Pandemia derruba cobertura vacinal de outras doenças no Brasil
Queda pode levar ao reaparecimento de doenças erradicadas e aumento das controladas; cobertura mais baixa é de hepatite B
Saúde|Carla Canteras, do R7
A pandemia agravou um problema que já existia no mundo pré-covid: a baixa procura por vacinas para doenças possíveis de se prevenir. O Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) fez um relatório da cobertura vacinal no Brasil, em que mostra as imunizações de 2015 até o dia 16 de maio de 2021.
A conclusão do estudo aponta que o alcance vacinal caiu muito nos últimos anos e está abaixo da meta do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Sendo que a proteção contra a hepatite B apresentou a maior queda, com cobertura de apenas 62,8%.
O instituto usou dados do Ministério da Saúde para nove imunizantes presentes no Calendário Nacional de Vacinação: poliomielite, primeira dose da tríplice viral (sarambo, caxumba e rubeóla), BCG (tuberculose), pentavalente (tétano, coqueluche, difiteria, hepatite B e meningite), hepatite B (em crianças até 30 dias), hepatite A, pneumocócica, meningocócica C e rotavírus humano.
Em todos os casos, houve queda superior a 20% no alcance da proteção. Como é possível ver no gráfico abaixo:
Para o pediatra Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunização), o surto de sarampo que aconteceu em 2018 mostra como a baixa cobertura vacinal já estava presente antes da epidemia.
"Em 2016, tínhamos recebido o certificado país livre do sarampo, mas ele retornou em 2018 e continua até hoje em decorrência das baixas coberturas vacinais. Isso era um fenômeno que já estava acontecendo. Mas, achávamos ruim 80%, 85% de cobertura vacinal aí vem a pandemia e os números ficaram ainda mais baixos", afirma Cunha.
De acordo com o levantamento do Ieps, mais de metade dos municípios brasileiros não atingiram as metas de vacinação do PNI. A meta de cobertura para as vacinas BCG e rotavírus humano é de 90%, enquanto para as demais é de 95%.
A principal consequência da falta de imunização é o crescimento de doenças controladas e até a volta de moléstias erradicadas no país, como a poliomielite. O presidente da SBIm alerta que o problema pode ser agravado com a reabertura das escolas e o fim do distanciamento social.
"Durante a pandemia se observou queda de todas as doenças de transmissão respiratória, em decorrência da diminuição de circulação e, em especial, o fechamento das escolas. O retorno, com crianças não vacinadas adequadamente, teremos o grande risco da volta de doenças que são totalmente evitáveis com vacinas oferecidas gratuitamente, não só para crianças, mas para todas as idades. Isso nos mostra uma suscetibilidade da população e um risco que vai se refletir", afirma Cunha.
Quais são as doenças mais preocupantes?
As doenças que mais preocupam os especialistas são possíveis surtos de sarampo e meningite, com a volta de circulação, já que são doenças com infecção respiratória.
"A pesquisa mostra que por volta de 75% estão vacinados contra a meningite, ou seja, a cada 100 crianças, 75 estão protegidas. Mas nascem 3 milhões de pessoas por ano. Imagine os riscos que essas crianças passarão quando vírus e bactérias voltarem a circular livremente", observa Cunha.
Além disso, a possível volta da poliomielite preocupa a SBIm. O último caso registrado no Brasil foi em 1989. "As pessoas têm a falsa sensação de segurança com doenças que elas nunca viram, nem tiveram, mas é exatamente porque foram vacinadas. Mas eles continuam existindo e podem voltar. A polio é um receio mundial porque continua endêmica no Paquistão e Afeganistão, mas continua circulando muito na África e na Ásia", lembra o médico.
Em 2019, a OMS (Organização Mundial de Saúde) colocou a hesitação vacinal como uma das dez grandes ameaças à saúde pública mundial. A definição de hesitação é ter uma vacina disponível, segura e recomendada, mas que não é aplicada no momento certo ou nem é aplicada.
"O grupo que não acredita e é contra vacina gira em torno de 6% no Brasil, essas pessoas não são convencidas, mas elas não afetam a imunidade coletiva se tivermos altas coberturas vacinais. Com 90% ou 95% de cobertura vacinal, protegemos quem não pode se vacinar por problemas de saúde e esses que, infelizmente, não acreditam na ciência", explica o presidente da SBIm.
Problema tem solução
A boa notícia para pais e mães e também para os adultos que não estão com a carteirinha de vacinação em dia é que a imunização pode ser feita fora do prazo, com eficácia. Mas, em tempos de pandemia, é importante manter os cuidados de prevenção da covid-19, com uso de máscaras, evitando aglomeração e com distanciamento social.
"Não perdemos a possibilidade de vacinar, em especial nas crianças, mesmo não sendo no tempo que é preconizado. Temos a campanha 'Vacinação em dia mesmo na pandemia'. Mesmo atrasado, tem de iniciar os esquemas de vacinação ou completar os começados. Claro que gostaríamos de não precisar estimular a vacinação, já que saúde é essencial. E, na saúde, a vacinação é essencial", salienta Cunha.
A solução, então, é os atrasados irem ao posto de saúde e atualizar as vacinas para melhorarem a condição de saúde pessoal e pública.