Especialista questiona excesso de diagnósticos de TDAH na juventude
A psicanálise aponta o inconsciente como causa da desatenção
Vanity Brasil|Do R7

O uso de psicoestimulantes como Venvanse e Ritalina, medicamentos indicados para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), está deixando de ser uma exclusividade dos consultórios para se espalhar por salas de aula e escritórios. Jovens, e até mesmo adultos, buscam o “doping cerebral” como uma solução mágica para a alta demanda por foco e rendimento, ignorando o diagnóstico médico. Muitos relatam que recorrem aos remédios para combater o esgotamento mental, turbinar a produtividade ou, em uma confissão mais íntima, “se sentirem mais inteligentes”.
Nas redes sociais, o frenesi é ainda mais evidente: multiplicam-se vídeos e relatos que promovem o uso dessas substâncias para maratonar estudos, aguentar longas festas ou apenas dar um boost no humor. Essa viralização reforça a perigosa narrativa de que existe uma saída imediata e química para lidar com o desconforto e as exigências emocionais do cotidiano.
Guilherme Henderson, psicanalista e professor de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB), lança um alerta: o que a sociedade tem interpretado como TDAH pode, na verdade, estar longe de ser um transtorno mental.
A Busca Desenfreada por Rótulos
Henderson aponta para uma tendência crescente em consultórios: pacientes chegam autodiagnosticados com TDAH após uma imersão em testes online ou vídeos de influencers. “O que temos observado é um excesso de rótulos e uma busca por soluções imediatas para os desconfortos da vida cotidiana. Nesse cenário, o Venvanse passa a ser visto como um remédio para os ideais neoliberais de nossa época, e não como um tratamento médico específico”, afirma o especialista.
O psicanalista enfatiza a complexidade do diagnóstico clínico, que exige uma equipe multidisciplinar (médicos e psicólogos) e o cumprimento de critérios rigorosos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Mesmo com todo o rigor, divergências profissionais são comuns, e a perspectiva do inconsciente — fundamental para a psicanálise — frequentemente é deixada de lado.
Quando o Inconsciente Ataca
A psicanálise oferece uma leitura alternativa para a onda de desatenção e “erros” do dia a dia. Para além da neurobiologia, Henderson sugere que lapsos de atenção e falhas podem ser manifestações do inconsciente. O professor do CEUB lembra o conceito freudiano de atos falhos, descritos em A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), para explicar esquecimentos, trocas de palavras e distrações.
“Esses lapsos nem sempre são falhas da atenção, como o senso comum tende a atribuir; eles possuem sentido. Muitas vezes, revelam mensagens cifradas, desejos ou pensamentos que podem ser interpretados”, esclarece o docente.
Ele exemplifica a diferença de perspectivas com um caso clínico: uma paciente que, ao falar sobre trabalho, troca as palavras e diz querer ser uma boa “chefe do matrimônio da empresa, quer dizer, do patrimônio da empresa”. Enquanto a paciente interpreta o lapso como um sintoma de TDAH, o analista pode decifrar ali uma mensagem inconsciente sobre sua vida amorosa e suas repercussões na carreira.
O Risco de Patologizar a Existência
Existem, portanto, duas vias distintas: a que busca a eliminação do “erro” e a melhoria de performance a todo custo com medicamentos e técnicas; e a que enxerga o sintoma como uma pista. Para Guilherme Henderson, compreender a mensagem por trás do sintoma pode ser infinitamente mais transformador do que apenas eliminá-lo. “Esses erros muitas vezes carregam mensagens inconscientes que, quando interpretadas, podem revelar aspectos fundamentais do desejo.”
O psicanalista ressalta o perigo da medicalização excessiva do cotidiano. “Vivemos em uma sociedade deprimida, mas ao mesmo tempo acelerada, que valoriza produtividade e foco o tempo todo. Isso cria um ambiente propício para que o desânimo ou a dificuldade de concentração sejam vistos como falhas a corrigir, e não como sinais de algo a compreender”, analisa.
Para ele, aceitar esses “erros” como mensagens do inconsciente, e não apenas como falhas cerebrais, pode abrir portas para uma mudança genuína. Henderson finaliza: “Talvez o que chamamos de TDAH, em muitos casos, seja apenas a forma que o inconsciente encontrou para nos lembrar de algo que não queremos escutar. E, se a psicanálise nos lembra que encontramos aí as vias dos nossos desejos, acredito que nossa sociedade está sedenta por isso.”
Siga nosso Instagram @revistavanity @revistavanity
