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Entenda como a poluição sonora está encurtando vidas

Excesso de ruídos pode, com o tempo, desregular a atividade do sistema nervoso simpático, o que aumenta o risco de infarto, AVC e outras doenças

Saúde|Emily Baumgaertner, Jason Kao, Eleanor Lutz, Rumsey Taylor, Noah Throop e Josh Williams, do The New York Times

Ruído de aviões e de tráfego de veículos é associado a problemas de saúde
Ruído de aviões e de tráfego de veículos é associado a problemas de saúde

Na tarde de primavera em Bankers Hill, em San Diego, a paisagem sonora é tranquila, com a brisa marinha agitando as folhas das árvores e os vizinhos papeando amigavelmente à porta de casa.

O único problema é que a cada três minutos passa um avião ali em cima, fazendo um barulho ensurdecedor.

Um número cada vez maior de pesquisas mostra que esse tipo de ruído crônico — que sacode o bairro mais de 280 vezes por dia, mais de 105 mil vezes por ano — não é só incômodo, mas também uma ameaça à saúde não reconhecida, que está aumentando o risco de ocorrências de hipertensão, AVC e infarto no mundo inteiro, inclusive para 100 milhões de americanos.

Todo mundo sabe que é preciso limitar o volume nos fones de ouvido para proteger a audição, mas é a barulheira incessante da vida diária em alguns lugares que pode causar efeitos duradouros no organismo.


Quem mora em uma área ruidosa, como os bairros que margeiam uma via expressa, pode até achar que se adaptou à cacofonia, mas os dados mostram o contrário: a exposição sonora contínua leva o corpo a reagir de forma alterada, reforçando os efeitos negativos.

Até aqueles que vivem na paz relativa das comunidades rurais e suburbanas correm riscos. O efeito do apito inesperado dos trens que passam periodicamente por D'Lo, no Mississippi (cuja população conta com menos de 400 habitantes), pode ser ainda mais chocante para o corpo, porque há menos ruído ambiental para "amortecer" o som.


Visitamos bairros no interior do Mississippi, na cidade de Nova York e em subúrbios da Califórnia e de Nova Jersey para medir a exposição ao ruído e conversar com os moradores sobre a movimentação diária.

Consultamos mais de 30 cientistas e revisamos milhares de páginas de pesquisas e medidas públicas para analisar a patologia e a epidemiologia do barulho.


1) Os efeitos no organismo

A sirene grita. O cachorro late. Os motores vibram. As britadeiras pulsam. Os sons desagradáveis entram no corpo pelos ouvidos, mas são transmitidos ao centro de detenção de estresse no cérebro.

Essa região, chamada amígdala, gera uma série de reações no organismo — e, se a hiperatividade causada por ruídos for permanente, ela começa a gerar efeitos prejudiciais.

O sistema endócrino pode se desregular e despejar volumes excessivos de cortisol, adrenalina e outros elementos químicos no corpo.

A atividade do sistema nervoso simpático também pode se desequilibrar, acelerando os batimentos cardíacos, elevando a pressão sanguínea e estimulando a produção de células inflamatórias.

Com o tempo, isso estabelece a inflamação, a hipertensão e o acúmulo de placas nas artérias, o que aumenta o risco de doenças coronárias, ataques cardíacos e AVCs.

Quando os pesquisadores analisaram as tomografias de cérebro e os prontuários médicos de centenas de pessoas no Hospital Geral de Massachusetts, fizeram uma descoberta impressionante: aqueles que moravam perto de áreas extremamente barulhentas em consequência do transporte urbano tinham mais probabilidade de registrar um alto nível de atividade na amígdala, inflamação arterial e ocorrências cardíacas significativas em questão de cinco anos.

Essa associação permaneceu mesmo quando os estudiosos ajustaram outros fatores ambientais e comportamentais que poderiam contribuir para a má saúde cardíaca, como poluição do ar, fatores socioeconômicos e tabagismo.

De fato, o barulho pode levar a infartos imediatos: níveis mais altos de exposição a ruídos de avião nas duas horas que antecederam as mortes noturnas estão ligados à mortalidade cardiovascular.

2) O que é 'barulhento demais'?

