Mitos e verdades sobre vacinas contra covid baseadas em RNA
Primeiros imunizantes contra o coronavírus aprovados ainda envolvem boatos de que alteram DNA humano, entre outras
Saúde|Fernando Mellis, do R7
A pandemia da covid-19 permitiu o uso de vacinas de RNA mensageiro (RNAm) pela primeira vez na história — uma tecnologia que já é estudada há mais de três décadas e nunca havia tido seu uso viabilizado.
Essas vacinas abrem as portas para uma nova era nas imunizações, com potencial para entregar respostas mais rápidas após o surgimento de novos patógenos, como foi o caso do SARS-CoV-2, coronavírus causador da covid-19.
Entretanto, novidades sempre levantam dúvidas em parte da população, especialmente quando se trata em injetar uma substância biológica em indivíduos supostamente saudáveis — diferente do remédio, que é usado em alguém doente.
Um dos principais motivos de desconfiança em relação às vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna — ambas baseadas em RNA mensageiro e as primeiras a serem liberadas nos EUA e União Europeia — é o fato de terem ficado prontas em menos de um ano.
Há bastante tempo, empresas de biotecnologia já testam a segurança do RNA mensageiro em animais com diferentes tipos de infecções.
Quando o genoma do SARS-CoV-2 foi publicado pela China, em janeiro de 2020, foi relativamente fácil para os pesquisadores adaptarem a tecnologia e criarem uma vacina contra este vírus específico.
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Vacinas de RNA não possuem vírus
Diferentes de todas as outras vacinas em uso, as de RNAm não utilizam nenhum tipo de vírus, seja ele atenuado ou inativado. Portanto, não há risco de desencadearem doença.
Esses imunizantes possuem moléculas sintetizadas em laboratório com uma cadeia de material genético: o RNA mensageiro.
Ao entrar nas células humanas, o RNAm funciona como uma espécie de receita de bolo. Ele instrui o organismo a produzir um pedaço da proteína de pico do SARS-CoV-2.
É contra esses pedaços (inofensivos) do coronavírus que o sistema de defesa vai atuar e produzir anticorpos.
Em entrevista recente ao jornal espanhol El País, a bioquímica húngara Katalin Karikó, considerada a "mãe" das vacinas de RNAm, explicou como essas moléculas são obtidas.
"O RNA mensageiro que usamos tem a mesma composição que o fabricado por você mesmo, em suas próprias células. É algo completamente natural, feito a partir de nucleotídeos de plantas. Não há nada extra desconhecido e não são usadas células de nenhum animal, nem bactérias, nada.”
Outros ingredientes da vacina são lipídios (gorduras) que ajudam a levar o RNAm até as células, estabilizadores e substâncias que ajudam a manter o pH.
Sem microchips ou alteração de DNA
Há quem atribua, infundadamente, às vacinas de RNAm futuras mudanças no DNA e doenças decorrentes disso.
Antes, é preciso entender que o RNA mensageiro apenas instrui as células a produzirem a proteína do coronavírus que vai desencadear a resposta imunológica. Nada além disso.
Após esse processo, nossas células decompõem esse RNAm, e o organismo se livra deles, da mesma forma que os anticorpos se livram da proteína de pico.
O lado positivo é que os anticorpos e células de defesa — e estes sim são importantes — permanecem no corpo e vão atuar como linha de frente se o indivíduo vacinado vier a ser exposto ao vírus, evitando o desenvolvimento da covid-19.
“O RNA mensageiro é algo feito de DNA, mas não foi projetado para se integrar ao nosso DNA e não muda permanentemente nosso genoma e quem somos de forma alguma”, explica o médico Thaddeus Stappenbeck, presidente do Departamento de Inflamação e Imunidade do Instituto de Pesquisa Lerner da Clínica Cleveland, nos EUA, em artigo recente.
Também há uma teoria que ganhou força de que as vacinas conteriam microchips rastreáveis, tudo a mando de Bill Gates, cofundador da Microsoft.
Isso não passou de uma distorção de uma fala de Gates, que hoje comanda uma fundação responsável por investir em diversas pesquisas de saúde, inclusive em vacinas contra a covid-19.
Em entrevista, o bilionário se referiu ao fato de que no futuro poderia haver "certificados digitais" usados para saber quem se recuperou, quem foi testado para covid-19 e vacinado.
Ele se referia, no entanto, a uma tecnologia criada pela Fundação Gates de corante de ponto quântico.
À agência de notícias Reuters, Kevin McHugh, um dos principais autores do artigo de pesquisa “quantum dot dye”, confirmou que essa tecnologia não é um microchip ou uma cápsula implantável humana.
Em vez disso, é semelhante a uma tatuagem invisível, o que ajudaria a fornecer registros de vacinas de pacientes atualizados para profissionais em locais sem registros médicos.
Cabe ressaltar que nada disso está em uso na pandemia da covid-19 até o momento.
Vantagens e desvantagens
Dentre os pontos positivos demonstrados até agora é preciso destacar a alta capacidade de proteção contra covid-19 das vacinas de RNAm.
A da Pfizer/BioNTech alcançou proteção de 95%, segundo estudo publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine.
Já a da Moderna obteve eficácia de 94,1%, conforme artigo na mesma publicação.
Estas são as duas vacinas, até agora, com maior capacidade de proteger indivíduos, de acordo com os dados disponíveis.
São vacinas relativamente fáceis de fabricar e de serem ajustadas ao surgimento de mutações importantes de um vírus.
Em dezembro, a BioNTech afirmou que é capaz de fornecer uma vacina adaptada a qualquer mutação do coronavírus em seis semanas. Porém, ainda não houve variantes consideradas resistentes a imunizantes.
Dentre os pontos negativos, está o armazenamento ultrafrio necessário para esse tipo de imunizante.
A da Pfizer requer temperaturas de -70°C, podendo permanecer em temperatura de geladeira comum (2°C a 8°C) por até cinco dias.
A da Moderna exige congelamento entre -25°C e -15°C, mas pode ficar em geladeira comum por até 30 dias.
Além disso, todas elas exigem uma dose de reforço, o que torna qualquer programa de imunização mais desafiador e caro.