Previsão menor de vacinas sinaliza escalada de casos e mortes de covid
País deve ter apenas 54% das doses programadas; sem isolamento, imunização rápida é ainda mais essencial, dizem especialistas
Saúde|Fernando Mellis, do R7
O patamar elevado de novos casos de covid-19 diariamente no Brasil já sinaliza o aumento do número de mortes nas próximas semanas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde encontra obstáculos para concretizar as previsões de entregas de vacinas — houve redução em março e agora em abril.
Em março, pior mês da pandemia no país até agora, o Ministério da Saúde, sob a gestão de Eduardo Pazuello, havia prometido entregar 46 milhões de doses de vacina, mas foram enviados 20,3 milhões a estados e municípios.
Enquanto isso, houve um acréscimo de 2,16 milhões de casos em apenas um mês (média de 66,7 mil novas infecções por dia), além de 65,8 mil vidas perdidas (média de 2.122 óbitos/dia).
Para abril, a promessa de entregar 47,3 milhões de doses também já foi revista. Agora, devem ser apenas 25,5 milhões, segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Isso representa quase 54% da previsão inicial.
A situação deixa evidente que a doença está avançando mais rápido do que a vacinação em todo o país, segundo o médico e professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Eliseu Waldman.
"A vacinação faz parte de um conjunto de medidas. [...] Se tivesse uma vacinação mais célere, diminuiria pelo menos a mortalidade nas faixas etárias mais elevadas", explica.
Outro fator de atenção pontuado por Waldman é a possível sazonalidade do coronavírus. Na Europa, observou-se um recrudescimento da curva de novos casos — e posteriormente de óbitos — com a chegada dos meses de inverno.
O mesmo ocorreu na primeira onda no Brasil, em que os picos de casos e internações foram observados entre junho e agosto. "Eu temo que, se este vírus tiver uma sazonalidade, maio não vai ser muito bom, e junho e julho vão ser péssimos", observa.
Revéses com vacinas contratadas
O governo contava com 8 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, mesmo sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que barrou a importação das doses após a planta da empresa Bharat Biotech não cumprir requisitos de boas práticas de fabricação.
O imbróglio envolvendo o pedido de uso emergencial da vacina russa Sputnik V — com documentação pendente — jogou um balde de água fria nos planos do ministério, já que o governo contava com 600 mil doses do imunizante disponíveis neste mês.
Na produção nacional, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Instituto Butantan também enfrentam dificuldades e cortaram parte das previsões de entrega.
O caso da Fiocruz é o mais preocupante, já que o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) chegou a estimar a entrega de 15 milhões de vacinas em março, mas foram somente 2,8 milhões.
O motivo foi um problema no processo de lacre dos frascos que paralisou a linha de produção por uma semana. Agora, a instituição alega que há dificuldades em transportar insumos da China para o Brasil, algo que também pode alterar o cronograma.
"De uma maneira geral, o Brasil está com problema de insumos para a indústria, não só a indústria farmacêutica. A informação dada à imprensa é que muitas empresas de transporte de cargas estão se recusando a fazer voos para o Brasil. Isso explica em parte essas sucessivas diminuições da preparação das vacinas pelo Butantan e pela Fiocruz. Provavelmente, um dos pontos mais importantes que abrange a questão das vacinas é regularizar o suprimento de insumos. Ou seja, se não tem companhias estrangeiras que não querem vir, temos que pegar as companhias nacionais e mandar buscar", acrescenta Waldman.
Diversas cidades tiveram que suspender as campanhas de vacinação nos últimos dias por falta de doses. "Cada vez que eu empurro para a frente [a entrega de vacinas], estou criando mais mortos", afirma o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, fundador e ex-diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Na avaliação do ex-diretor da Anvisa, os imprevistos ocorridos na Fiocruz precisam ser justificados. "A Fiocruz tinha que ser chamada para se justificar perante a sociedade, para entendermos qual é a chance de isso acontecer de novo daqui para a frente. Estamos vivendo uma situação extremamente grave. Não se pode dizer que vai fazer X e fazer X menos qualquer coisa a todo instante", argumenta.
Redução da mobilidade é fundamental
Na avaliação de Vecina Neto, sem um aumento expressivo da cobertura vacinal, será difícil frear a pandemia no Brasil, tendo em vista que as medidas de redução da mobilidade ainda enfrentam muita resistência, seja de alguns governantes ou de parte da própria população.
"[As medidas] estão sendo muito mal-implementadas, porque prefeitos não conversam com governadores, e não tem presidente", diz.
Eliseu Waldman ressalta que três frentes precisam ser pensadas para atenuar a crise atual vivida pelo Brasil. "Na situação em que estamos, só a vacina não resolve. Nos Estados Unidos, que estavam com 4.000 mortes por dia, estão com 1.000 óbitos por dia, mas não estão no paraíso", destaca.
Ele defende um lockdown nacional. "Não se sabe ainda se as vacinas inibem a transmissão. Se a vacina não tiver essa ação, tem que diminuir drasticamente a circulação de pessoas", explica.
Além disso, os médicos asseguram ser necessária uma coordenação nacional para garantir medicamentos essenciais para a covid-19 e outros tratamentos.