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Idosa viaja ao exterior para aprender a lidar com a morte

Curso a ajudou a falar abertamente sobre o tema, tido como tabu no Brasil 

Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7

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Elca trabalhou por 18 anos como economista no Banco Mundial
Elca trabalhou por 18 anos como economista no Banco Mundial

Elca Rubinstein, 71 anos, uma senhora ativa, de fala rápida, já dá uma invertida no constrangido repórter, de primeira. Isto porque, ao falar sobre a morte, ele dá uma engasgada na pergunta: "A senhora tem medo da..., vamos dizer, da sua morte?". A reposta vem límpida, até assustadora para muitos que, como se tem dito repetidamente, construíram um tabu para falar a respeito da dita cuja.

— Medo de quê? Vai acontecer, de que adianta ter medo? Acho que minha morte vai ser melhor se eu tiver falado sobre ela, pensado sobre ela, me preparado para ela, apesar do receio das outras pessoas, do que eu ficar quieta e fingir que não vou morrer.


Elca fez seu testamento vital como exercício de conclusão de um curso sobre envelhecimento, feito em quatro Estados dos Estados Unidos (Florida, Colorado e Pensilvânia), onde desenvolveu recursos, que ela tinha e nem percebia, para falar sobre a morte.

— Não é que eu tinha tabu, é que eu nem falava sobre isso, já que no Brasil é um tema pouco discutido. Então participei de uma atividade em um país onde se fala abertamente e percebi a importância desse tema. Quando se faz o testamento vital vem um grande alívio, a gente vê o futuro mesmo que seja curtinho, resolve um problema e segue em frente.


Elca chegou a morar nos Estados Unidos, tendo trabalhado por 18 anos no Banco Mundial, como economista renomada que era antes de se aposentar.

A frieza dos números, de repente, se tornou excessiva. E, após a aposentadoria, ela resolveu descobrir um outro mundo em vida. Intensificou seu contato com a dança, atividade que ela sempre praticou, tendo participado inclusive de grupos de famosos coreógrafos, como Ivaldo Bertazzo.


E ao estilo avó "descolada", cabelos curtos, grisalhos, com falas atualizadas, passou a almoçar sempre com os netos, sem ficar pegando no pé em relação aos hambúrgueres e doces que eles tanto adoram.

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Impulsionada pela liberdade e pela origem judaica, ela também iniciou um curso de religião, no qual, em 2020, deverá se formar rabina. Viúva do segundo casamento, a senhora já avisou os filhos, o porteiro do prédio e até os seus médicos que o seu testamento vital está no congelador da cozinha.

Encontros sobre o tema

A prática é comum nos Estados Unidos. Ela resolveu repetir aqui, local sem a mesma tradição, como uma forma de mensagem.

— Eu coloquei no congelador de farra. Aqui pouca gente sabe o que é testamento vital. Mas é para mostrar como é feito nos Estados Unidos, onde não há empregada, muitas famílias moram separadas. Quando chega a ambulância, já se sabe que o documento está no congelador, dentro de um plástico em uma embalagem.

O reporter continua, ainda hesitante: "E o que a senhora colocou no testamento vital, avisando sobre o que não quer nos momentos antes de sua..hum...hum...?" 

— Da minha morte? Não quero ser ressuscitada se estiver em uma condição irreversível na ambulância. Quero que tentem apenas se eu tiver um problema como parada cardíaca, já que pode haver chances de reverter no hospital. Agora, se eu estiver numa condição em que eu não tenha mais como voltar para uma vida digna, não me ressuscite, não quero ficar vegetando.

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Elca é frequentadora de Death Cafes, que chegam a mais de 2,5 mil nos Estados Unidos. Atualmente ela participa de encontros no único estabelecimento deste tipo em São Paulo, onde frequenta para falar de temas ligados à morte, de lembranças e de receios. Também vai a uma sessão mensal no Cine Belas Artes, que traz um filme consagrado sobre o tema e promove depois uma conversa entre os espectadores.

— Neste tipo de reunião, as pessoas trazem assuntos incríveis, interessantes e quando termina todos se sentem bem, acham ótimo ter podido falar, botar para fora. Numa dessas rodas, uma moça contou para a família que iria ao shopping. Disse para nós que se falasse que iria para um Death Cafe seus parentes iriam interná-la como louca, veja só!

Longe de se apegar à morbidez, ela procura aproveitar o presente, sem deixar de pensar no futuro. Considera, neste sentido, que o testamento vital foi terapêutico.

— Penso acima de tudo na vida. Saúde, afinal, é o que não me falta neste momento.

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