O que se sabe sobre a mucormicose e sua relação com a covid-19
Casos da doença atrelados à covid causam epidemia na Índia; no Brasil, há registro de uma morte e outros quatro casos suspeitos
Saúde|Hysa Conrado, do R7
A mucormicose, infecção por fungo que causa lesões escuras na pele, colocou a Índia em alerta, com epidemia da doença registrada em 19 regiões, e chama a atenção no Brasil após a morte de um paciente de covid-19 com suspeita da doença, em Campo Grande (MS), e mais quatro casos em investigação.
O aparecimento da doença atrelada a casos de covid-19 pode estar relacionado ao uso de altas doses de corticóides associado a um quadro de diabetes descontrolado, combinação que aumenta a chance de infecção pelo fungo, segundo o infectologista Flávio Telles, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
O médico ressalta que os corticóides são usados para tratar pacientes graves de covid-19 que vão para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e diabéticos fazem parte do grupo de risco para o coronavírus. Telles destaca que este também é um dos motivos que explicam a epidemia de mucormicose registrada na Índia.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 2019, a Índia tem 8,7% da população diabética na faixa etária de 20 a 70 anos, o que corresponde a mais de 118 milhões de pessoas. Além disso, há a questão relacionada aos hábitos de higiene do país e a segunda onda da pandemia de covid-19 enfrentada pelos indianos, que fez explodir o número de internações e mortes.
“É uma questão de qualificação do local onde está o paciente. A Índia é um país que tem um pouco de precariedade em relação a funções de higiene e também problemas socioeconômicos, são mais de 1,3 bilhão de habitantes. É um país evoluído, mas que tem condições precárias em algumas regiões”, afirma o infectologista, que também é coordenador do Comitê de Micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Na Índia, a mucormicose foi diagnosticada em pacientes com covid-19 que receberam suporte de oxigênio por meio de cilindros; Telles não descarta a possibilidade do fungo ter sido contraído por este meio.
“Mas o fungo está no ar, às vezes nos equipamentos de fora da UTI, nas enfermarias. A única maneira de evitar que o fungo entre no ambiente do paciente é usar um tipo de filtro que elimina pequenas partículas, ele é usado em unidades de transplante e em algumas UTIs”, afirma.
A mucormicose é causada pelo fungo mucorales, que invade os vasos sanguíneos e provoca necrose nas áreas acometidas, que pode ser desde à pele, olhos e boca até o cérebro e pulmão.
“O nome fungo negro ou preto é inadequado, pois não é o fungo que é negro, mas a necrose tecidual que ele causa”, explica o especialista.
Ainda segundo Telles, a mucormicose é uma doença que existe no mundo inteiro, conhecida desde 1885. O fungo causador da infecção está no ar, no meio ambiente, na água e em compostos orgânicos. “Não tem como se livrar dele”, afirma.
O grupo de risco para mucormicose é formado por pessoas com diabetes descompensada, pacientes em tratamento para leucemia, receptores de transplantes de medula óssea e de órgãos sólidos, como rim e fígado.
“Os fungos agentes de mucormicose são parte do ‘mofo’ ou de fungos que existem no ambiente e em todo lugar, sem perigo para quem não tem fatores de risco. Todos esses fungos não são transmissíveis entre os humanos, como em outras doenças infecciosas”, afirma.
Casos de mucormicose no Brasil
Neste ano, 29 casos de mucormicose já foram registrados no Brasil, dos quais, quatro foram após infecção por covid-19, segundo o Ministério de Saúde. Esses quatro casos ocorreram em Araguaina (PA), Fortaleza (CE), Natal (RN) e São Paulo (SP).
Na última quinta-feira (3), um homem com covid-19 grave, de 71 anos, que estava com suspeita de mucormicose morreu em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Além dele, há outros dois casos suspeitos da doença no país: um homem de 51 anos em Joinville (SC) e outro na faixa etária dos 30 anos em São Paulo.
O Ministério ressalta que a ocorrência de casos de mucormicose registrados no Brasil não tem, até o momento, relação com a variante indiana do SARS-CoV 2, chamada de Delta, já que ocorreram antes da detecção dessa cepa no país.
Para o infectologista, a segunda onda de covid-19 no país, responsável pelo colapso no sistema de saúde pelo número alto de novas internações entre março e abril deste ano, também pode explicar o aparecimento de mucormicose entre brasileiros com covid-19. Além disso, no Brasil há cerca de 13 milhões de diabéticos, segundo dados de 2019 da Sociedade Brasileira de Diabetes.
“Quando essas pessoas têm covid, elas recebem, por protocolo, além de anticoagulante, altas doses de corticóide para diminuir a inflamação do pulmão, que é [um medicamento] de alto risco para mucormicose”, afirma o médico.
No entanto, o especialista destaca que não há riscos de uma epidemia de mucormicose no Brasil. “Na UTI de covid em relação a fungo o que ocorre mais é a cândida no sangue e um fungo chamado aspergillus, que são muito mais frequentes que a mucormicose. No Hospital de Clínicas da UFPR, onde trabalho, vemos 2 ou 3 casos [de mucormicose] por ano. Esses fungos estão em todo o ambiente e geralmente não são perigosos”, afirma.
Principais sintomas e tratamento
Telles explica que a mucormicose pode aparecer como uma lesão preta no céu da boca ou na pele, podendo se iniciar pelo nariz e expandir para o cérebro, além de também ocorrer no pulmão, onde é possível localizar por meio de tomografia de tórax.
Segundo o especialista, os sintomas da mucormicose aparecem de acordo com o local afetado. Se acometer a face, pode causar dor, protusão do globo ocular, perda da visão, obstrução da respiração, febre e necrose.
“A pessoa fica muito mal e, quando acomete os olhos, eles saem um pouco da órbita. Se atingir o cérebro, causa vários sintomas neurológicos, convulsões, dor de cabeça incontrolável, alterações mentais e motoras”, explica o infectologista.
De acordo com Telles, a letalidade da mucormicose é alta, podendo levar à morte de 50% a 70% das pessoas acometidas, porque causa a interrupção do fluxo de sangue nas regiões acometidas.
O tratamento é feito por meio de medicação antifúngica aplicada por via intravenosa e procedimento cirúrgico que remove a área necrosada, além de controle da doença de base, como o diabetes.
“Qualquer doença infecciosa em que há necrose, quando o tecido perde a vida, é preciso retirar com cirurgia e, às vezes, tem que tirar um pedaço da face da pessoa, o olho. É uma doença mortal, tem que fazer tudo para salvar a vida da pessoa, depende do tratamento precoce combinado com cirurgia e medicamento antifúngico”, afirma Telles.