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Pacientes com doenças raras têm tratamentos interrompidos e lutam para conseguir remédios

Irmãs com síndrome da quilomicronemia familiar e criança com distrofia muscular de Duchenne estão na expectativa para uso de medicamentos, mas têm receio de não recebê-los

Saúde|Yasmim Santos*, do R7

Irmãs com síndrome rara tiveram acesso ao medicamento, mas deixaram de recebê-lo
Irmãs com síndrome rara tiveram acesso ao medicamento, mas deixaram de recebê-lo Irmãs com síndrome rara tiveram acesso ao medicamento, mas deixaram de recebê-lo

O desafio de conviver com uma doença rara se torna ainda mais difícil quando os pacientes se veem sem condições de adquirir os medicamentos dos quais precisam para manter o mínimo de normalidade na vida. 

Isso acontece com duas irmãs portadoras da SQF (síndrome da quilomicronemia familiar) e com uma criança de 2 anos com distrofia muscular de Duchenne, que têm de lidar com as incertezas da doença e da Justiça brasileira.

Em junho deste ano, as irmãs Maria de Fátima, de 51 anos, e Silvânia Maria, de 44 anos, contaram ao R7 como era conviver com a SQF, condição que elevou o nível de triglicérides de uma delas para cerca de 9.000 mg/dl — o valor normal é de até 150 mg/dl.

Sangue leitoso, pancreatite, hipertensão, anemia e xantomas na pele (lesões associadas ao alto nível de gordura no sangue) eram alguns dos sintomas tidos por elas. Silvânia já tinha passado por mais de 200 crises de pancreatite e estava com parte do pâncreas necrosada.

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A esperança das duas era ter acesso ao Waylivra, cujo princípio ativo é a volanesorsena, um remédio de alto custo (cerca de R$ 200 mil) eficaz contra a condição. Em julho deste ano, Maria conseguiu concretizar o sonho e recebeu o medicamento. Após um mês, Silvânia também. 

As irmãs haviam entrado com pedido judicial para obrigar o SUS a custear o tratamento. 

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Os primeiros efeitos do remédio tornaram possível um dos maiores desejos das irmãs: diminuir a taxa de triglicérides para cerca de 500 mg/dl.

Evolução da taxa de triglicérides de Maria de Fátima ao decorrer do tratamento
Evolução da taxa de triglicérides de Maria de Fátima ao decorrer do tratamento Evolução da taxa de triglicérides de Maria de Fátima ao decorrer do tratamento

“O meu {nível de] triglicérides, de quase 10.000 mg/dl, passou para quase 6.000 mg/dl. Com duas doses da medicação, passou para 1.700 mg/dl, com dois meses de uso passou para 502 mg/dl”, conta Maria.

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E acrescenta: “O colesterol chegou a se normalizar, a gente estava superfeliz, não tivemos efeitos colaterais que o medicamento poderia causar, tudo muito tranquilo. Eu sempre disse que acordava com o olho colado, com secreção, passei a não ter mais; os xantomas que eu tinha sumiram. Com a Silvânia também sumiu quase tudo, tivemos uma melhora muito grande.”

Sonho durou pouco

Triglicérides de Silvânia ao decorrer do uso do medicamento
Triglicérides de Silvânia ao decorrer do uso do medicamento Triglicérides de Silvânia ao decorrer do uso do medicamento

No entanto, as irmãs conseguiram doses para apenas dois meses e não estão mais recebendo o medicamento.

A quantidade não foi suficiente para cumprir o protocolo mínimo de três meses de uso, portanto o tratamento terá que ser reiniciado.

“A gente estava feliz mesmo, porque realmente a medicação funciona e, infelizmente, com esse tempo que já estamos sem ela, é como se tivéssemos voltado à estaca zero, porque [o tratamento] tem que ter continuidade e foi interrompido”, conta a irmã mais velha.

Taxa de triglicérides de Maria após um mês sem o remédio
Taxa de triglicérides de Maria após um mês sem o remédio Taxa de triglicérides de Maria após um mês sem o remédio

Com apenas um mês sem a volanesorsena, os triglicérides de Maria, que estavam em 502 mg/dl, já passaram para quase 1.000 mg/dl.

Agora, as irmãs têm de recorrer às vias judiciais novamente para receber o medicamento.

