Tratamento com eletrodos cerebrais devolve qualidade de vida a pessoas com Parkinson
No Dia Mundial da Conscientização da Doença de Parkinson, celebrado nesta terça (11), paciente conta como a terapia mudou a sua realidade
Saúde|Yasmim Santos*, do R7
Nesta terça-feira (11), é celebrado o Dia Mundial da Conscientização da Doença de Parkinson. Um dos principais marcos dessa condição degenerativa é a perda progressiva de qualidade de vida.
De acordo com uma estimativa feita pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 2021, no Brasil, cerca de 200 mil pessoas sofrem com o problema. Há estudos que estimam que o número de pessoas com a doença deve dobrar até 2030. Porém, não há dados atualizados sobre a prevalência do Parkinson no país.
A condição submete o paciente a tremores em repouso, rigidez muscular, movimentos lentos e, com o passar do tempo, instabilidade para manter a postura e andar.
Porém, há um tratamento que pode conter, de certa forma, os sintomas motores: ECP (estimulação cerebral profunda), uma cirurgia não tão invasiva e indolor.
O procedimento consiste em implantar pequenos eletrodos em estruturas específicas do cérebro, que estão funcionando irregularmente em razão da falta ou diminuição de dopamina — característica da doença.
"O paciente que tem Parkinson, depois de certa idade — normalmente em torno da quinta ou sexta década de vida —, para de produzir dopamina e várias estruturas do cérebro ficam desreguladas. É como se uma estrutura estivesse, mais ou menos, em curto-circuito. O que esse eletrodo faz é passar uma corrente elétrica, e essa corrente normaliza o funcionamento daquela estrutura. Por isso o paciente melhora dos sintomas", explica Alexandre Novicki Francisco, presidente da SBENF (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional e Estereotáctica) e neurocirurgião dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru.
A neurologista Marina Farah, dos hospitais Universitário Cajuru e Marcelino Champagnat, complementa que o principal objetivo do aparelho é "o controle dos sintomas do movimento, que são alterados na doença de Parkinson. Ela [a cirurgia] permite um melhor controle da rigidez, do tremor e da lentidão, podendo ou não melhorar alguns sintomas associados".
Esse objetivo foi atingido com o padre Valnei Pedro Reghelin, de 57 anos, diagnosticado com Parkinson há 20 anos, enquanto trabalhava em Hong Kong, na China.
Ele passou anos em tratamento e tomou diversas medicações para diminuir os tremores, mas nada conseguia conter os efeitos da doença.
Valnei chegou a fazer talamotomia, uma cirurgia que insere um eletrodo aquecido temporariamente no tálamo para controlar os tremores em um lado do corpo (no caso dele, o direito). Porém, depois de sete anos, o sintoma retornou, como previsto.
Novamente, ele retornou da China para tratar o quadro em Curitiba, no Paraná. Mas, dessa vez, a recomendação de terapia foi o ECP.
"Oito anos atrás foi feito o implante [no hospital Marcelino Champagnat] e, para mim, foi uma bênção, porque eu estou bem até hoje. Quem me olha assim, que não conhece a minha história, não diz que eu tenho Parkinson. Eu controlo superbem os tremores", conta Reghelin.
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Essa melhora instantânea ocorre porque os exames de imagem, como tomografias e ressonâncias, os cálculos matemáticos e o auxílio de computadores permitem que o eletrodo seja inserido exatamente onde há uma desregulação.
Com o paciente acordado, o cirurgião estimula o aparelho e já naquele momento percebe se os tremores cessam e se o movimento fica mais "solto", como define Novicki.
"Eu lembro do doutor falando: 'agora nós vamos começar a testar o nível da energia para tentar controlar o tremor'. Encontrou um nível de energia um pouco mais forte, senti puxar a perna, a face, a boca. E chegou o momento que parou o tremor. Aí ele falou 'encontramos o ponto'. Esse é um momento incrível, porque você está tremendo e, de repente, para. É um momento muito forte", lembra Reghelin.
