Conheça o Bingo, o radiotelescópio brasileiro que vai mapear parte escura do Universo
Equipamento, que funcionará na Paraíba, vai complementar as imagens capturadas no espaço pelo James Webb, da Nasa
Tecnologia e Ciência|Maria Cunha*, do R7
O radiotelescópio brasileiro Bingo está em desenvolvimento em Aguiar, na Paraíba, e, assim como o famoso telescópio espacial James Webb, lançado em 2021 pela Nasa, tem o objetivo de captar imagens e contribuir para pesquisas sobre o espaço. Ambos permitem a observação de locais mais afastados do universo, a chamada energia escura.
De acordo com o coordenador do Projeto Bingo e professor da USP, Elcio Abdalla, a energia escura é o maior componente do universo e 95% de seu conteúdo é completamente desconhecido. Dessa porcentagem, 27% são constituídos de matéria escura e apenas 5% podem ser observados diretamente, a matéria bariônica.
"A grande maioria dos 5% [de matéria conhecida] é constituída de hidrogênio. O hidrogênio emite um tipo de luz característico, a chamada linha de 21 cm — onda eletromagnética de comprimento de onda de aproximadamente 21 cm", explica o físico teórico.
Assim, por meio do mapeamento do hidrogênio e com informações da teoria geral de distribuição de matéria e de atração gravitacional, é possível, ao analisar esse tipo de onda, estabelecer uma melhor compreensão da estrutura intrínseca do Universo e de seu setor escuro.
"A energia escura constitui mais de duas terças partes do Universo material, sendo, portanto, essencial para entender que tipo de expansão acontece no Universo. Sendo completamente desconhecida, essa parte do universo pode trazer surpresas para nós, que não sabemos, no momento, estimar o que ocorre com o setor escuro e se ele pode ser melhor estudado e até mesmo usado para algo", afirma Abdalla.
Em razão disso, o radiotelescópio nacional também vai observar e monitorar as chamadas Oscilações Acústicas de Bárions (BAO, na sigla em inglês), estruturas que se estendem por cerca de meio bilhão de anos-luz no espaço. A investigação é uma forma de restringir as propriedades da energia escura para que seja possível compreender um pouco mais sobre a sua natureza.
"Ambas as observações andam lado a lado, permitindo assim que a ciência seja feita de modo efetivo e importante e captando informações sobre a formação das primeiras estruturas, da formação de galáxias e de estruturas ainda maiores", destaca o físico teórico.
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As BAOs são tão importantes que são responsáveis por parte do nome do telescópio, originado de uma sigla do inglês Baryon Acoustic Oscillations (B) from Integrated (I) Neutral (N) Gas (G) Observations (O) (Oscilações Acústicas de Bárions de Observações Integradas, em tradução livre), ou seja, Bingo.
A importância do Bingo
Abdalla afirma ainda que as observações e conclusões obtidas pelo equipamento brasileiro podem permitir, no futuro, uma compreensão sofisticada do universo. Ele destaca que os resultados trarão, eventualmente, fontes mais complexas de energia limpa, viagens constantes para fora da Terra, prevenção de queda de asteroides e até a possibilidade de vida em outros planetas.
“Essas são algumas das razões pelas quais o estudo da astronomia e da cosmologia não é apenas uma curiosidade, mas algo útil e economicamente viável. A ciência busca colocar um limite na obscuridade e alcançar um espaço de destaque na humanidade”, diz o especialista.
A construção da estrutura física do Bingo é uma colaboração entre Brasil e China. No total, para entrar em operação, o telescópio levou cerca de dez a quinze anos desde as primeiras ideias até o início das observações. Atualmente, Abdalla explica que o aparelho entrará em funcionamento em até dois anos.
Bingo é o "James Webb brasileiro"?
Abdalla explica que, de modo geral, o último telescópio espacial da Nasa e o projeto brasileiro se complementam. "O Bingo utiliza dados de outros telescópios em sua calibração acerca do Universo, o complemento sendo também verdadeiro. O cruzamento dessas informações é muito mais importante que cada informação em si", afirma.
Desse modo, enquanto as informações do James Webb são mais relevantes sobre o início do Universo, cerca de 500 milhões de anos após o Big Bang, os dados que serão obtidos pelo Bingo se referem mais ao tempo em que a energia escura se impôs como parte dominante.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Pablo Marques