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Mulher passa sete meses com Covid e 'cria' 22 mutações do coronavírus

Caso aconteceu na Áustria e foi relatado recentemente por virologista à revista Nature

Saúde|Do R7

Aproximadamente metade das mutações foram encontradas posteriormente na variante Ômicron
Aproximadamente metade das mutações foram encontradas posteriormente na variante Ômicron

Uma mulher de cerca de 60 anos passou mais de sete meses com teste positivo de Covid-19 e, durante o período, produziu 22 mutações do coronavírus Sars-CoV-2. O caso foi relatado por uma virologista da Áustria, onde a paciente foi acompanhada. 

A idosa, infectada no fim de 2020, tomava medicamentos imunossupressores para tratar uma recaída de linfoma antes da Covid-19. Durante o contágio, ela apresentou sintomas relativamente leves da doença, como tosse e cansaço.

Na instalação de microbiologia em Ausservillgraten, a pesquisadora e seus colegas analisaram mais de 24 amostras virais da moradora. As mutações observadas em metade delas também foram detectadas posteriormente na variante Ômicron, que emergiu no fim de 2021. 

“Quando a Ômicron foi encontrada, tivemos um grande momento de surpresa”, disse Sissy Therese Sonnleitner à revista Nature. E acrescentou: "Já tínhamos essas mutações em nossa variante”.


Essa variante não surgiu por meio da infecção da mulher, que, segundo a virologista, parece não ter transmitido para ninguém. Porém, mesmo que ainda não seja completamente comprovado, infecções crônicas — como a da paciente — são as principais candidatas às origens da Ômicron e de outras variantes que impulsionaram as ondas de Covid-19 globalmente. 

“Acho que não pode haver dúvida na mente de ninguém de que essas [infecções longas] são uma fonte de novas variantes”, acrescentou Ravindra Gupta, virologista da Universidade de Cambridge, à Nature.


Esforço mundial

Desde o fim de 2019, cientistas sequenciaram os genomas de mais de 11 milhões de amostras de Sars-CoV-2 retiradas de pacientes. Essa ação permitiu que eles desenhassem uma árvore evolutiva do vírus, que mostra como ele mudou em cada passagem ao redor do planeta. Apenas algumas mutações foram estáveis por um período superior a um mês à medida que foram transmitidas para outras pessoas.

De acordo com o estudo, as novas mutações surgem conforme a infecção se espalha de célula para célula. Nem todas serão prejudiciais, mas existem algumas que podem acrescentar vantagens sobre outras versões do vírus no corpo do indivíduo, aumentando a sua capacidade de contágio ou fornecendo mais resistência diante das defesas imunológicas.


Essas duas situações são as principais formas de evolução do Sars-CoV-2 desde que ele foi encontrado pela primeira vez, em 2019.

Em infecções agudas, que duram cerca de uma ou duas semanas, as mutações “vantajosas” possuem menos tempo para superar as mais fracas, o que, em tese, torna baixa a possibilidade de elas serem transmitidas.

Entretanto, estudos mostram que apenas algumas partículas do vírus, possivelmente apenas uma, são necessárias para gerar uma nova infecção. Logo, a possibilidade de contágio acaba se tornando incerta.

“Qual desses vírus está na gotícula de aerossol que você espirra no momento em que alguém passa e respira é, em grande parte, uma questão de sorte”, disse à Nature Jesse Bloom, biólogo evolucionário do Fred Hutchinson Cancer Center, em Seattle.

Em infecções crônicas, que podem perdurar por semanas ou meses, os vírus com mutações “vantajosas” possuem mais tempo para superar os demais. Em um processo denominado recombinação, que consiste na combinação do material genético de duas cepas, podem aparecer vírus mais aptos.

"Esses vírus têm oportunidades não apenas de evoluir de uma maneira, em uma direção, mas literalmente milhares, talvez dezenas de milhares de direções ao longo de meses”, alertou Sarah Otto, bióloga evolutiva da Universidade da Colúmbia Britânica.

Busca pela origem das variantes

Variante Alfa também pode ter surgido de infecção longa
Variante Alfa também pode ter surgido de infecção longa

A variante Alfa, identificada no Reino Unido no fim de 2020, foi a primeira variante do Sars-CoV-2 com suspeita de surgimento a partir de uma infecção crônica. Mas essa não é a única hipótese, ela pode também ter surgido em uma região com pouca capacidade de vigilância genômica.

Andrew Rambaut e Verity Hill, biólogos do Instituto de Biologia Evolutiva da Universidade de Edimburgo, sugerem, a partir de uma descoberta casual, que a infecção crônica foi a fonte mais provável. Eles relataram em uma pré-impressão, em março, a descoberta de uma versão intermediária da Alfa, coletada de uma pessoa no sudeste da Inglaterra em julho de 2020, dois meses antes de ela ser detectada pela primeira vez na mesma região.

O vírus tinha diversas características da Alfa, e o estudo sugere que somente uma vez que ela combinou mutações teve alta capacidade de se espalhar.

Essas combinações também foram vistas na Ômicron, que possui várias sublinhagens e mutações sobrepostas. A característica de menor gravidade dessa variante também pode ser resultado de uma infecção crônica, pois pesquisas mostram que esse aspecto foi adquirido pela preferência do vírus de contaminar as vias aéreas superiores.

Provavelmente, ela progrediu de uma cepa que infectou as vias aéreas superiores e inferiores e de uma evolução coordenada — quando um vírus passa meses no organismo de uma pessoa. Entretanto, ainda não é claro quais forças evolutivas impulsionaram essa mudança.

Próximos passos

Os pesquisadores querem entender como o vírus pode evoluir a capacidade de se espalhar de pessoa para pessoa de forma mais fácil, de evitar a resposta imune ou de se tornar mais ou menos grave. As infecções crônicas podem fornecer algumas ou todas essas respostas.

As chances de que esse conhecimento auxilie na prevenção de uma próxima cepa mortal ou no rastreamento da origem de uma nova variante ainda são remotas.

Porém, os virologistas esperam que essa contribuição na compreensão da evolução viral possa antecipar como serão as variantes futuras e, possivelmente, encontrar maneiras efetivas de tratar as infecções crônicas — principalmente em pessoas com deficiências no sistema imunológico, que nem sempre respondem fortemente às vacinas.

“É um problema tão importante, já que não queremos outra variante com a qual não possamos lidar”, disse Alex Sigal, virologista do Africa Health Research Institute, em Durban, África do Sul, à Nature.

E acrescentou: “Precisamos ir além dos relatos de casos e entender o que o vírus está realmente evoluindo durante esse período”.

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