A vida útil da bateria do aparelho que controla os eletrodos é de cinco a seis anos. Portanto, apenas após esse período, o paciente retorna e faz uma pequena cirurgia para trocar o gerador. O de Valnei foi substituído em julho do ano passado.
A ECP não é feita em pacientes que estão na fase inicial ou avançada da doença. É recomendada para aqueles com diagnóstico de Parkinson (não o parkinsonismo secundário) na fase intermediária, quando os medicamentos deixam de surtir efeito e/ou as doses altas estão causando efeitos colaterais. Também é importante que o tremor ainda seja tratável.
"Muitas pessoas ainda nem sabem sobre este tipo de tratamento. E, para quem vive com o Parkinson, é uma esperança, especialmente [para] pessoas jovens. [...] Para mim, foi uma grande mudança de vida", diz o padre.
Os outros sintomas do Parkinson, que não envolvem tanto a habilidade motora, continuam aparecendo, como o comprometimento da fala e alterações de funcionamento intestinal. Mas eles podem ser tratados em outras especialidades, por exemplo, fonoaudiologia e fisioterapia.
Por essa razão ainda, segundo Novicki, a melhor opção para os pacientes é combinar a cirurgia a uma dose exata da medicação.
"Estudos recentes mostram que o ECP, associado a um tratamento medicamentoso bem-feito, em comparação com pacientes que usam só o medicamento, [aqueles que] recebem a terapia ECP têm um benefício a longo prazo, seja ele de redução das doses das medicações, melhora da qualidade de vida ou melhora das escalas de depressão, mesmo que parcialmente", acrescenta Mariana.
Uma pesquisa publicada na biblioteca científica SciELO, em maio de 2022, concluiu que "vários estudos de boa qualidade estabeleceram as vantagens do DBS (sigla em inglês para Estimulação Cerebral Profunda) sobre a melhor terapia médica em pacientes cuidadosamente selecionados."
No caso de Valnei, houve a possibilidade de cortar o remédio (por recomendação médica). Mas ele segue outros tratamentos para controlar os demais sintomas da condição, como a equoterapia (terapia assistida por cavalos).
"É muito interessante, me ajudou muito a recuperar o movimento e o equilíbrio, que eu perco de vez em quando. Me ajudou bastante", relata o sacerdote.
Vale ressaltar que os pacientes são avaliados com base em diversos critérios antes de realizar a ECP. Caso ele esteja apto, é incluído na fila da cirurgia. Pessoas no limite para operação (casos avançados) são priorizadas.
"[A cirurgia] precisa ser indicada por um médico especialista, para que as contraindicações, ou seja, fatores que podem piorar com a cirurgia, sejam excluídos", orienta Marina.
Não há muitas diferenças entre o processo por meio do convênio e no SUS (Sistema Único de Saúde), porém, no sistema público o aparelho é unilateral. Ou seja, o paciente coloca de um lado do cérebro e, após um mês, é internado novamente para inserir no outro lado. Nos dois casos, é importante comparecer às consultas pós-cirúrgicas.
Sobre a doença de Parkinson
Segundo o Manual MSD de Diagnóstico e Tratamento, a média etária de início do Parkinson é de aproximadamente 57 anos. Cerca de 10% dos pacientes têm um histórico familiar da doença, por isso é importante estar atento aos sintomas.
O tremor em repouso em uma das mãos é o principal. E esse tremor, geralmente, é lento e grosseiro e aumenta dependendo do nível de tensão emocional ou se a pessoa está fadigada. As mãos e os pés são afetados primeiro.
O volume da fala diminui e, às vezes, é acompanhado de gaguejo.
Quanto mais a rigidez avança, menos o tremor fica em evidência. Nesse momento, os movimentos também vão sendo comprometidos e o paciente passa a andar mais lentamente.
O diagnóstico é feito com exames neurológicos específicos e avaliação do especialista, que pode perceber outras particularidades da doença, por exemplo, piscar infrequente e falta de expressão facial. O tratamento também é guiado pelo neurologista, já que são vários os fármacos orais e procedimentos cirúrgicos disponíveis contra a doença.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Giovanna Borielo
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