Nos EUA, obesidade e excesso de peso viram epidemia
Estudo revela um aumento gritante nos níveis de sobrepeso nacional desde 1990, quando os números superavam em pouco os 50%
Saúde|Nina Agrawal, do The New York Times
De acordo com um estudo novo e abrangente, quase 75% dos norte-americanos adultos são obesos ou têm sobrepeso, conclusão que tem amplas consequências para os gastos médicos e de saúde da nação, que já enfrenta um peso considerável de doenças relacionadas ao excesso de peso.
Publicado em 14 de novembro pela “The Lancet”, o ensaio revela um aumento gritante nos níveis de obesidade nacional desde 1990 – quando os números superavam em pouco os 50% – e mostra que mais pessoas estão ficando com sobrepeso ou obesas cada vez mais cedo. Ambas as condições aumentam o risco de desenvolver diabetes, hipertensão e doenças cardíacas, além de reduzir a expectativa de vida.
A verdade é que os autores registraram um aumento em todas as faixas etárias, mas se mostraram principalmente alarmados com a proporção do fenômeno entre as crianças, que supera os 33%. Eles preveem que, sem uma intervenção agressiva, esses números continuarão a subir, afetando quase 260 milhões de pessoas em 2050. “Já considero uma epidemia”, disse Marie Ng, professora associada afiliada ao Instituto de Avaliação e Métrica de Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington e coautora do novo artigo.
No documento, os especialistas afirmaram também que as políticas existentes não conseguem dar conta da crise, acrescentando que uma “reforma radical” é necessária para impedir que a situação se agrave. “É preciso dedicar muito mais atenção e investimento do que se vê atualmente”, confirmou Sarah Armstrong, professora de pediatria e de ciência da saúde populacional da Universidade Duke, não envolvida no projeto.
A análise usa a definição de “sobrepeso” para a pessoa com mais de 25 anos e um IMC (índice de massa corporal) de 25 ou acima desse valor e de “obesidade” quando supera a marca de 30. Os autores admitem que a medida não é ideal, pois não inclui as variações estruturais da população, mas do ponto de vista científico está relacionada com outras medidas de gordura corpórea e é uma ferramenta prática para estudá-la em nível populacional.
A equipe notou um aumento contínuo na proporção de pessoas obesas e/ou com sobrepeso nas últimas três décadas. A taxa de obesidade foi ainda mais pronunciada, dobrando entre 1990 e 2021 para mais de 40%, e quase triplicando entre meninas e mulheres na faixa dos 15 aos 24 anos.
As consequências são sérias: segundo um relatório do Comitê Econômico Conjunto Republicano divulgado este ano, a previsão é de que a condição resulte em mais de US$ 9 trilhões em gastos médicos excessivos nos próximos dez anos, uma vez que aumenta as chances de desenvolvimento de inúmeros problemas de metabolismo e as complicações associadas a eles, como hipertensão, diabetes tipo 2, doenças hepáticas e renais, enfarte e AVC; além disso, está ligada à infertilidade, ao câncer e à maior fragilidade da saúde mental.
O relatório foi divulgado em um momento de evolução do entendimento científico sobre as causas da obesidade e de como tratá-la. Durante muito tempo, prevaleceu a ideia de que era apenas um problema de desequilíbrio entre o consumo e o gasto de calorias, simplesmente exigindo que a pessoa comesse menos e se exercitasse mais, mas agora se sabe que a realidade é bem mais complexa, com explicou Armstrong. “É resultado de interações genéticas, fisiológicas e ambientais. Não é culpa do indivíduo que dela sofre.”
Há vários fatores que podem contribuir para essa disparada, incluindo a grande acessibilidade a alimentos ultraprocessados, a dificuldade de acesso a opções frescas e o aumento da atividade on-line, totalmente sedentária. “Entretanto, é preciso fazer mais pesquisas para entender o potencial de efeito dos fatores ambientais, como a exposição aos microplásticos, que podem estar comprometendo nosso microbioma, e dos sociais, como insegurança alimentar, acesso a transporte, renda, empregabilidade e nível de ensino, principalmente entre negros, hispânicos, indígenas e pessoas carentes, que acabam mais afetados do que os brancos e membros da classe média”, afirmou Armstrong.
O imenso volume de fatores também dificulta o combate. “Sabemos que muita coisa não depende nem do indivíduo nem do que acontece na sala de exames”, afirmou Sarah Hampl, professora de pediatria do Children’s Mercy Kansas City e da Faculdade de Medicina da Universidade do Missouri em Kansas City.
A preocupação com as crianças
Para os especialistas, o aumento de casos de obesidade entre os adolescentes é ainda mais preocupante: quase metade deles e de jovens adultos, na faixa dos 15 aos 24 anos, tem sobrepeso ou é obesa. Em 1990, esse número chegava a 29%.
A criança obesa tem maiores chances de desenvolver hipertensão; colesterol alto, que leva ao acúmulo de placas de gordura nas artérias; diabetes tipo 2; e gordura no fígado, que causa inflamação. Armstrong confirmou que esses problemas são cada vez mais comuns entre crianças novas. “Elas são mais propensas a continuar obesas na idade adulta e ter problemas crônicos”, completou Emily D’Agostino, professora de ortopedia e epidemiologista social da Duke.
A pesquisa registrou uma alta particularmente acentuada nos casos de obesidade entre meninas e mulheres de 15 a 24 anos, que passaram de 10% em 1990 para 29% em 2021. Segundo Hampl, esses números são preocupantes não só para as jovens como para os filhos que eventualmente tenham, pois já foi comprovado que um IMC alto antes da concepção, o ganho excessivo de peso durante a gravidez e o recém-nascido muito pesado aumentam os riscos da obesidade na infância.
Uma questão que vai além do individual
De acordo com Hampl, no nível individual o combate à obesidade deve ser uma combinação de modificações de estilo de vida, medicação e cirurgia, embora nem todo paciente precise dos três. “O problema é a cobertura limitada do plano de saúde para tratamentos que sabemos ser eficazes, como o Intensivo de Comportamento de Saúde e Estilo de Vida (IHBLT, em inglês), as medicações para perda de peso e a cirurgia bariátrica.”
Ng mencionou os fármacos mais novos do tipo GLP-1, como o Wegovy e o Zepbound, chamando-os de “promissores”, ainda que os efeitos em longo prazo ainda tenham de ser analisados. “Para terem impacto na saúde pública, porém, terão de ser amplamente acessíveis, o que é bem complicado se levarmos em conta que atualmente são caríssimos. Também não são a solução mágica para o problema. São necessárias mudanças estruturais para reverter tendências que já são populacionais; subsídios para os alimentos saudáveis e taxas sobre as bebidas açucaradas são exemplos das medidas locais e/ou estaduais que teriam um forte impacto na dieta. O mesmo vale para a regulamentação do conteúdo nutricional e do marketing de alimentos pouco saudáveis, mas isso já exigiria uma coordenação com o governo federal.”
Ela concluiu: “O nível de obesidade já está chegando ao ponto de saturação, com o ritmo mais lento do aumento de casos. Se pensarmos que já está batendo nos 80% nos adultos, realmente não tem como ir muito mais longe.”
c. 2024 The New York Times Company