Exposição da intimidade, como a vivida por Klara Castanho, pode causar danos mentais irreversíveis
Especialistas ouvidas pelo R7 sugerem que rede de apoio formada por familiares e amigos e ajuda profissional são fundamentais para ressignificar a vida
Saúde|Carla Canteras, do R7
Nos últimos dias, a violência contra a mulher e a violação de meninas e mulheres ficaram ainda mais em pauta no Brasil, principalmente devido à exposição dos casos da atriz Klara Castanho, de 21 anos, que assumiu ter dado para adoção uma criança gerada a partir de um estupro, e da menina de 11 anos de Santa Catarina que teve dificuldade em fazer um aborto legal de um feto fruto também de abuso sexual.
A exposição pública da violência e o fato de reviver as agressões causam danos ainda maiores às vítimas quando associados ao julgamento da sociedade. A psicóloga Talita Carvalho, conselheira do CRP/SP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo), explica que essa situação aumenta a sensação de culpa vivida pelas pessoas agredidas, principalmente no caso de mulheres.
"Elas estão sendo expostas, e esses homens que praticaram as violências onde estão? Isso vai criando nas mulheres ainda mais culpa. Ao invés de desconstruirmos essa coisa de que a mulher não tem culpa da violência que sofre, vai aumentando essa culpa. Porque a vítima pensa: 'Aconteceu isso comigo e quem está sendo julgada sou eu, quem está sendo linchada publicamente sou eu. Com eles, não está acontecendo nada'. O julgamento é uma forma de violência também", destaca a psicóloga.
A psicanalista Andréa Ladislau acrescenta que, em momentos como esses, é complicado manter o autocontrole. "É muito difícil a pessoa conseguir ter o pé no chão e a cabeça mais consciente quando tem mil dedos apontados na direção dela. Sem autocontrole, ela começa a desenvolver a culpa dentro de si."
A retomada da vida normal, após uma vivência tão violenta, está ligada diretamente a se afastar dessa culpa. "Essa violência, intolerância, a grande exposição e violação da intimidade vão deixar marcas irreversíveis. É preciso uma rede de apoio e o acompanhamento de um profissional de saúde mental para que a pessoa não entre em um abismo e busque caminhos considerados mais fáceis", alerta Andréa.
A ajuda de família e amigos é importante, segundo Talita, porque em alguns momentos a vítima chega a acreditar que a aflição não vai passar. "Quando estamos fragilizados, a impressão é que nunca vai passar, não vai ter cura e não vai ser superado. Esse é um momento muito crítico, em que ela precisa de acolhimento. O tempo é um grande amigo para que as coisas se coloquem no lugar que elas devem estar", diz a psicóloga.
Manter-se afastada de redes sociais, de pessoas e programas de TV pode ajudar a diminuir o sofrimento. "Cada vez que a violência é lembrada, a pessoa revive esse sofrimento no corpo e no emocional, que já está bastante fragilizado. Dificilmente vai conseguir superar aquela situação, porque ela é revivida cotidianamente, de forma recorrente", afirma Talita.
"Não dá para ficar o tempo todo exposta. Claro que ela não vai conseguir se esconder, mas tentar filtrar o que vem é importante. Senão, vai minar cada vez mais a autonomia e a autoestima", completa Andréa.
O caminho para voltar a viver bem é longo e, conforme orientam as especialistas, não é indicado que seja solitário. Mas o autoconhecimento auxilia na retomada.
"Essa página da vida da vítima não vai ser arrancada, mas o autoconhecimento vai fazer com que ela consiga ressignificar o momento vivido para não ficar sofrida e doentia mentalmente e conseguir trabalhar tudo isso dentro dela", conclui Andréa Ladislau.
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