Profissionais da saúde relatam desgaste com falta de vacinas
Enfermeiros relatam dificuldades no dia a dia da vacinação no país e desafios no relacionamento com a população
Saúde|Hysa Conrado, do R7
“A gente não tem culpa se a população inteira não está sendo vacinada, então chegamos ao final do dia com um cansaço mental por querer fazer o melhor e às vezes não conseguir”, diz Juliana Martinez, 39, responsável técnica pela UBS (Unidade Básica de Saúde) do Parque Reid, em Diadema, região metropolitana de São Paulo.
Sua justificativa tem um motivo: além de lidar com duas grandes campanhas de vacinação ocorrendo ao mesmo tempo no país, a da covid-19 e a da gripe, os profissionais da saúde também estão cara a cara com a frustração diária da população que quer ser imunizada logo contra o coronavírus.
Mas para que as vacinas cheguem às pessoas, primeiro passam por uma pirâmide: o Ministério da Saúde compra e recebe as doses, distribui para os estados que, por sua vez, fazem a divisão entre os municípios e estes se organizam para seguir os protocolos de cada grupo prioritário. Os profissionais da saúde não têm autonomia sobre essas decisões.
“O protocolo vem com os critérios, como do grupo de comorbidades. Tentamos explicar isso na porta e a população não entende. Muitas vezes o hipertenso vem nos procurar, mas ele não se enquadra [no tipo descrito], então, às vezes, a pessoa não entende e sai chateada, com razão, né? É difícil”, conta Juliana.
O que acontece é que as vacinas ainda não são suficientes para que ocorra uma imunização em larga escala. Até o momento, apenas 20 milhões de pessoas receberam as duas doses contra a covid-19 e estão completamente imunizadas, o que corresponde a 9% da população total do país, como mostra o Vacinômetro do R7.
“As doses vêm em um quantitativo correto para o grupo [prioritário], então se a gente desvia uma dose, alguém vai ficar sem. Eu falo para as pessoas que a minha vontade é de vacinar 24h [por dia], pra todo mundo ser vacinado de uma vez, mas infelizmente não temos vacina pra isso”, afirma Edilene Sicupira, 40, enfermeira da UBS de Itaobim, cidade do interior de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha.
Além da vacinação lenta, eles também precisaram lidar com o atraso na aplicação da segunda dose da CoronaVac, interrompida em grande parte das cidades depois que o Instituto Butantan, responsável pela fabricação do imunizante, ficou sem a matéria-prima que é importada da China.
“Isso foi uma questão em todo o país, hoje voltamos a receber [as doses]. As pessoas reclamam e ficam questionando, e a gente tem que explicar que não fomos nós que deixamos isso acontecer”, diz Raul Rodrigues, 32, enfermeiro e coordenador de vigilância em saúde de Itaobim.
Trabalho dobrado e desvalorização
Além das duas campanhas de vacinação, há ainda as outras questões de saúde pública que o SUS (Sistema Único de Saúde) atende e que não se arrefeceram por causa da pandemia. Com o trabalho dobrado, os profissionais da saúde enfrentam a exaustão física e mental.
“Tem sido bem exaustivo, a gente tem que se desdobrar, porque os outros trabalhos continuaram, a gente não para um para fazer outro. Os pacientes idosos se confundem muito com as vacinas, então, às vezes, é preciso uma orientação individual, isso esgota muito o profissional. Não é só chegar, vacinar e sair, é todo esse processo de trabalho para que o paciente se sinta seguro”, afirma Edilene Sicupira.
Raul Rodrigues, que também é pós-graduado em Saúde Pública, explica que além do atendimento a pacientes com suspeita de covid-19, há ainda as outras demandas da população que recebe a assistência das UBSs, como pré-natal, puericultura, exame preventivo de câncer de mama e de útero.
“É uma rotina movimentada o dia todo. Um exemplo é que, além da vacina contra a covid, nós temos que atualizar o cartão de vacina de todas as crianças menores de dois anos. Precisamos monitorar a proporção de casos novos de doenças de notificação compulsória, como hanseníase, tuberculose e leishmaniose e também número de casos novos de HIV”, explica.
O alto número de demandas, o cansaço mental e físico somam-se, ainda, à desvalorização da enfermagem enquanto profissão, relatada pelos profissionais ouvidos pelo R7.
No caso de Edilene, para complementar a renda ela enfrenta uma jornada dupla: das 7h às 17h ela está na UBS e, pelo menos três vezes na semana, dá plantão noturno no SAMU, começando às 19h até às 7h do outro dia.
“No SAMU também atendemos casos de covid. A nossa região aqui é muito escassa de recursos, então muitas vezes precisamos levar os pacientes graves para outras cidades, às vezes andamos 400km de uma cidade para a outra, chegando a fazer três transferências em um só plantão. É bem cansativo, e os profissionais da enfermagem também têm medo de contrair o vírus, de levar para casa, isso nos afeta mais de forma mental do que física”, conta.
Ela destaca que no Senado Federal tramita o Projeto de Lei 2.564/2020, que pretende instituir o piso salarial para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, e parteiras da rede pública e privada. O PL chegou a entrar na pauta, mas ainda não foi votado pelos senadores.
“Essa jornada dupla que eu faço, muitos profissionais da enfermagem precisam fazer. É uma desvalorização muito grande e isso acaba desanimando no dia a dia. A enfermagem nunca vai desistir, mas precisamos avançar para conseguir trabalhar com mais dignidade e talvez ter apenas um trabalho”, ressalta a enfermeira.