Taxa de reinfecção em Manaus na 2ª onda é de 31%, sugere estudo
Pesquisa indica que variante brasileira do SARS-CoV-2 seria principal causa do alto índice de reinfecção pela covid a partir de janeiro
Saúde|Karina Toledo, Agência FAPESP
Análise conduzida por cientistas do CADDE (Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus) sugere que até 31% dos indivíduos que contraíram a covid-19 em Manaus (AM) após janeiro de 2021 – quando a cidade foi atingida pela segunda onda da doença – correspondem a casos de reinfecção pela nova variante P.1.
O estudo foi feito com amostras de doadores de sangue, que foram submetidas a testes capazes de detectar anticorpos contra o vírus SARS-CoV-2. Os resultados foram divulgados na plataforma medRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares.
“Triamos inicialmente amostras de 3.655 indivíduos que haviam doado sangue repetidas vezes ao longo de 2020 e início de 2021. Em seguida, selecionamos aqueles doadores que ainda não tinham sido vacinados e que haviam doado ao menos três vezes no período, tendo ao menos uma doação antes de julho de 2020 e outra após 1o de janeiro de 2021 [quando já predominava a P.1 na região]”, explica à Agência Fapesp Ester Sabino, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do CADDE – centro apoiado pela Fapesp.
As 238 amostras incluídas na pesquisa foram submetidas a testes laboratoriais capazes de detectar anticorpos do tipo imunoglobulina G (IgG), que costumam aparecer cerca de duas semanas após o início dos sintomas, ainda na fase aguda da infecção, e depois decaem com o tempo, tornando-se muitas vezes indetectáveis. Os pesquisadores partiram da premissa de que, se houvesse reinfecção, a quantidade de anticorpos subiria novamente na amostra de sangue mais recente.
Com base nessa análise, os doadores foram classificados em quatro grupos. No primeiro, os resultados das três amostras deram negativo para a presença do vírus. No segundo, as amostras doadas em 2020 testaram positivo e as de janeiro de 2021 testaram negativo ou apresentaram queda no nível de anticorpos. No terceiro grupo estão as amostras dos indivíduos infectados apenas pela nova variante P.1, ou seja, que foram negativos em 2020, mas positivos em 2021. No quarto grupo estão os casos em que o nível de anticorpo faz um “V”: é alto na primeira amostra, mais baixo na segunda e volta a subir na terceira.
“Esses casos do quarto grupo são os que mais claramente caracterizam a reinfecção”, explica Sabino.
Foram considerados como “provável reinfecção” os casos em que os valores detectados em 2021 eram maiores do que o observado em 2020, mesmo depois de um grande intervalo de tempo. Já os casos de “possível reinfecção” foram aqueles em que o valor em 2021 foi mais baixo do que em 2020, porém, maior do que o esperado para o decaimento normal do teste.
Por meio de análises estatísticas, os cientistas calcularam que os doadores que testaram positivo em 2020 tinham uma chance de contrair a P.1 que variou entre 9,5% e 18% (dependendo se foram incluídos os casos considerados como reinfecções possíveis ou prováveis). Já para os que em 2020 testaram negativo, a chance de se infectar pela P.1 foi de 40%.
A taxa de reinfecção calculada variou entre 16% e 31% (dependendo se foram incluídos os casos considerados como reinfecções possíveis ou prováveis).
De acordo com Sabino, os dados vão ao encontro das estimativas feitas pelo grupo do CADDE com o auxílio de modelos matemáticos no estudo divulgado na Science, em abril de 2021.
“Medir a taxa de reinfecção apenas com dados oficiais é algo muito difícil. O jeito certo seria seguir um grupo grande de pessoas na primeira onda da doença, esperar elas apresentarem sintomas para fazer o teste de RT-PCR, guardar as amostras e depois repetir tudo na segunda onda, com os mesmo voluntários. Em Manaus isso é impossível. A maior parte das pessoas não foi testada pelo teste molecular na primeira onda. Por isso estamos buscando métodos alternativos para medir o risco de reinfecção pela nova variante P.1”, diz a professora da USP.
Segundo Carlos Prete, doutorando na Escola Politécnica da USP e primeiro autor do artigo, uma limitação do estudo é que alguns casos classificados como infecção por P.1 podem, na verdade, ser reinfecções não observadas.
“Existe um espaçamento de meses entre as amostras sucessivas de um doador. Então, é possível que um doador tenha se infectado no período entre duas coletas e já negativado na data da doação sucessiva à infecção em razão do decaimento dos anticorpos”, explica.
Prete também ressalta que a subnotificação de casos cria uma falsa impressão de que a taxa de reinfecção é baixa.
“Devido à subnotificação e à alta proporção de assintomáticos, um infectado tem uma probabilidade pequena de ser notificado como um caso confirmado. Por isso, mesmo com uma probabilidade de reinfecção considerável, a proporção de pacientes com duas infecções confirmadas sempre será pequena.”