'Não tem por que ela não chegar ao Brasil', diz virologista sobre a varíola do macaco
Pesquisadora da USP ouvida pelo R7 explica que, devido ao ritmo de novos casos, em diferentes lugares, nenhum país está seguro
Saúde|Carla Canteras, do R7
Na última semana, o mundo acompanhou um crescimento rápido no número de casos da varíola símia, ou varíola dos macacos, principalmente em países da Europa. O vírus, porém, já se espalhou pelos continentes da América do Norte e da Oceania. O número de diagnósticos confirmados e casos suspeitos passa de uma centena.
De acordo com a virologista Camila Malta, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Instituto de Medicina Tropical, nenhum país está livre de ter casos.
“Não tem como prever nada, mas não tem por que ela não chegar ao Brasil. Não dá para saber por qual país da América do Sul ela vai entrar, mas sabemos que tem uma grande conectividade por São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. É possível que venha dos países com casos por essa rota. Mas é só uma suposição”, explica a especialista.
Ela acrescenta: “A OMS [Organização Mundial da Saúde] chamou uma reunião urgente para definir se é uma situação de emergência. Diante disso, não tem como a gente achar que o Brasil está seguro, nenhum país está seguro”.
O que causa estranheza entre as autoridades sanitárias é que, nas outras vezes em que casos de varíola dos macacos surgiram fora de países africanos, onde a doença é endêmica (ocorre habitualmente), os surtos eram localizados. Agora, a transmissão está mais rápida e já há casos de propagação comunitária.
“É uma doença que não era para ser de transmissão tão fácil, porque o hospedeiro natural dela não é humano, provavelmente é um roedor. Embora seja a doença símia, o hospedeiro mais natural acredita-se que é um roedor”, diz Camila.
Uma das possibilidades estudadas é que o vírus tenha passado por mutação que facilitou a transmissão entre humanos.
“Foram sequenciados os primeiros genomas em Portugal, ainda está em análise, então não podemos afirmar nada. Será que ele sofreu alguma mutação que facilita a transmissão de humano para humano e, por isso, estamos vendo esse surto agora? Ainda não dá para saber, mas é uma hipótese”, ressalta.
No primeiro relatório de análises dos genomas feitos em Portugal, os pesquisadores afirmaram:
“Uma primeira análise filogenética rápida do esboço do genoma indica que o vírus de 2022 pertence ao clado [ramo] da África Ocidental e está mais intimamente relacionado ao vírus associado à exportação do vírus da varíola do macaco da Nigéria para vários países em 2018 e 2019, nomeadamente o Reino Unido, Israel e Singapura. Esses dados e análises preliminares serão atualizados em breve com a liberação de novos dados do genoma, que serão importantes para elucidar a origem e a disseminação internacional do vírus atualmente circulante.”
Diferentemente do que ocorre com o Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, o vírus da varíola não passa por mutações rápidas, por ser de DNA – o coronavírus é de RNA.
Fabian Leendertz, do Instituto Robert Koch, descreveu o surto como uma epidemia.
"No entanto, é muito improvável que esta epidemia dure muito. Os casos podem ser bem isolados por rastreamento de contatos, e também existem medicamentos e vacinas eficazes que podem ser usadas se necessário", disse ele em entrevista à agência de notícias Reuters.
Transmissão
A transmissão da varíola símia se dá por meio de contato prolongado ou pelo compartilhamento de roupas, roupas de cama e toalhas entre uma pessoa saudável e outra infectada.
“Quando falamos de roupa, é um fato. A varíola tem essas pústulas, então todo o material e roupas que a pessoa entra em contato ficam contaminados. Só que é um vírus de transmissão aérea, mas não por gotículas pequenas, como é a Covid-19. No caso do poxvírus [família desse tipo de patógeno], precisa de mais, uma gotícula grande, que tem de ser um beijo ou falar muito de perto por muito tempo, para aumentar a chance dessa transmissão”, destaca Camila Malta.
O período de incubação da doença pode ser de 5 a 21 dias, mas a virologista explica que a transmissão se dá a partir dos primeiros sintomas da doença, que não são as feridas na pele, a principal marca da varíola.
“Essa doença nem sempre vai manifestar pústulas, então ela pode ser totalmente benigna, e a pessoa só ter um estado febril. Agora, por exemplo, estamos em um outono rigoroso no Brasil; aparece uma pessoa com dor de cabeça, febre, rash cutâneo [erupções na pele], dor muscular, você vai pensar em dengue, Covid. Até ela ter a manifestação dermatológica, ela já transmitiu o vírus”, alerta.
Para que a transmissão entre humanos ocorra, o" vírus precisa estar replicando, e a pessoa precisa estar manifestando um sintoma, mesmo que leve", afirma.
"Ela tem de estar doente, porém, não necessariamente com manifestação de pústula. Uma pessoa pode ter dor de cabeça forte, outra pode ter as manifestações dermatológicas, e outra não sentir nada, e as três estão transmitindo."
Uma das notícias que tranquilizam as organizações de saúde é que a doença tende a ser leve e ter letalidade muito menor que a da varíola tradicional, que foi erradicada mundialmente com o auxílio de vacinas. De acordo com a OMS, esses imunizantes têm eficácia em torno de 85% contra a varíola dos macacos.
Há também um medicamento antiviral, com uso aprovado no Estados Unidos, para tratar a doença, o Tpoxx (tecovirimat). Entretanto, no geral, o que se faz é controlar os sintomas e esperar o clareamento das erupções.
Por tudo isso, a pesquisadora diz acreditar que o controle desse surto tende a ser mais rápido.
“A esperança é que isso não se torne uma emergência como foi a da Covid-19, mas não acho um cenário tão otimista, já que a cada dia um país novo detecta esse vírus. Porém, dispomos de tecnologia de construção de vetores vacinais, de esqueletos vacinais muito mais rápida do que a gente acreditou que a gente fosse capaz. Embora seja preocupante, é melhor do que seria há 20 anos para o controle desse novo surto”, finaliza.
Na Europa, a preocupação é que as festas de verão possam aumentar o tamanho do surto se não houver controle da transmissão nas próximas semanas.
"À medida que entramos na temporada de verão na região europeia, com reuniões de massa, festivais e festas, estou preocupado que a transmissão possa acelerar, pois os casos atualmente detectados estão entre aqueles que praticam atividade sexual e os sintomas são desconhecidos para muitos", afirmou o chefe da divisão europeia de OMS, Hans Kluge, em comunicado.
Para a consultora médica chefe da UKHSA (Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido), Susan Hopkins, é esperado um aumento no número de novos diagnósticos.
"Antecipamos que mais casos seriam detectados por meio de nossa busca ativa de casos nos serviços do NHS [Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido] e maior vigilância entre os profissionais de saúde. Acreditamos que esse aumento continue nos próximos dias e que mais casos sejam identificados na comunidade em geral. Além disso, estamos recebendo relatórios de outros casos identificados em outros países do mundo."