Jovem de 23 anos que morreu de mpox ficou 50 dias sem remédio
Benício estava internado em Florianópolis e faleceu em setembro; outras vítimas também não tiveram acesso ao medicamento
Saúde|Do R7

Benício Toureiro, de 23 anos, foi internado no fim de setembro no Hospital Nereu Ramos, em Florianópolis, por causa da dor que sentia com as feridas da mpox (varíola do macaco ou monkeypox).
Dois meses depois, o rapaz se tornou a 13ª vítima da doença no Brasil. O país é o segundo com o maior número de óbitos e casos no mundo, e sua resposta ao surto é vista como ineficiente por especialistas.
Internado com a doença, Benício passou 50 dias à espera do tecovirimat, o único remédio que tem se mostrado eficaz contra o vírus no mundo. O produto também é o único aprovado, em caráter emergencial, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O Brasil recebeu o primeiro lote do medicamento em agosto, mas não tem conseguido garantir uma frequência no envio de novos estoques para atender à demanda.
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Em Cuiabá, um paciente de 27 anos foi internado no Hospital Universitário Júlio Muller em 21 de setembro. Seu quadro evoluiu para insuficiência renal, falta de ar e taquicardia, entre outros sintomas. Em 4 de outubro, a equipe médica solicitou o tecovirimat ao Ministério da Saúde.
Mas o remédio não chegou, e o rapaz morreu em 8 de novembro, segundo a Secretaria da Saúde de Mato Grosso.
"O paciente não fez uso da medicação em razão de ela não estar disponível no Ministério da Saúde. A solicitação ficou na lista de prioridade do governo federal", informou a pasta.
Das três vítimas da mpox registradas em Minas Gerais, apenas duas tiveram acesso ao tecovirimat, apesar de todas terem apresentado sintomas elegíveis para o tratamento, segundo o protocolo desenvolvido pelo próprio ministério.
No Rio de Janeiro, o medicamento foi ofertado a dois dos cinco pacientes que morreram por complicações da doença.
Em São Paulo, que concentra a maior parte dos casos no Brasil, com mais de 4.200 infecções confirmadas, apenas um dos três pacientes que morreram se tratou com o tecovirimat. A Secretaria de Estado de Saúde não informou, entretanto, se o remédio foi solicitado para as outras duas.
Risco
O tecovirimat é essencial para frear o avanço da varíola dos macacos nos humanos, principalmente nos que têm algum tipo de imunodepressão, como portadores de HIV e pacientes com transplante ou quimioterapia recente.
Em agosto, o ministério informou ter conseguido os primeiros lotes do remédio, após uma doação da fabricante, a SIGA, e disse estar em negociação com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), braço da OMS (Organização Mundial da Saúde) no continente, para receber novas remessas.
"Tentamos com os órgãos públicos, com o prefeito, com pessoas do Ministério Público, com quem a gente podia. Mas todos falaram que, infelizmente, era assim, teria de esperar", conta Brunna Toureiro, de 31 anos, irmã de Benício.
Ela e o pai, o motorista de frete Amabilio Ferreira, de 57 anos, entraram em contato com conhecidos nos Estados Unidos, onde o remédio está disponível desde agosto.
Critérios
Em agosto, na época da entrega do primeiro lote, o governo federal disse que os critérios de distribuição do tecovirimat ficariam a cargo do Centro de Operação de Emergências para monkeypox do ministério. Mas esses parâmetros ainda não são claros nem para as equipes médicas que pedem o tratamento.
No Espírito Santo, um paciente aguarda o tratamento desde 17 de outubro, e, segundo a Secretaria da Saúde local, "ainda não há previsão para o envio".
Já no Rio Grande do Norte, dois pacientes tiveram acesso ao remédio. Um dos pedidos foi feito em 15 de outubro e a entrega se deu depois de 35 dias. No segundo caso, a solicitação foi em 3 de dezembro e o medicamento chegou só três dias depois.
O tecovirimat de Benício foi entregue somente em 19 de novembro, após o Hospital Nereu Ramos ter negociado diretamente com o laboratório produtor.
