Na Índia, médicos confirmam que manter os pacientes informados os ajuda na cura
Para diminuir a ansiedade, profissionais de saúde do país passaram a envolver parentes e amigos durante o tratamento
Saúde|Vidya Krishnan. do The New York Times
Por volta das duas da tarde, logo depois do almoço, a unidade de terapia intensiva do Hospital Jayadeva, na cidade indiana de Bengaluru, está tranquila: não há ninguém caminhando apressado pelos corredores com resultados de raio-X, listas ou amostras para exames; as rondas da manhã já terminaram. Os médicos foram embora e o plantão acabou de virar.
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É nesse momento que chega Girish Balakrishnappa, que, apesar de enfermeiro, tem pinta de professor. A primeira coisa que faz é pedir a todos que silenciem o telefone e se reúnam à sua volta. Os pacientes que podem andar puxam a cadeira para perto; os que não podem se sentam na cama; e os que estão dormindo contam com os familiares para tomar nota.
Durante a hora seguinte, seus colegas, os médicos e os técnicos silenciam, cedendo espaço para a transformação do espaço em sala de aula. Os estudantes são cardiopatas ansiosos, alguns dos quais acabaram de sair da cirurgia de peito aberto, e seus familiares estão ainda mais inquietos. Eles vão aprender como tossir sem estressar o coração, como se coçar sem abrir o corte e como funciona o marca-passo.
Ele explica que a execução do procedimento não significa que o médico vai lhes tirar o coração. Na Índia, onde o tratamento médico anda de mãos dadas com a superstição, os mitos e a sorte, Balakrishnappa ajuda os pacientes a separar as boas informações das ruins – questão de vida ou morte enquanto estão na UTI e depois que recebem alta.
Esse auditório improvisado faz parte de um experimento que vem sendo feito na Ásia há uma década para testar um conceito simples e ao mesmo tempo radical: se o paciente recebe apoio e conforto dos parentes, por que não os envolver no processo médico e ver como isso afeta a recuperação?
Essa abordagem também despontou como parte da solução para os problemas persistentes enfrentados por sistemas de saúde de várias partes do mundo que foram castigados pela pandemia. A Organização Mundial da Saúde calcula que entre 80 mil e 180 mil profissionais podem ter morrido de covid no período de janeiro de 2020 a maio de 2021, gerando com isso uma escassez perigosa no setor.
Atualmente, a Índia tem um médico para cada 834 pessoas; nos EUA, essa proporção é de 2,4 médicos para cada mil habitantes. Só que apenas 80% dos indianos são alopatas, ou seja, praticam a medicina ocidental; os outros 20% apostam nos métodos tradicionais como o ayurveda, a naturopatia, a homeopatia e a medicina unani. A mesma escassez atinge o setor de enfermagem, onde há apenas 1,7 enfermeiro para cada mil pessoas (nos EUA são 12,7).
Esses números são importantes, assim como o que há por trás deles, ou seja, como a falta de comunicação entre médicos e pacientes afeta a saúde de quem precisa de tratamento/assistência. Segundo a Noora Health, que introduziu seu programa Care Companion em centenas de hospitais e milhares de clínicas na Índia, em Bangladesh e na Indonésia, quando as informações médicas são transmitidas adequadamente ao paciente e seus familiares, não só há uma redução das complicações pós-cirúrgicas mais comuns como dos atos de violência de parentes frustrados contra os profissionais.
Shahed Alam, um dos fundadores da ONG de Bengaluru, revelou ter percebido que os médicos e enfermeiros, mesmo fazendo parte do sistema de atendimento, praticamente não recebem instruções de como agir. “Muitos pacientes nem sabem por que estão internados, por que tipo de procedimento terão de passar; e os profissionais passam de um em um repetindo as mesmas informações. Treiná-los para dar explicações reduz sensivelmente a ansiedade no ambiente hospitalar.”
Durante a pandemia, o trabalho da Noora Health se tornou ainda mais relevante, pois o isolamento transformou os parentes em principais cuidadores dos contaminados pela covid e de quem sofria de doenças mais complexas, como tuberculose e problemas cardíacos. Por isso, a entidade expandiu os programas de ensino a distância e desenvolveu novas condutas para a higiene respiratória, a saúde mental e a segurança do profissional de saúde.
Muitos doentes e seus familiares acabam encarando Balakrishnappa como terapeuta, coach, amigo e filósofo, já que ele ensina aos pacientes praticamente tudo, desde como lidar com os efeitos colaterais de um tratamento ou uma doença até a importância da lavagem das mãos. Termina a aula com exercícios respiratórios e solucionando dúvidas pacientemente, a maioria sobre dieta e medicação, ou tempo de internação da UTI. E, quando chega a hora da alta, o paciente e a família percebem que estreitaram o elo que os une por terem compartilhado o espaço sagrado de vida e morte.
“O resultado é incrível. Eles acabam criando os laços que os ajudam a sobreviver ao problema de saúde que estão enfrentando”, me disse Balakrishnappa durante o almoço rápido, depois de horas explicando aos novos pacientes como funciona o hospital. Perguntei se a repetição diária não o entendiava. “Jamais. Se isso acontecer, o paciente morre. A grande maioria praticamente não tem escolaridade nenhuma e não fala inglês. É importante passar todas as informações de que necessitam para garantir a recuperação completa.”
Fui falar com os doentes também. Eles me revelaram que o encontro com Balakrishnappa é o ponto alto do dia – o que não deixa de ser uma verdadeira façanha dentro de um hospital. Perguntei a Dilip Kumar, de nove anos, que estava na UTI havia um mês para cuidar de um buraco que tem no coração, qual o conselho mais útil que tinha recebido. Ele pensou um pouco e falou do aviso que Balakrishnappa tinha lhe dado sobre o pós-cirúrgico. “Ele me disse que eu não entrasse em pânico nem puxasse os fios presos ao corpo, e que minha mãe não poderia entrar para ficar comigo. Pediu que eu fosse ainda mais corajoso do que tinha sido na sala de cirurgia porque ficaria sozinho. Mas por pouco tempo.”
Três dias depois da alta, visitei Dilip onde mora, no distrito minerador de Kolar, periferia de Bengaluru. Estava feliz por estar em casa e “não passar frio o tempo todo por causa do ar-condicionado”. Ainda usava máscara, como pedira Balakrishnappa, que lhe cobria praticamente todo o rostinho – mas era fácil saber quando sorria porque os olhos se iluminavam.
Sua mãe, Manjula, continuava de olho no resto da família para garantir que continuavam lavando as mãos como aprenderam no hospital. “Dilip está com saudade dos enfermeiros e de Girish, é claro. Eu também. Foi muito amigo, e isso é coisa rara em um hospital tão grande. Falamos dele o tempo todo aqui em casa. Eu não teria conseguido nada disso sem sua ajuda. Ele me ensinou como cuidar do meu filho.”
c. 2023 The New York Times Company