Brasileiros contam detalhes sobre descoberta inédita no espaço
Dois astronômos amadores e um desenvolvedor de software encontraram duas novas chuvas de meteoros
Tecnologia e Ciência|Sofia Pilagallo, do R7*
Os astrônomos amadores Cristóvão Jacques e Lauriston Trindade e o desenvolvedor de software Alfredo Dal'Alva, todos brasileiros, uniram seus conhecimentos e esforços para descobrir duas novas chuvas de meteoros. Em entrevista exclusiva ao R7, eles contam detalhes sobre o projeto, o primeiro desse tipo realizado integralmente no Brasil.
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Integralmente porque, além dos novos fenômenos astronômicos, seus corpos parentais — isto é, os astros que dão origem aos meteoros formadores das chuvas — também foram descobertos por um brasileiro, com dados coletados no país.
A descoberta nasceu no Observatório Sonear, instalado em Oliveira, no interior de Minas Gerais, mantido por Cristóvão. Desde 2014, o astrônomo amador descobriu 33 novos asteroides passando próximo da Terra no Hemisfério Sul. Dois se mostraram promissores e foi neles que o grupo focou seu trabalho.
"Em 2018, eu sugeri ao Lauriston, que trabalha na Bramon [Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros, uma organização colaborativa mantida por mais de 100 astrônomos amadores, entre eles, Cristóvão] que fizesse uma pesquisa na base de dados para verificar se havia algum conjunto de meteoros que poderia estar associado à órbita de algum desses asteroides", afirma.
"Ele, então, junto com o Alfredo, descobriu 16 meteoros associados ao asteroide 2019-OK e 20 meteoros associados ao asteroide 2017-NT5. Ao final da pesquisa, concluiu-se que o primeiro era a origem da chuva de meteoros que recebeu o nome de Capricornids, enquanto o segundo era gerador da Sagittariids", completa.
Em julho de 2019, quando o 2019-OK foi detectado pelas câmeras do Sonear, a Nasa, a agência espacial norte-americana, reportou que este teria sido o maior e mais próximo asteroide que teria passado pela Terra nos últimos 100 anos. O astro, que tem o tamanho de um campo de futebol, passou a cerca de 65 mil quilômetros do nosso planeta — o que, em termos astronômicos, é considerado "de raspão".
O asteroide 2017-NT5, por sua vez, integra uma lista de corpos celestes deste tipo que podem colidir com a Terra no futuro. Vale ressaltar, no entanto, que o risco de isso acontecer é extremamente baixo.
A descoberta
Em maio do ano passado, dois anos após a sugestão de Cristóvão, Lauriston e Alfredo começaram a desenvolver as ferramentas necessárias para a empreitada. Nas primeiras conversas, o desenvolvedor de software, que pouco conhece sobre astronomia, recorreu ao colega para entender o que caracterizava uma chuva de meteoros e começou a pensar sobre como seria um programa para identificar tais fenômenos.
"Quando começou a pandemia, pelo fato de estar mais em casa, tive mais tempo para estudar o assunto", diz Alfredo. "Passamos várias madrugadas lendo artigos, entendendo os algoritmos e tentando implementá-los no software, que é uma espécie de calculadora."
Um meteoro, popularmente conhecido como estrela cadente, pode ser definido pela passagem de um meteoroide pela atmosfera terrestre. Meteoroides, por sua vez, são fragmentos de cometas ou asteroides que se desprendem desses astros e ficam vagando pelo espaço em órbitas em torno do Sol.
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Uma chuva de meteoros, portanto, nada mais é do que um conjunto de meteoros que tenham uma origem em comum e uma órbita semelhante. Foram essas características que Lauriston e Alfredo procuraram verificar no software.
"A partir desses dois grupos de meteoros, começamos a fazer testes para validar se eles correspondiam à mesma chuva de meteoros", afirma Lauriston. "Analisamos se eles tinham o mesmo radiante — isto é, aparentemente surgiam do mesmo ponto no céu —, e se se repetiam ciclicamente na mesma época, e concluímos que sim. Coincidentemente, ambas ocorrem em julho. Enquanto a Sagittariids tem seu pico por volta de 17 de julho, a Capricornids tem máxima no dia 25 do mesmo mês."
Para realizar essa verificação, o astrônomo amador e o desenvolvedor de software contaram, sobretudo, com um método conhecido como integração retroativa. A partir de uma ferramenta chamada Rebound, eles simularam o Sistema Solar, com todos os planetas, meteoros e asteroides, e calcularam se as órbitas dos meteoros se mantiveram semelhantes ao longo da história.
"Nós configuramos a ferramenta para retroagir 5 mil anos, considerando as forças gravitacionais, e descobrimos que as órbitas de todos os 16 meteoros associados ao 2019-OK mantiveram uma órbita semelhante ao longo de todo esse tempo, bem como os 20 meteoros ligados ao 2017-NT5", diz Alfredo.
"Essa foi a nossa prova mais contundente, pois concluímos que não se tratava de mera coincidência. Um grupo de asteroides pode estar 'caminhando' na mesma órbita hoje, mas isso não significa que eles sempre se mantiveram assim. Agora, se verificado que eles permaneceram assim pelos últimos 5 mil anos, é possível afirmar que não se trata de um simples acaso", completa.
Além da integração retroativa, Lauriston e Alfredo contaram ainda com um outro método, conhecido como cálculo do radiante teórico. Com isso, eles visavam estimar qual seria o radiante [ponto no céu da onde os meteoros parecem se originar] se 2019-OK e 2017-NT5 passassem próximo à Terra e provocassem chuvas de meteoros. Eles fizeram esses cálculos e, novamente, tudo se encaixou.
"Quando tivemos certeza e batemos o martelo, em agosto do ano passado, mandamos um informe para a União Astrônomica Internacional, e no mês seguinte, nossa descoberta foi comprovada e entrou para a lista oficial de chuvas de meteoros", afirma Lauriston. "Por fim, Alfredo e eu escrevemos um artigo científico, que foi publicado em 30 de abril na revista científica internacional Meteor News, e conseguimos encerrar esse ciclo."
Importância da descoberta
Para Cristóvão, a descoberta certamente coloca o Brasil em outro patamar em termos de visibilidade internacional. Mais importante do que isso, no entanto, é o que ela representa para o país — que, lamentavelmente, não recebe muito incentivo financeiro para pesquisas científicas, sobretudo na área da astronomia.
"Trata-se de chuvas de meteoros descobertas por brasileiros oriundas de asteroides que também foram descobertos por um brasileiro — e, tudo isso, a partir de dados coletados no Brasil. Atualmente, há 27 chuvas de meteoros descobertas por brasileiros na base oficial de dados, mas esta é a primeira 100% nacional", afirma.
"As primeiras chuvas descobertas, por exemplo, contavam com dados de uma rede das Ilhas Canárias — de 15 meteoros, dois eram de registros estrangeiros. Desta vez, não, a totalidade é brasileira", completa.
Lauriston partilha do mesmo pensamento — e ressalta ainda a importância da descoberta para a valorização do trabalho amador. Para ele, as palavras "amador" e "amadorismo" ainda são associadas, erroneamente, a algo de qualidade inferior.
"'Amador', nesse contexto, significa apenas que as pessoas envolvidas no projeto não são remuneradas, uma vez que o trabalho é realizado de forma voluntária", diz. "Quando astrônomos amadores publicam um trabalho desse tipo em uma revista científica internacional, é fato que isso gera um incentivo para que outras pessoas queiram se aventurar também a seguir o caminho da ciência."
*Estagiária do R7 sob supervisão de Fábio Fleury