Normalmente, o som é medido em uma escala de decibéis, ou dB, na qual o silêncio quase total corresponde a zero e um fogo de artifício explodindo a 1 metro da pessoa, a 140. Usamos um equipamento profissional chamado decibelímetro para registrar os níveis de sons e ambientes comuns.

Comparado a uma sala silenciosa, um trem de carga em movimento gera um número quatro vezes maior de decibéis, mas a diferença na percepção do ouvido é muito mais drástica, chegando a um nível 500 vezes maior. Isso porque a escala é logarítmica e não linear: a cada 10 decibéis, a sensação de ruído no ouvido dobra, ou seja, a exposição frequente a sons mais altos, mesmo sendo um pouco acima dos níveis moderados, pode desencadear reações nocivas à saúde.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o ruído de tráfego médio acima de 53 dB e/ou a exposição contínua ao som de aviões acima de 45 dB estão associados a prejuízos à saúde.

Acontece que quase um terço da população dos EUA vive em áreas com essas características, segundo análise baseada em modelos de ruídos de carros, trens e aviões, divulgada pelo Departamento de Transportes, em 2020.

Um volume cada vez maior de pesquisas sugere que a relação entre os ruídos e as doenças é assustadoramente constante: um estudo que acompanhou mais de 4 milhões de pessoas durante mais de uma década, por exemplo, concluiu que, começando em apenas 35 dB, o risco de morte por doenças cardiovasculares cresce 2,9% para cada 10 decibéis de aumento da exposição ao ruído do tráfego.

Para os cientistas, essas flutuações pronunciadas podem agravar os efeitos no organismo, pois eles desconfiam que os sons dissonantes que irrompem no ambiente — como o do motor de avião repetitivo, um soprador de folhas pulsante, o apito agudo de um trem — são mais prejudiciais à saúde do que o movimento constante de uma estrada movimentada, mesmo que os níveis de decibéis sejam semelhantes.

Pesquisadores suíços mediram e compararam os volumes de ruído do transporte de uma rodovia e de uma via férrea durante uma noite inteira, ou oito horas, e concluíram que o valor absoluto em decibéis de ambas era o mesmo.

Entretanto, na primeira, o som permaneceu relativamente constante durante toda a madrugada, enquanto na segunda, a passagem periódica dos trens gerava uma variação mais drástica, associada à nocividade.

Um estudo suíço subsequente concluiu que os níveis mais altos de "intermitência de barulho" noturna — isto é, o ponto em que os eventos sonoros são distinguíveis dos ruídos de fundo — estavam associados a doenças cardíacas, enfartes e AVCs.

3) O que pode ser feito?

Cinquenta anos atrás, graças à Lei de Controle de Ruídos, de 1972, a recém-criada Agência de Proteção Ambiental foi pioneira no reconhecimento dos perigos do barulho, educando o público, estabelecendo limites de segurança, publicando análises sobre diversos agentes causadores e recomendando ações de mitigação de danos.

Infelizmente, porém, no governo Reagan, o setor de redução de ruídos sofreu corte de verbas, o que resultou na não aplicação de medidas e na obsolescência dos critérios regulatórios. O limite no ambiente de trabalho de oito horas da Administração de Saúde e Segurança Ocupacional, por exemplo, continua em 90 dB.

O fato é que a proteção sonora é economicamente vantajosa. Os economistas que analisaram os gastos com assistência médica e perda de produtividade decorrente de doenças cardíacas e hipertensão afirmam que uma redução de 5 decibéis em escala nacional resultaria em um benefício anual de US$ 3,9 bilhões.

Mas, ao contrário de outros fatores que contribuem para as doenças cardíacas, a questão sonora não pode ser resolvida apenas entre médico e paciente; é preciso haver mudanças nas políticas municipais, estaduais e federais.

Enquanto isso não se efetiva, em D'Lo, George Jackson já levantou várias vezes a casa para reduzir a vibração; em Mendenhall, no Mississippi, Carolyn Fletcher reforçou o isolamento das janelas; e, em Bankers Hill, Ron Allen toma suplementos vitamínicos e usa protetores auriculares.

c. 2023 The New York Times Company

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