"Se a gente tivesse esperado o Ministério da Saúde, talvez não teríamos conseguido nem esse tratamento", disse Eduardo Macário, superintendente da Vigilância em Saúde de Santa Catarina.
O pedido foi feito ao governo federal em 7 de outubro. Após ter ficado sem resposta nem previsão de entrega, o hospital conseguiu contatar a fabricante do remédio, que doou cinco tratamentos para uso compassivo.
Como o ministério precisou intervir no processo de importação e Santa Catarina tinha apenas Benício na fila, segundo Macário, os outros quatro foram redistribuídos a outros estados.
"Foi difícil, porque o ministério não tem estoque estratégico. Os tratamentos que chegaram foram totalmente consumidos", aponta ele.
E acrescenta: "O que preocupa a gente e todos os estados é a ausência desse estoque estratégico. Se existisse, talvez não tivesse demorado 30 dias para o remédio chegar".
De acordo com Macário, a recomendação de uso do tecovirimat é "quanto antes". A maioria dos estudos e pesquisas recentes aponta que os sinais de melhora começam a se intensificar após 14 dias de tratamento. Benício morreu no décimo dia da medicação. Ele não resistiu a uma infecção generalizada.
Ao longo dos 50 dias em que Benício esperava a chegada do tecovirimat, a mpox se espalhou de modo desenfreado por seu corpo.
Nota
Em nota, o ministério informou ter recebido 28 tratamentos contra a mpox, por meio de doação da OMS e do laboratório fabricante. O último lote, com 16 unidades, foi recebido em novembro e utilizado em dez pacientes elegíveis.
Os critérios para uso compassivo do medicamento são resultado laboratorial positivo com lesão visível ou paciente internado com a forma grave. Para esse segundo grupo, leva-se em conta a presença de encefalite, pneumonite e lesões cutâneas com mais de 250 erupções pelo corpo, entre outros sinais.
"O Ministério da Saúde segue em contato com a OPAS/OMS para aquisição de mais tratamentos, além de contato com outros países para verificar a possibilidade de doações", acrescentou a pasta.
Saiba o que ainda intriga a ciência sobre a varíola do macaco
É possível a reinfecção da doença? Por ser até então uma doença rara, ainda não é possível saber se há casos de reinfecção ou se as pessoas que já pegaram outros tipos de varíola estão imunes à doença. "Não se sabe se a doença pode ser pega mais de ...
É possível a reinfecção da doença? Por ser até então uma doença rara, ainda não é possível saber se há casos de reinfecção ou se as pessoas que já pegaram outros tipos de varíola estão imunes à doença. "Não se sabe se a doença pode ser pega mais de uma vez. O que se sabe é que a imunidade gerada pela doença ou pela vacinação é uma imunidade protetora e que dura um longo período de tempo. Até porque, se não fosse assim, a varíola não teria sido erradicada", ressalta Giliane Trindade







![Vai ser necessário vacinar toda a população?
Por ora, a OMS acredita que a vacinação pode ser localizada e indicada para pessoas próximas às infectadas, como está sendo feito no Reino Unido e nos Estados Unidos. Profissionais de saúde da linha de frente também podem ser beneficiados com o imunizante.
Existe uma vacina contra a varíola do macaco produzida pelo laboratório Bavarian Nordic, na Dinamarca. Além disso, a vacina usada anteriormente poderia ser empregada, mas precisaria passar por atualização. A questão é que não há produção em larga escala de nenhum imunizante.
A epidemiologista Andrea McCollum, do CDC, disse, em entrevista à revista Nature, acreditar que as terapias provavelmente não serão implantadas em grande escala para combater a varíola. Para conter a propagação do vírus, deve ser usado o método chamado vacinação em anel. Aplica-se o imunizante nos contatos próximos de pessoas que foram infectadas para cortar quaisquer rotas de transmissão. “Mesmo em áreas onde a varíola [do macaco] ocorre todos os dias, ainda é uma infecção relativamente rara”, afirmou a especialista](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/QKBWL7J2O5NRJP7OV4WHGB2PPA.jpg?auth=95a13bb0bf102b370ae62f0e354531eb43452a4647e955794466b31465338afc&width=771&height=514)