“Infelizmente, acabou, estamos na briga de novo, na luta para conseguir a medicação. Teve uma decisão judicial em que o juiz tinha dado cinco dias úteis para o Ministério da Saúde depositar o valor para a gente; esse prazo expirou no dia 10 de outubro, e a gente não tem nenhuma resposta deles”, lamenta Maria.

Dessa vez, as duas solicitaram 24 caixas do medicamento, o equivalente a seis meses de tratamento. A incerteza das decisões judiciais, no entanto, é ruim para as irmãs.

“Isso vai desgastando a gente, e o estresse aumenta a taxa de nossos triglicérides. Você liga para um, liga para outro, você faz de tudo e não consegue. É como se não fosse importante para eles esse problema”, diz Maria.

O R7 entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber se há alguma previsão de pagamento do valor determinado pela Justiça às irmãs, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. 

Incerteza sobre medicamento de R$ 32 mil

Enzo foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne
Enzo foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne Enzo foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne

A situação é um pouco diferente para Maria Luana, de 19 anos, mãe de Enzo Levi, de 2 anos e 3 meses, que foi diagnosticado com DMD (distrofia muscular de Duchenne) aos 3 meses de vida.

Luana já tinha casos de DMD na família e, a partir de um exame genético, conseguiu o diagnóstico do filho precocemente.

Enzo tem consultas recorrentes com especialista, faz hidroterapia, toma carbonato de cálcio e vitaminas e agora pode começar a tomar o atalureno, cujo nome comercial é Translarna, remédio que custa cerca de R$ 32 mil.

O que viria a ser uma notícia boa é cercado de dúvidas, já que eles não sabem ao certo se vão receber o remédio, ou mesmo se vai haver continuidade na entrega.

“O prazo é até dia 30 deste mês [novembro], para medicação poder chegar, mas não se sabe se ela vai vir realmente”, diz Luana.

O remédio, de acordo com a mãe, aumenta as chances de Enzo “não parar de andar, dá muita força, não só na questão de parar de andar, mas dá força nos músculos, isso é muito bom.”

Atualmente, ela se dedica integralmente ao filho e espera que ele tenha a oportunidade que pouquíssimas crianças diagnosticadas com a doença têm: a de ter um tratamento precoce.

Burocracias

A presidente da Fedrann (Federação das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro-oeste), Monica Aderaldo, conta que o processo para conseguir medicamentos de alto custo que não estão no rol do SUS (Sistema Único de Saúde), como é o caso do das irmãs e de Enzo, depende de algumas etapas.

“Para conseguirem o tratamento, infelizmente, tem de ser pela via judicial, dentro dos parâmetros que foram estabelecidos pelo STF [Supremo Tribunal Federal] e STJ [Superior Tribunal de Justiça]”, diz a presidente.

Esse processo, segundo Monica, é mais incerto, já que “ninguém sabe o que passa na cabeça de um juiz".

"Ninguém sabe como é que aquela Corte vai receber essa demanda, e essa demanda geralmente é de morte, não é de vida", ressalta. 

Os processos judiciais quase nunca tramitam na mesma velocidade da necessidade dos pacientes. 

“Esses tratamentos, em relação a uma doença genética rara, não vêm trazer a cura, mas vêm trazer interrupção do prosseguimento da evolução daquela patologia. Então, isso é urgente para esses pacientes”, alerta Monica.

Na nova ação movida pelas irmãs, elas mostram a qualidade e efetividade do medicamento, para justificar a necessidade de continuidade dele. Para a presidente da associação, isso seria desnecessário se a atenção se voltasse ao risco de morte que elas correm.

“[Falta] sensibilidade para ver que realmente há eficácia do tratamento, que há melhora da qualidade de vida, não só pelas duas, mas para todos os pacientes que sofrem com essa patologia. É urgente, é para agora, é para ontem”, relata Monica.

Nos casos da DMD, o remédio é essencial para dar perspectiva de vida àquela criança.

“Antigamente esses meninos chegavam na primeira década de vida, no máximo na segunda e, hoje, tem tratamento”, diz a presidente.

“100% dos pacientes com distrofia muscular de Duchenne vão ter tratamento? Não, é 1%, 2% desses pacientes, mas, dessa porcentagem, ainda não vão entregar?”, lamenta Monica.

*Estagiária do R7, sob supervisão de Fernando Mellis.

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