Apps que divertem nas redes podem trazer riscos, dizem especialistas
Advogados da área de direito digital alertam que dados cedidos podem ser usados para traçar perfil para publicidade ou ações mais graves
Tecnologia e Ciência|Márcio Pinho
Especialistas em direito digital alertam para os riscos que envolvem a adesão a aplicativos, desafios e outras brincadeiras que parecem simples diversão nas redes sociais, mas que podem resultar na cessão de dados pessoais do usuário e do seu perfil de atuação para uso com fins comercias e publicidade dirigida, entre outros.
O tema voltou à tona após um aplicativo que envelhece fotos dos rostos de pessoas viralizar e entrar na mira de autoridades brasileiras, como o Procon. Para os advogados em direito digital ouvidos pelo R7, esse é apenas um exemplo de ferramenta que se popularizou e que levanta questões sobre como os dados serão utilizados — também são casos notórios o desafio dos 10 anos e a transformação do usuário em bebê, além dos tradicionais testes do tipo “quem é você” em determinada situação.
Os riscos são maiores quando o aplicativo "rouba" dados de forma irregular. Pesquisadores do Instituto Internacional de Ciência da Computação (ICSI), da Universidade da Califórnia, já mostraram que ao menos 1.325 aplicativos para Android coletam dados mesmo quando as permissões não são concedidas.
Para o advogado José Antonio Milagre, pesquisador do núcleo de estudos em web semântica e dados abertos da USP, essas situações acabam acontecendo apesar dos esforços para aumentar a segurança na rede. No Brasil, por exemplo, foi aprovada em 2018 a Lei de Proteção de Dados. Além disso, as grandes empresas de internet, como o Facebook, reforçaram seus controles sobre empresas que utilizam as plataformas para promover as “brincadeiras” e periodicamente excluem aplicativos.
O advogado afirma que, mesmo quando há permissão do usuário, os dados podem ser usados para, por exemplo, traçar perfis e vender informações. Uma empresa de planos de saúde poderia eventualmente se interessar, por exemplo, em saber quem envelhece de forma mais rápida, estima o especialista.
Ele defende que o usuário deve usar o bom senso ao aderir a um aplicativo, pesquisar a origem dele e se foi desenvolvido por uma empresa conhecida. "Há uma frase que costumo dizer que é: se você não paga por um aplicativo, então você é a mercadoria. Ou seja, o usuário precisa estar sempre atento", diz.
Ele afirma ainda que, em casos mais graves, a ação criminosa chegou a dados bancários de um usuário por meio de sua caixa de e-mail, resetando senhas e clonando seu chip de celular.
Curtidas
A advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital e proprietária da Truzzi Advogados, afirma que aplicativos que sincronizam com os perfis de redes sociais normalmente têm acesso não apenas a dados pessoais, mas também aos de navegação, como curtidas, comentários e compartilhamentos. Esse tipo de informação pode ser usado não apenas com objetivos comerciais, mas também para outros fins.
O caso mais polêmico no mundo envolvendo o uso de informações coletadas nas redes sociais, por exemplo foi a atuação da empresa Cambridge Analytica, consultoria política que obteve dados de 87 milhões de pessoas e usou a maior parte na campanha de Donald Trump nos EUA.
"O acesso a esse tipo de dado é extremamente invasivo, porque normalmente são informações que o usuário não gostaria que fossem públicas", diz.
Gisele Truzzi dá algumas dicas de como evitar se expor:
- evite o uso de aplicativos em redes sociais
- caso faça uso, saiba que seus dados poderão ser usados
- verifique se o aplicativo oferece a opção de dados que serão cedidos e desmarque o maior número possível
- se possível, restrinja a publicidade dos conteúdos
- visite periodicamente o menu de configurações da rede sociail e, na parte de aplicativos, retire autorizações concedidas anteriormente
Envelhecimento
Novo queridinho nas redes sociais, o aplicativo que envelhece rostos chamou a atenção das autoridades. O Procon notificou na última quinta (18) o aplicativo russo FaceApp, e a empresa deverá esclarecer para que usará as informações coletadas de seus usuários.
Isso ocorreu porque uma cláusula no regulamento uso do aplicativo que autoriza a empresa a coletar e compartilhar dados do consumidor sem explicar de que forma. Além disso, os termos de uso da ferramenta não são disponibilizados em português.
Termos
O Câmera Record que foi ao ar neste domingo (21) mostrou os riscos que os usuários das redes sociais correm ao compartilhar tudo da rotina na internet. A reportagem esteve no centro de São Paulo e viu que poucas pessoas passam da primeira página dos termos e condições para acessar as redes sociais.
De acordo com Jamila Venturini, da ONG Derechos Digitales, para se ler todo o termo de uso das redes sociais, o usuário levaria, em média, duas horas. Mas isso não costuma acontecer, e os usuários aceitam ceder dados que não gostariam que fossem compartilhados.
Mas não é apenas nas redes sociais que os usuários ficam mais vulneráveis. Os repórteres investigativos do Câmera Record simularam uma conversa sobre móveis de escritórios em frente a seus celulares. Depois de 15 minutos falando de possíveis produtos a serem comprados, ao acessarem as redes sociais, foram surpreendidos com propagandas dos itens que mais enfatizaram.
Também é comum uma rede social apresentar uma oferta depois de uma pesquisa por um produto na internet. Isso porque essas pesquisas deixam rastros que ficam armazenados nos aparelhos, os “cookies”, e que acabam sendo acessados pelas redes sociais.