Como os criadores de conteúdo lidam com os comentários tóxicos
Especialistas dizem que a melhor saída é ignorar publicações maldosas, mas reconhecem que é difícil
Tecnologia e Ciência|Melina Delkic, do The New York TImes
Quando Taylor Swift lançou o álbum “The Tortured Poets Department”, em abril, Kacie Rose, criadora de conteúdo que normalmente investe em postagens animadinhas sobre viagem, publicou um clipe de 15 segundos de si mesma no Instagram ouvindo uma das canções, demonstrando surpresa e prazer. “Eu quis destacar uma parte legal da canção, mas postei e nem pensei mais no assunto depois.”
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Nos dias seguintes, porém, o segmento recebeu uma enxurrada de comentários maldosos, criticando desde sua aparência até sua saúde mental. “Tragam as instituições mentais de volta”, um escreveu. “Os piores seres humanos que já existiram”, sugeriu o outro, aparentemente se referindo a ela e a Swift. Teve quem previu que Rose ficaria “sozinha para sempre” e alguém até a aconselhou a tirar a própria vida.
Os comentários grosseiros, abusivos ou cheios de ódio não são novidade nas redes sociais – principalmente dirigidos a mulheres e pessoas de cor –, mas, para alguns, a sensação é de que a coisa está ficando pior. Muitos criadores estão descobrindo que, se quiserem fazer sucesso on-line, terão de aceitar que esse comportamento existe, desenvolver estratégias para evitá-lo e, às vezes, tirar vantagem dessa agressividade para ampliar sua marca.
Rose, cujo nome completo é Kacie Rose Burns, afirma que obviamente não gostou de ser atacada por causa do vídeo, mas sabe que é o preço que tem de pagar por ter um número tão alto de seguidores, para os quais está promovendo seu novo livro, “You Deserve Good Gelato”. Ela conta que nunca pensou em sair das redes e que reagiu às observações com novas imagens no dia seguinte, falando sobre a atenção negativa. Quando as capturas de tela dos comentários encheram a tela, ela leu um capítulo de sua obra no qual aconselha o leitor a não deixar que pessoas desagradáveis lhe afetem o humor. “Na verdade, fiz o vídeo para os outros, principalmente as mulheres e meninas que são agredidas na internet. Queria que soubessem que não há nada de errado com elas.”
Ao mesmo tempo que os estudos mostram que postagens provocadoras de emoções negativas como medo, nojo e revolta geram maior engajamento – e consequentemente as plataformas as promovem mais –, alguns criadores já perceberam que, de uns anos para cá, eles vêm se tornando cada vez mais presentes. Abordando o tópico mais inocente que for – como tomar um cafezinho com o(a) companheiro(a), uma receita de pesto ou mesmo a lavagem da casa com equipamentos de alta pressão –, os posts recebem uma avalanche de comentários maldosos com uma rapidez impressionante.
“A realidade de quem está na internet já há algum tempo é mais ou menos assim: você publica, sei lá, algo totalmente inócuo, tipo ‘Adoro waffles’, aí logo aparece alguém dizendo: ‘Ah, quer dizer que você odeia panqueca?’ É inevitável quando você se expõe para um grande número de pessoas”, comenta Drew Afualo, criadora de conteúdo com oito milhões de seguidores no TikTok que ficou conhecida por vídeos em que denuncia comentários racistas e/ou misóginos e reage a eles.
O lado bom das redes sociais permite que os influenciadores desenvolvam uma comunidade acolhedora e até lucrativa. É o caso da própria Rose, de 30 anos, que quando se mudou para a Itália emplacou cerca de 500 mil seguidores no Instagram e um milhão no TikTok, que ajudaram a colocar sua obra na lista de best-sellers do “The New York Times”. São eles também que se inscrevem nos tours que organiza pela Europa. “Tenho muita sorte por ter apoio de uma comunidade tão generosa e tão carinhosa. A imensa maioria dos comentários é positiva.”
Afualo também afirma que praticamente 90 por cento das reações que recebe são favoráveis. Acontece que, nesse ambiente, as críticas mais ácidas tendem a virar bola de neve, estimuladas pelos algoritmos que propagam postagens e comentários geradores de fortes reações, muitas vezes tornando a situação sombria. “É, às vezes, os outros dez por cento podem ser bem violentos”, completa.
As plataformas normalmente dão ao usuário a opção de bloqueio. Além dessa função, muitos usam filtros, o que permite barrar automaticamente os comentários que usam determinadas palavras. É possível também desativá-los ou limitá-los a quem a pessoa também segue.
Afualo ficou conhecida por denunciar as mensagens maldosas e cheias de ódio em vídeos em que normalmente expõe o que foi enviado, destrinchando o conteúdo, destacando as questões sistêmicas presentes, e muitas vezes ridicularizando o autor, concluindo com sua sonora gargalhada.
Há também aqueles que preferem simplesmente ignorar o lado ruim e focar o bom. Katie Woods, de 45 anos, que mostra a reforma da casa do século XIX de sua família, no Reino Unido, recentemente fez um vídeo no TikTok para mostrar o processo de lavagem da estrutura com equipamento de alta pressão – o que gerou muitos comentários, inclusive de locais bem longe de sua região, acusando-a de “danificar” uma estrutura histórica. (Teve quem também reclamou do som de sua voz, do tamanho da casa e da música que acompanha as imagens.) Woods, entretanto, explica que fez pesquisa para saber qual o melhor método de limpeza, e contratou profissionais cientes de que a pressão do jato tinha de ser a mais suave possível. “Tem um que fala primeiro, aí um monte faz a mesma coisa. O pessoal perde a inibição e vira um festival de baixaria. Só que, em vez de dar corda, prefiro ficar quieta. De vez em quando, mando um emoji de joinha passivo-agressivo, mas tento o mais que posso não me deixar contaminar pela negatividade.”
Os especialistas em comportamento on-line também dizem que a melhor saída é ignorar os comentários maldosos, por mais difícil que seja. “Ajuda muito a pessoa ter em mente que esse tipo de comportamento vem dos usuários mais radicais. E que o instinto de ‘punir’ quem faz isso pode sair pela culatra. Ironicamente, dar abertura para um internauta tóxico – visualizando, curtindo, compartilhando, comentando – pode ampliar seu conteúdo. Por exemplo, se a pessoa retuíta uma postagem nociva com comentário, na verdade está aumentando a visibilidade do conteúdo que pretende criticar. Por outro lado, se ignorar, o algoritmo não o identifica e não vai espalhá-lo ainda mais”, alerta por e-mail William Brady, professor assistente da Universidade Northwestern, líder de um grupo de pesquisa que analisou a violência digital em 13 milhões de tuítes.
Woods diz que prefere sempre se concentrar no conteúdo positivo. “Amo as mensagens carinhosas. Afinal, focar o bom, o belo e o alto-astral é um objetivo de vida, não?”
c. 2024 The New York Times Company