Como o chefe da startup que criou o ChatGPT procura definir a agenda e da inteligência artificial
Sam Altman é fundador da OpenAI, e agora se encontra com políticos para moldar o debate em torno do tema
Tecnologia e Ciência|Cecilia Kang, do The New York Times
Semanas depois de a OpenAI ter lançado seu chatbot ChatGPT no ano passado, Sam Altman, CEO da startup de inteligência artificial (IA), iniciou uma blitz lobista em Washington.
Ele demonstrou o ChatGPT em um café da manhã com mais de 20 legisladores no Capitólio. Pediu que a IA seja regulamentada em reuniões privadas com líderes republicanos e democratas do Congresso.Ao todo, discutiu a tecnologia em rápida evolução com pelo menos cem membros do Congresso, bem como com a vice-presidente Kamala Harris e membros do gabinete na Casa Branca, de acordo com legisladores e o governo Biden.
"Foi muito bom. Ele estava disposto e animado", disse o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut, que também é o presidente de um painel que promoveu uma audiência de IA no mês passado com Altman.
Os presidentes executivos da área de tecnologia normalmente evitam chamar a atenção dos reguladores e legisladores do governo. Foram necessárias ameaças de intimação e humilhação pública para convencer Mark Zuckerberg, da Meta, Jeff Bezos, da Amazon, e Sundar Pichai, do Google, a testemunhar perante o Congresso nos últimos anos.
Mas Altman, de 38 anos, buscou os holofotes e a atenção dos legisladores, conseguindo desanuviar as atitudes céticas em relação às empresas do Vale do Silício. Organizou reuniões e aproveitou a oportunidade para depor na audiência do Senado no mês passado. E, em vez de protestar contra as regulamentações, convidou os legisladores para impor regras abrangentes que responsabilizem a tecnologia.
Altman também viajou, disseminando uma mensagem semelhante sobre a IA em uma turnê por 17 cidades da América do Sul, da Europa, da África e da Ásia. Nas últimas semanas, reuniu-se com o presidente da França, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
"Acreditamos que a intervenção regulatória dos governos será fundamental para mitigar os riscos de modelos cada vez mais poderosos", declarou Altman na audiência do mês passado no Senado.
Sua investida lhe garantiu influência. Ao se envolver com os legisladores logo no início, está procurando moldar o debate sobre a IA e educar Washington em relação às complexidades da tecnologia, especialmente à medida que os temores crescem. Baseando-se na história recente, também está trabalhando para contornar as armadilhas enfrentadas por empresas de mídia social, alvo constante dos legisladores, e para abrir caminho para a IA.
Suas ações podem ajudar a consolidar a posição da OpenAI na vanguarda de um debate sobre a regulamentação da IA. A Microsoft, o Google, a IBM e startups de IA estabeleceram limites para as regras propostas e divergem quanto à interferência do governo que querem em seu setor. As diferenças levaram outros chefes de tecnologia a apresentar as próprias propostas ao governo Biden, a membros do Congresso e a reguladores globais.
Aprendendo com os erros
Parece que, até agora, a estratégia de Altman está funcionando. Os legisladores dos EUA recorrem a ele como educador e conselheiro. No mês passado, falou sobre o ChatGPT a dezenas de membros do Comitê Seleto de Inteligência do Senado e da bancada de IA da Câmara.
Propôs a criação de uma agência reguladora independente para IA, o licenciamento da tecnologia e padrões de segurança. "Tenho muito respeito por Sam", afirmou o senador Mark Warner, democrata da Virgínia, que recebeu Altman para jantar com mais de uma dúzia de outros senadores no mês passado.
Mas não se sabe quanto tempo essa boa vontade pode durar. Alguns legisladores alertaram contra a dependência excessiva de Altman e de outros líderes do setor para orientá-los sobre a explosão de novas tecnologias de IA. "Ele parece diferente, e foi bom que tenha testemunhado. Mas não acho que devemos elogiar muito sua empresa ainda", disse o senador republicano Josh Hawley.
A OpenAI divulgou que, com o benefício de aprender com os erros do passado da indústria de tecnologia, queria fechar a lacuna de conhecimento entre o Vale do Silício e Washington sobre a IA e ajudar nas regulamentações. "Não queremos que isso seja como as revoluções tecnológicas anteriores. Como Altman sabe que este é um período importante, tenta comparecer ao maior número possível dessas reuniões", declarou Anna Makanju, chefe de políticas públicas da OpenAI, que lidera uma pequena equipe de cinco especialistas em políticas.
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Altman vem mencionando os riscos potenciais da IA há anos, ao mesmo tempo que fala sobre a tecnologia. Em 2015, enquanto liderava a incubadora de startups Y Combinator, cofundou a OpenAI com Elon Musk, o CEO da Tesla, e outros. Na época, escreveu em um post de blog que os governos deveriam regular as ferramentas mais poderosas da IA: "Em um mundo ideal, a regulamentação atrapalharia os bandidos e ajudaria os mocinhos."
Segundo Makanju, Altman há muito sustenta a visão de que é melhor se envolver com os reguladores logo no início.
Ele surpreendeu alguns legisladores com sua franqueza sobre os riscos da IA. Em reunião com o deputado Ted Lieu, democrata da Califórnia, nos escritórios da OpenAI em San Francisco em março, Altman disse que a IA poderia ter um efeito devastador no trabalho, reduzindo a semana de trabalho de cinco dias para um. "Ele é muito direto", comentou Lieu, que é formado em ciência da computação.
Altman voltou a visitar Washington no início de maio para uma reunião na Casa Branca com Harris e os CEOs da Microsoft, do Google e da startup de IA Anthropic. Durante a viagem, também discutiu ideias regulatórias e preocupações com o desenvolvimento da IA na China com o senador Chuck Schumer, democrata de Nova York.
Em meados de maio, Altman retornou para uma maratona de dois dias de encontros públicos e privados com legisladores, começando com um jantar oferecido por Lieu e o deputado Mike Johnson, republicano da Louisiana, com 60 membros da Câmara no Capitólio. Em um bufê de frango assado, batata e salada, captou a atenção dos presentes durante duas horas e meia, mostrando o ChatGPT e respondendo a perguntas.
Na manhã seguinte, deu seu testemunho na audiência do Senado sobre os riscos da IA. Apresentou uma lista de ideias regulatórias e apoiou propostas de legisladores, incluindo a ideia de Blumenthal de rótulos de risco para o consumidor em ferramentas de IA, semelhantes a rótulos nutricionais de alimentos.
Alguns pesquisadores e concorrentes disseram que a OpenAI exerce influência excessiva nos debates sobre as regulamentações de IA. Marietje Schaake, pesquisadora do Instituto de Inteligência Artificial Centrada no Ser Humano, da Universidade Stanford, e ex-membro do Parlamento Europeu, frisou que as propostas de Altman sobre licenciamento e testes podem beneficiar empresas de IA mais estabelecidas como a dele: "Ele não é só um especialista – é uma parte interessada."
c. 2023 The New York Times Company
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