Falta de conhecimento sobre a endometriose é seu maior desafio
Pesquisadores ainda estudam origens da doença, que afeta 1 em cada 10 mulheres no Brasil; março é o mês da conscientização da endometriose
Saúde|Gabriela Lisbôa, do R7
Definir o que causa a endometriose é um dos grandes desafios da ciência. Em todo o mundo, a doença afeta 176 milhões de mulheres, uma em cada dez. Além de ser responsável por fortes dores abdominais, a endometriose está no diagnóstico de 50% das mulheres que não conseguem ter filhos.
O que é endometriose?
Endométrio é o tecido que se forma ao longo do ciclo menstrual para revestir a parede interna do útero. Quando não acontece a fecundação, a mulher não engravida e este tecido é eliminado pelo organismo em forma de menstruação.
Nas mulheres que sofrem com a endometriose, esse tecido aparece em outras partes do organismo. O desafio é explicar como isso acontece.
Existem algumas teorias formuladas por pesquisadores, mas, até hoje, nenhuma foi comprovada cientificamente.
A médica ginecologista Bárbara Murayama, coordenadora da equipe de ginecologia do Hospital 9 de Julho, explica que uma das mais aceitas é a teoria da menstruação retrógrada. Ao invés do sangue sair pelo útero e ser totalmente eliminado pelo organismo, parte dele sai pelas trompas uterinas e adere a outros órgãos, causando lesões e inflamações.
A menstruação retrógrada é comum, mas a maioria das mulheres nem percebe que ela acontece, porque, normalmente, esse tecido que não é eliminado acaba sendo absorvido pelo organismo.
“Então, porque isso acontece em umas mulheres e em outras não, a gente não sabe ao certo. Parece haver uma pré-disposição genética, questões imunológicas, endócrinas, que a gente não sabe muito bem”, explica a ginecologista.
O que se sabe é que a endometriose tem relação com os hormônios femininos e é uma doença que acontece, principalmente, durante a fase reprodutiva da mulher.
Outras teorias sugerem que o problema aconteça na formação do embrião, desta forma, a criança já nasceria com alguns tecidos de endométrio fora do lugar – e estes tecidos seriam estimulados pelos hormônios a partir do primeiro ciclo menstrual. Mas ainda não existem informações concretas sobre esta possibilidade.
“O que a gente vem acreditando é que seja uma doença multifatorial, que tenha influência de todos esses fatores e outros que talvez a gente não conheça ainda. É uma doença bastante desconhecida”, afirma Bárbara.
Sintomas
Em algumas mulheres a doença é assintomática. Na maioria, o principal sintoma da endometriose é a dor muito forte durante o período menstrual, tão forte que chega a incapacitar para o trabalho ou qualquer outra atividade.
Ao longo da vida, esta dor é progressiva, ela aumenta com o passar dos anos. O que na adolescência era uma dor de um dia, chega a afetar a mulher adulta durante vários dias do mês.
Ainda é comum que a mulher tenha menstruação irregular, constipação intestinal, náuseas e dor intensa durante a relação sexual.
Tratamento da endometriose
A causa desconhecida afeta diretamente nas possibilidades de tratamento para a doença.
“A gente só vai conseguir ter um remédio, um tratamento bem certinho para a doença, a hora que a gente souber o que causa. Todos os grandes pesquisadores de endometriose no mundo buscam as reais causas para gente poder atacar a doença na base”, explica Bárbara Murayama.
Sem um medicamento definitivo, o que os médicos podem fazer é desenvolver, junto com uma equipe multidisciplinar, um tratamento clínico individualizado voltado para o alívio da dor.
Em alguns casos, o mais indicado é um tratamento hormonal que pode, ou não, bloquear a menstruação. Isso vai depender do desejo da paciente ter um filho.
A cirurgia pode ser feita durante várias vezes ao longo da vida da mulher. Mas, a intenção é que isso aconteça o menor número de vezes possível.
“A grande questão hoje é a gente conseguir achar o momento perfeito para conseguir fazer uma única cirurgia ao longo da vida desta paciente que tem uma doença crônica e que vai começar, provavelmente, na adolescência e vai durar até a menopausa. O que a gente vê são pacientes com cinco, até seis cirurgias, múltiplas cirurgias, mutiladas. O momento para se operar vai depender da quantidade de lesões, do grau da doença, do desejo gestacional, da idade da paciente, da reserva ovariana, de tudo isso para a gente poder definir em conjunto com a paciente e com a equipe multiprofissional, qual é o melhor momento”, defende a ginecologista do Hospital 9 de Julho.
Endometriose x fertilidade
Muitos fatores podem impedir um casal de ter filhos. Em 35% dos casos, essa causa é masculina e não está relacionada à saúde da mulher.
Em outros 35% dos casos, a causa está ligada à problemas das tubas uterinas, também chamadas de trompas de Falópio – os tubos que transportam o óvulo do ovário para o útero.
A endometriose é uma doença que afeta a tuba uterina porque pode levar ao surgimento de lesões ou obstrução na tuba – o que pode impedir o óvulo de ser fecundado e chegar ao útero.
Em 15% dos relatos de infertilidade, a causa é ovulatória. Estes casos também podem estar ligados à endometriose, já que a doença pode afetar os ovários e comprometer o estoque de óvulos da mulher.
Sendo assim, 50% das causas de infertilidade feminina podem ter origem na endometriose.
A médica ginecologista Marisa Samama, professora do programa de pós-graduação em reprodução assistida do Instituto São Paulo de Medicina Reprodutiva, explica que a mulher com endometriose pode engravidar depois de fazer um tratamento para controlar a doença.
A paciente deve deixar claro para o médico que pretende engravidar. Desta forma, o principal objetivo do tratamento vai ser restaurar a capacidade do aparelho reprodutivo. Uma das indicações é a cirurgia.
De acordo com a médica, “com o tratamento cirúrgico a gente pode desfazer as aderências que comprometeram a tuba uterina, tirar o cisto de endometriose que pode ter se formado dentro do ovário, consertar a tuba uterina, fazer cirurgias na cavidade uterina para tirar miomas, pólipos, e avaliar a condição de gestação natural”.
Se a paciente não puder engravidar sozinha, as técnicas de reprodução assistida podem ser utilizadas.
“Se a mulher tem comprometimento de uma das tubas, mas tem a outra tuba uterina boa, o médico pode lançar mão de uma inseminação intrauterina. Se as duas tubas estiverem comprometidas e se o estoque de óvulos está muito baixinho, pode-se usar a técnica de fertilização in vitro, onde o médico vai estimular esses ovários para a produção de óvulos que serão coletados no dia fértil, fecundados no laboratório e colocados no útero”, detalha Marisa.
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