Conheça o ‘salvador das plantas’, que desafia a extinção para proteger as espécies mais raras
Carlos Magdalena, cujas aventuras botânicas lembram Indiana Jones, foi uma força motriz na salvação do menor nenúfar do mundo e na descoberta do maior
Tecnologia e Ciência|Silvana Paternostro, do The New York Times
Londres – Na Austrália, ele foi caçar plantas de helicóptero e atravessou águas infestadas de crocodilos para ver um nenúfar florescer. Nas Ilhas Maurício, coletou um espécime na beira de um penhasco. No mês passado, procurando lírios em um afluente do Rio Orinoco, na Colômbia, repleto de piranhas, pulou de prancha em prancha na escuridão completa, às quatro da manhã, para chegar a um pontão flutuante. “Não é que eu seja tão ousado assim. Essas situações simplesmente surgem, e não são extremas como as do Superman. Às vezes, é mais Peter Sellers do que Indiana Jones”, disse Carlos Magdalena, pesquisador de horticultura do Jardim Botânico Real de Kew, em Londres.
Sua responsabilidade principal nesse complexo de jardins e instituições de pesquisa é cuidar das plantas tropicais. Mas ele também é conhecido como “o salvador das plantas”, título concedido por um jornal espanhol, em 2010, por seu resgate de várias espécies vegetais à beira da extinção. Esse trabalho lhe rendeu grande respeito no campo da botânica e o transformou em uma espécie de celebridade no mundo da horticultura.
Sua fama se ampliou quando David Attenborough, decano britânico dos documentários sobre a natureza, repetiu o slogan de “salvador das plantas” na estreia de um de seus filmes, em 2012, que incluía uma cena de Magdalena propagando o lírio pigmeu. A atenção, sobretudo de uma figura tão venerada como Attenborough, de início consternou Magdalena. “Imagine como é quando um Deus chama você de messias”, disse ele diante de uma das elegantes estufas do Jardim de Kew.
É apropriado que o momento estelar de Magdalena no documentário o mostre trabalhando com lírios, ordem de plantas mais próxima de seu coração e a primeira que ele cultivou quando tinha oito anos na propriedade de seus pais, um pedaço de terra na região das Astúrias, no norte da Espanha. O lírio pigmeu foi o que ajudou Magdalena, agora com 51 anos, a ganhar a atenção do público.
O menor nenúfar do mundo, Nymphaea thermarum, cuja flor tem o tamanho de uma unha, havia se tornado uma das posses mais preciosas do Jardim de Kew. Em 2014 foi roubado. O ladrão nunca foi pego, mas Magdalena, que cuidara da pequena planta, deu entrevistas à imprensa, explicando a raridade da flor, nativa de Ruanda. Desde então, assumiu o papel de porta-voz do silencioso reino vegetal, tornando-se um defensor tão exuberante e colorido quanto algumas das flores tropicais que cultiva. “As plantas não falam, não choram e não sangram. Por isso, decidi falar por elas”, afirmou.
Paixão de infância
Caçula de cinco irmãos, Magdalena era um estudante mediano, mas devorava a enciclopédia de jardinagem de seus pais; já a havia lido 12 vezes quando completou oito anos. “Eu preferia viver com as formigas”, disse sobre sua infância. A mãe cultivava flores e o pai se dedicava à agricultura como hobby, de modo que a natureza se tornou central na visão de mundo de Magdalena. O avô o levava em passeios de burro, apontando o nome das plantas e dos animais, hábito que ele herdou. “Nunca superei aquela fase em que as crianças apontam para tudo na natureza.”
Assim como de vez em quando sua mãe obrigava o marido a parar o carro no meio da estrada se uma planta lhe chamasse a atenção, Magdalena não consegue evitar fazer o mesmo, o que às vezes impacienta seus colegas do Jardim de Kew. “É um espetáculo vê-lo saltar em um barranco ou um riacho em busca de plantas, com água até o pescoço e feliz durante horas”, comentou Christian Ziegler, fotojornalista que trabalhou com Magdalena em algumas de suas expedições globais para encontrar flora ameaçada de extinção e cultivá-la.
Com poucas oportunidades de trabalho nas Astúrias, onde administrava um bar, Magdalena se mudou para Londres em 2001. Em muitos aspectos, o Reino Unido era diferente do lugar onde ele nasceu, mas ambos tinham algo em comum: paisagens úmidas e verdes. No começo, ele trabalhou no setor de hotelaria. Até que, em um dia de 2002, foi ao Jardim de Kew e a visita se tornou uma história de origem tão incomum quanto algumas de suas plantas preciosas.
Observando através da condensação que nublava as janelas de uma estufa tropical, ele sonhou que “todas aquelas plantas poderiam estar à minha disposição”. Enviou um e-mail de consulta à Escola de Horticultura de Kew, e o diretor o convidou para uma visita. Os dois se deram bem, e, apesar da falta de qualificações profissionais ou acadêmicas, Magdalena conseguiu um estágio não remunerado. Quatro meses depois, começou um trabalho temporário como assistente de propagação na estufa dos seus sonhos. “Era a hora de eu me destacar.”
Estudos intensos
A primeira planta que Magdalena salvou da extinção foi o café marrom, ou Ramosmania rodriguesii, árvore que atinge a altura de um homem e tem flores brancas características em forma de estrela. Endêmica da ilha mauriciana de Rodrigues, nenhum exemplar vivo havia sido visto desde 1877 – até que uma criança de uma escola encontrou outro espécime, há cerca de 45 anos.
