das vacinas disponíveis retornasse a um patamar semelhante ao do triênio 1983/1985.
A vacina contra a poliomielite é um dos exemplos citados pela assessora técnica do PNI ao mostrar a queda acumulada nos últimos cinco anos. Em 2015, quando o Brasil teve 3,017 milhões de bebês nascidos vivos, o esquema de três doses foi completo em 2,845 milhões de crianças. Em 2019, dos 2,849 milhões de nascimentos, houve 2,480 milhões de terceiras doses aplicadas. No ano seguinte, em meio à pandemia, a diferença cresceu, com 2,726 milhões de nascimentos e 2,217 milhões de terceiras doses aplicadas.
No caso da BCG, foram 3,019 milhões de doses aplicadas em 2015, 2,525 milhões, em 2019, e 2,134 milhões, em 2020. Outro exemplo foi a vacina contra o rotavírus, que teve suas duas doses aplicadas em 2,767 milhões de crianças em 2015, e em 2,253 milhões, em 2020.
Consultor técnico do Programa Nacional de Imunizações (PNI), o infectologista Victor Porto chamou a atenção para a hipótese de as medidas de prevenção à covid-19 terem reduzido a incidência de outras doenças de transmissão respiratória desde 2020, como o sarampo e o influenza, a despeito da queda nas coberturas vacinais. Diante disso, ele destaca a preocupação com o cenário de cada vez mais flexibilização.
"A gente fica preocupado com a queda nas coberturas vacinais, porque quanto mais formos relaxando as medidas não farmacológicas contra a covid-19 e mais se avança na vacinação da covid-19, a gente pode voltar a ter uma população suscetível e com capacidade de transmissão dessas doenças", disse.
O professor titular de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa São Paulo José Cássio Moraes acrescentou às preocupações a retomada das viagens internacionais, que podem alimentar novos surtos de doenças contra as quais há baixas coberturas vacinais. Ele mostrou que a redução nessas taxas ocorre em praticamente todo o continente americano e, no caso do sarampo, vizinhos do Brasil como o Paraguai, a Colômbia e a Argentina também vivem um cenário de menos proteção contra a doença. Já países europeus como a Espanha lidam com a circulação de genótipos diferentes do vírus que circula na América Latina, o que pode facilitar sua introdução em uma população não imunizada.
"Retomando os voos com esses países, podemos ter a reimportação do vírus do sarampo, o que pode propiciar um recrudescimento de sua ocorrência", alertou.