Medo coletivo pode prejudicar saúde mental durante epidemias
Em 2003, 42% das vítimas da SARS desenvolveram algum tipo de transtorno; psiquiatra afirma que melhor tratamento é manter população informada
Saúde|Aline Chalet, do R7*
O medo coletivo em epidemias e outras catástrofes de grande magnitude pode desencadear problemas de saúde mental. A solução para o problema, segundo o psiquiatra Rodrigo Leite, do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), é a veiculação de informação de qualidade.
Um estudo publicado no periódico científico East Asian Arch Psychiatry mostrou que 42% dos sobreviventes da SARS (síndrome respiratória aguda grave), última epidemia de coronavírus, em 2003, desenvolveram algum tipo de transtorno mental.
Assim como a epidemia atual, a SARS também teve início e registrou o maior número de casos na China — em todo o mundo foram 8.098 pessoas infectadas e cerca de 800 mortes.
O Estresse pós-traumático, um tipo transtorno ansioso, foi a condição mais presente entre os pacientes que apresentaram alguma comorbidade psiquiátrica: 54,5%. A depressão ficou em segundo lugar, com 39%.
A epidemia atual já infectou 64.460 pessoas, levou 1.384 à óbito e 7.171 pacientes se recuperaram.
Após a recuperação, essas pessoas podem desenvolver transtornos ansiosos e depressivos por conta do estresse e do isolamento.
“Existem teorias da depressão que a associam a um quadro inflamatório, portanto, toda infecção pode ser um fator biológico de risco para o desenvolvimento dessa doença”, afirma Leite.
Qualquer situação de perigo iminente à vida pode agravar transtornos prévios e ser gatilho para novos.
“A predisposição não é apenas genética. Às vezes, a epidemia é a gota d'água de um contexto de vida muito difícil, de pobreza, desemprego e desamparo social. É uma predisposição social.”
Outro fator apontado pelo médico é que, quando o sistema de saúde está concentrado no combate à epidemia, outras demandas ficam negligenciadas e o setor de saúde mental é o primeiro a ser colocado de lado.
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Os profissionais de saúde também estão sujeitos a ter a saúde mental prejudicada, principalmente por conta da sobrecarga de trabalho.
O médico lembra que mesmo as pessoas não contaminadas sofrem com a epidemia. “O estresse é contagioso e acaba sendo global.”
Segundo ele, existe o risco de uma crise de saúde mental, mas se o sistema de saúde estiver atento e os profissionais tiverem a sensibilidade para lidar com as pessoas fragilizadas, o risco é atenuado.
Quarentena brasileira
As recomendações do Ministério da Saúde e da Anvisa para aquarentena da operação de regresso dos brasileirosque estavam na China inclui um grupo de suporte para atenuar eventual sofrimento psíquico e prevenir transtorno de estresse pós-traumático.
“É esperado que em situações de isolamento e de um possível adoecimento as pessoas fiquem mais fragilizadas, chorosas, tristes ou com raiva, o que pode gerar efeitos negativos sobre a imunidade. Portanto é preciso cuidar do paciente em sua totalidade e de forma humanizada, considerando os aspectos físicos, o estado emocional, social e espiritual”, informa o documento do governo brasileiro com as recomendações da quarentena.
As orientações também incluem acesso ilimitado a chamadas de vídeo e ligações para parentes e amigos, brincadeiras para as crianças e que os profissionais de saúde chamem as pessoas pelo nome, entre outras medidas.
O psiquiatra explica que não é necessário ter profissionais de saúde mental nas equipes de atendimento, mas que elas possuam treinamento e informação para lidar com os transtornos mais comuns e para oferecer um tratamento humanizado, com acolhimento, escuta e informação ao paciente.
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Segundo ele, apenas os casos mais graves, com risco de suicídio ou sintomas muito incapacitantes, devem ser encaminhados à psicólogos e psiquiatras.
“O primeiro passo é identificar os indivíduos que estão em isolamento e têm antecedente de transtorno mental. O segundo é que a equipe preste apoio emocional aos pacientes”, explica o psiquiatra.
Soluções chinesas
"Devemos prestar atenção ao aconselhamento psicológico e à reabilitação, porque alguns pacientes podem sofrer de depressão após a doença. Se necessário, sugerimos visitar uma clínica psicológica”, afirmou Zhan Qingyuan, médico à agência de notícias estatal chinesa Xinhua.
Segundo a agência, a cidade de Wuhan abriu duas linhas diretas 24 horas com serviços psicológicos no dia 23 de janeiro. O serviço foi lançado em decorrência do isolamento da cidade.
Xangai enviou uma equipe de psicólogos e enfermeiros ao Terceiro Hospital de Wuhan, no dia 28 do mesmo mês.
"Os serviços online também estão disponíveis e os que precisam podem chegar até nós escaneando nosso QR code no WeChat", disse Shi Weixiong, membro da equipe médica, à Xinhua.
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Para moradores de outras cidades chinesas, também há um telefone disponível para quem tiver questões psicológicas relacionadas à epidemia.
Leite acredita que esse tipo de iniciativa pode ter objetivos mercadológicos e que — mais importante que disponibilizar psiquiatras — o acesso à informação de qualidade pode tranquilizar as pessoas.
“Grupos de apoio podem ser eficazes, mas essa medida não me parece a mais urgente. A China tem o fator político e de controle da informação que gera pânico”, acrescenta.
"É bastante normal sentir-se ansioso quando há uma crise de saúde pública. O problema se tornará cada vez mais óbvio com o passar do tempo em meio a esse surto epidêmico. Portanto, é hora de especialistas em psicologia intervir", disse Liu Yong, psiquiatra do Centro de Saúde Mental Anhui, à agência chinesa.
Vários grupos de apoio psicológico foram criados em um aplicativo de trocas de mensagem popular na China. A iniciativa é da Universidade de Wuhan e da Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong.
A KnowYourself, uma conta pública no WeChat, abriu um canal para profissionais da área médica, pacientes e familiares, na esperança de ajudá-los a reduzir ataques de pânico.
"Um dos meus pacientes está confirmado com o novo coronavírus. Estou ciente do alto risco de infecção, mas não tenho tempo para pensar em mim. Tenho medo de voltar para casa agora, porque não quero que minha família seja infectada", declarou um médico na plataforma.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Fernando Mellis
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