Transtorno bipolar explica atitudes impulsivas de mulher que fez sexo com morador de rua
Mulher está internada na ala psiquiátrica de um hospital de Brasília; advogada critica exposição da mulher, e considera que ela foi vítima de difamação
Saúde|Hysa Conrado, do R7
A repercussão das imagens que revelam uma mulher de 33 anos mantendo relações sexuais dentro de um carro, em Planaltina, no Distrito Federal, com Givaldo Alves de Souza, de 48, que vive em situação de rua, figurou o centro das interações e dos debates na internet nas últimas semanas.
Ao dar entrevistas sobre o assunto, Givaldo narra a situação como uma verdadeira história de amor e aventura sexual, dando detalhes não só do ato, como do corpo da mulher, que tem sido exaustivamente exposta na internet desde que as primeiras informações sobre o caso foram divulgadas, em 14 de março, cinco dias após o ocorrido.
Memes e piadas sobre a condição dela e do seu marido, o personal trainer Eduardo Alves, de 31 anos, que sugerem uma história fetichista e de infidelidade, viralizaram e estamparam páginas de humor e de conteúdos diversos nas redes sociais. Givaldo, por sua vez, chegou a ser chamado de “o último romântico” em diversas publicações – uma alusão à forma como ele tem comentado o caso.
Pouco se fala, no entanto, do estado de saúde dessa mulher, que está internada em uma unidade psiquiátrica de um hospital público de Brasília desde o ocorrido, com um diagnóstico que segue a hipótese de transtorno afetivo bipolar em fase maníaco-psicótica, e que está sem condições de falar sobre o assunto ou mesmo de responder pelos próprios atos, conforme indica o laudo a que o R7 teve acesso.
O psiquiatra Eduardo Perin, especialista pelo Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), explica que o transtorno bipolar é caracterizado por fases de depressão, que podem levar a um comportamento suicida; fases em que a pessoa está bem de humor; e fases em que ela está em um estado maníaco.
“No caso do laudo de um quadro maníaco-psicótico, isso significa que a pessoa estava acelerada, impulsiva, muito falante, muito sexualizada e sem necessidade de dormir. E essa fase pode durar alguns dias ou até meses, a pessoa fica mais impulsiva no sentido agressivo, no sentido sexual, nas compras, na comida e em atitudes inadequadas”, explica.
Segundo o especialista, a psicose é caracterizada pela presença de delírios e alterações do pensamento, que podem levar a pessoa a acreditar em algo que não está acontecendo. “Podem ser alucinações auditivas, quando a pessoa escuta uma voz; podem ser alucinações visuais, nas quais ela vê pessoas ou coisas; ou podem ser alucinações dos outros órgãos dos sentidos.”
Além disso, Perin explica que atos sexuais estão atrelados a diversos transtornos psiquiátricos, como transtornos de personalidade, de bipolaridade, de déficit de atenção com hiperatividade, assim como de dependências químicas e de outras naturezas.
De acordo com o psiquiatra, a exposição pela qual a mulher do caso tem passado pode impactar de forma negativa a sua recuperação e a sua vida.
“Quando ela sair desse estado maníaco e estiver em um humor normal ou mais depressivo, [pode ser que ela] se sinta extremamente culpada e envergonhada do ato que cometeu publicamente. Então, a culpa e a vergonha podem levá-la para um quadro depressivo, inclusive com ideação suicida”, ressalta Perin.
Crime de difamação
Ainda que o laudo de 15 de março e o quadro clínico atual confirmem um estado de vulnerabilidade, a história não deixou de circular com ares de piada e zombaria. A forma como Givaldo tem tratado o assunto publicamente, inclusive, pode ser tipificada como um crime, segundo a advogada Maíra Recchia, especialista em gênero – que critica a espetacularização do caso.
“O que me chama muito a atenção é o espetáculo em que [essa história] se transformou, que é uma situação triste, de uma mulher que está tendo sua vida e sua intimidade expostas em uma sociedade que ainda é socialmente e culturalmente machista, em que o suposto agressor – ainda acho que vai haver investigações – é alçado ao herói do ano, e ela tem a intimidade completamente violada e achincalhada. Ninguém está se preocupando em como essa mulher está sendo exposta. Isso diz muito sobre o quanto precisamos avançar enquanto sociedade”, critica Maíra.
Em relação à legislação, a advogada explica que, de acordo com o artigo 139 do Código Penal, mesmo quando o que está em questão é um fato, a exposição da intimidade, seja em redes sociais ou para a comunidade de modo geral, é caracterizada como difamação.
“Mas, para além disso, também temos a previsão da responsabilidade civil no artigo 5º da Constituição Federal, da questão de que quem viola a intimidade e a vida privada é obrigado a pagar uma indenização. Claro que nesse caso estamos falando de uma pessoa em situação de rua, que já tem condições precárias, mas também existe essa figura da eventual responsabilidade civil”, explica Maíra.
Além disso, a advogada afirma que, se as investigações concluírem que a mulher estava fora de si e que Givaldo, em algum momento, tomou consciência disso, ele poderá responder pelo crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217 do Código Penal.