Um corte da planta foi enviado para o Jardim de Kew e, embora o clone tenha florescido, a planta não produziu sementes – até a chegada de Magdalena. No que se tornou parte da tradição botânica, ele passou cinco meses estudando intensamente a planta. Depois de muitos experimentos e 200 tentativas de polinização, conseguiu obter sementes, e cerca de 20 delas foram enviadas para Maurício, onde a bela flor agora pode ser vista novamente. “Carlos cumpre o que promete”, disse Alex Monro, cientista-chefe do Jardim de Kew.
Por mais que tenha obtido um diploma da escola de horticultura de Kew – para ele, “a Oxford da jardinagem” –, Magdalena é conhecido por recorrer menos às técnicas tradicionais e mais a abordagens não convencionais. Para salvar o lírio-pigmeu, pegou sementes emprestadas de um jardim botânico alemão. Por mais que elas tenham germinado, morreram rapidamente. “Uma extinção iminente”, disse ele. Magdalena tentou de tudo, cultivando as sementes em água ácida e alcalina, e variando condições como a luz e a temperatura. Nada funcionava.
Uma noite, ao observar a água borbulhando para cozinhar um torteline, Magdalena se perguntou se a dificuldade em germinar o pequeno nenúfar estava relacionada à quantidade de dióxido de carbono (CO2) à qual as plantas estavam expostas. “Elas precisam de luz, água, nutrientes. Mas também de dióxido de carbono”, explicou. Ao preparar o jantar, lembrou que os nenúfares em seu habitat natural, em Ruanda, cresciam em um riacho raso, e que há muito mais CO2 acima da água do que abaixo, então mudou a profundidade da água que estava usando em seu experimento na tentativa de que recebessem mais do gás – e funcionou.
Por mais que sua fama inicial se deva aos mininenúfares, seu maior feito situa-se no outro extremo do espectro do tamanho. Os nenúfares gigantes, do gênero Victoria, são uma parte importante das exposições de verão dos Jardins de Kew, e são exibidos em uma estufa especial para eles. Em 2007, seu trabalho mal-pago incluía o cuidado das duas únicas espécies conhecidas: Victoria amazonica e Victoria cruziana. As plantas foram nomeadas em homenagem à recém-coroada Rainha Victoria, para garantir o patrocínio dela aos Jardins de Kew.
Descobertas na Amazônia
Cuidando das enormes plantas, Magdalena se tornou cada vez mais obcecado e passava as noites pesquisando sobre elas na internet. Foi então que se deparou com uma foto da folha de Victoria mais estranha que já tinha visto e, suspeitando que se tratava de uma espécie desconhecida, precisava saber mais. Entrou em contato com o proprietário da foto, que havia encontrado esse nenúfar anormalmente enorme nos lagos amazônicos da região de Beni, no norte da Bolívia, e transplantado cortes dele para um lago artificial em Santa Cruz, no mesmo país.
Alguns anos depois, Magdalena estava na Bolívia, ensinando uma comunidade local a cultivar castanhas-do-pará de forma mais eficaz. Tirou alguns dias de folga, e foi ao lago daquele homem para ver os misteriosos e enormes nenúfares pessoalmente, e persuadiu o proprietário, com a ajuda do Jardim Botânico de Santa Cruz, a doar algumas sementes aos Jardins de Kew.
De volta a Londres, quando as sementes bolivianas começaram a crescer com folhas e flores que tinham um aspecto diferente do que estava acostumado, começou a suspeitar que estava diante de uma terceira espécie de Victoria, ainda sem nome. Prosseguiu sua pesquisa com cautela, plenamente consciente de que era incomum no campo da ciência botânica que “um jardineiro como eu”, como disse ele, pudesse ajudar a identificar uma nova espécie. Mas suas observações acabaram por convencê-lo, e a comunidade científica concordou.
Em quatro de julho de 2022, o Jardim de Kew anunciou a descoberta de uma terceira espécie de nenúfar Victoria, que foi batizada como Victoria boliviana Magdalena & L. T. Sm., sendo o segundo nome uma homenagem à contribuição de Lucy T. Smith, botânica e ilustradora dos jardins, que compartilhou a convicção dele de que se tratava de uma nova espécie.
A atenção da mídia foi intensa. “Ainda estou dando entrevistas. Ontem foi para uma emissora de televisão alemã”, contou Magdalena, que acredita que mais espécies de nenúfares gigantes possam estar esperando para ser descobertas. “Meu querido nenúfar”, disse ele.
Por mais que o apelido de “salvador das plantas” de início o tenha incomodado por parecer pretensioso, ele acabou por adotá-lo – “É um apelido muito bom” – e o usou como título de um livro.
Sua fama e sua franqueza nem sempre foram bem recebidas no refinado mundo da jardinagem. Mas Magdalena disse que não se importa em incomodar as pessoas e que não pretende diminuir o tom em defesa do mundo vegetal, ao qual deseja atribuir o mesmo carisma que o reino animal desfruta. “Precisamos parar de pensar que as plantas são só o verde de fundo. Não é incrível?”, perguntou Magdalena, apontando para a floração de um antúrio titã, também conhecido como flor cadáver. O cheiro podre da mais fétida de todas as plantas é uma estratégia evolutiva para atrair polinizadores.
Sua voz depois assumiu um tom mais sério ao falar sobre a corrida para salvar o maior número possível de plantas antes que desapareçam para sempre. “Ainda existem mais de cem mil espécies ameaçadas que estão sentadas no bar tomando sua última cerveja. Não tenho mais nada a fazer. Só isso”, disse o ex-barman.
c. 2024 The New York Times Company