Desprezados pelas mídias sociais, editores procuram leitores no WhatsApp
Agências de comunicação estão testando a função do aplicativo de mensagens mais popular do mundo que lhes permitirá enviar links diretamente aos seguidores
Tecnologia e Ciência|Katie Robertson e Mike Isaac, do The New York Times
Muitos editores de notícias on-line têm procurado desesperadamente por um bote salva-vidas. O tráfego de usuários para sites de notícias caiu drasticamente, bem como a receita de anúncios que os cliques geram. Isso se deu em parte porque o Google e o Facebook decidiram torná-las menos relevantes em suas plataformas.
Agora, algumas publicações encontraram uma chama de esperança em outro lugar: o WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais popular do mundo.
No fim do ano passado, o aplicativo introduziu os Canais do WhatsApp, serviço de transmissão um-para-muitos que possibilita visualizar atualizações relevantes que são compartilhadas por outros usuários do WhatsApp e interagir com eles. Também permite que editores enviem links e manchetes diretamente aos seguidores.
Vários veículos já estão usando esse serviço como uma forma de atrair leitores e construir um relacionamento direto com um público que está, em grande parte, fora dos Estados Unidos. “Na verdade, ele se tornou uma grande fonte de tráfego, maior que o X”, disse Marta Planells, diretora sênior de notícias digitais da Noticias Telemundo, o braço de notícias da rede Telemundo.
Ela informou que o canal Noticias Telemundo no WhatsApp ganhou mais de 30 mil seguidores apenas nas duas primeiras semanas e agora tem mais de 820 mil. Geralmente, o principal canal de notícias cria conteúdo original para seu canal no WhatsApp, como vídeos curtos de repórteres nos locais de apuração dos fatos ou uma pesquisa sobre um assunto que é notícia. “O WhatsApp é uma grande comunidade para hispânicos – é a plataforma ideal para falar com familiares e amigos, especialmente fora dos EUA”, afirmou Planells. A empresa Meta, dona do aplicativo, diz que cerca de 1,9 bilhão de seus dois bilhões de usuários vivem fora dos Estados Unidos.
Os Canais do WhatsApp existem em uma aba separada da seção principal de mensagens do aplicativo. Pessoas, empresas ou organizações podem criar um canal para enviar vídeos, textos ou links para qualquer pessoa que seja seu seguidor. O usuário não precisa fornecer informações privadas, como seu número de telefone ou endereço de e-mail para seguir um canal. O seguidor tem permissão para reagir às postagens com emojis, mas não pode comentar com mensagens de texto.
O tráfego criado pelo WhatsApp ainda é pequeno em comparação àquele que o Google e o Facebook entregam às publicações. Por isso, alguns editores são cautelosos e preferem não se apaixonar demais pelos Canais. A Meta, que também é a controladora do Facebook e do Instagram, tem uma longa e complicada história com as organizações de notícias.
Mas os Canais são uma das poucas fontes de tráfego com tendência de alta e fazem parte de um esforço de muitos editores para desenvolver um relacionamento direto com o público e, potencialmente, levá-los de volta às páginas iniciais ou aos aplicativos dos próprios veículos, em vez de depender das plataformas de mídia social.
Vários veículos de mídia se inscreveram nos Canais do WhatsApp e já atraíram milhões de seguidores, incluindo a CNN (14,5 milhões de seguidores), o “The New York Times” (14 milhões), a BBC News (9,3 milhões), o “The New York Post” (8,1 milhões), o “The Wall Street Journal” (4,7 milhões) e o “The Washington Post” (3,8 milhões).
A Meta cortejou os editores várias vezes no passado e mudou de estratégia um ou dois anos depois. Em 2015, por exemplo, o Facebook fechou parcerias com editores para hospedar matérias inteiras no serviço de mídia social, o que ajudou os textos a carregar mais rapidamente. A empresa encerrou esse programa e, em seguida, introduziu uma série de iniciativas diferentes para financiar o jornalismo, incluindo uma aba de notícias e milhões de dólares em acordos de conteúdo para atrair novos editores.
As iniciativas voltadas para o jornalismo também fracassaram. Nos últimos anos, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, e alguns de seus tenentes sinalizaram que não estavam interessados em apresentar tantas notícias importantes ou conteúdo político em suas plataformas. Este ano, a Meta anunciou que fecharia a aba Notícias e alinharia “melhor nossos investimentos aos nossos produtos e serviços que as pessoas mais valorizam”.
Mas os executivos da Meta acreditam que os Canais são uma maneira mais direcionada e pessoal de enviar matérias e postagens aos seguidores, especialmente porque esses conteúdos vêm na forma de uma atualização de mensagem de texto. Segundo eles, é uma experiência diferente misturar matérias com outras postagens e vídeos como o feed de notícias do Facebook. “Não é como a mídia social tradicional, porque o usuário controla o que quer ver e pode ver quando quiser. Além das mensagens privadas, as pessoas disseram que queriam encontrar mais notícias, grupos e organizações no WhatsApp”, declarou Alice Newton-Rex, chefe de produto do WhatsApp.
Newton-Rex comparou o produto atual à forma como, no passado, se entregavam boletins informativos por e-mail, algo em que sua equipe se concentrou ao projetar o produto Canais. Ela observou que os usuários regularmente encaminhavam links e mensagens que encontravam neles para seus grupos de bate-papo privados. Assim, mais pessoas se inteiravam de matérias jornalísticas ou de atualizações feitas por outros ou pelas empresas que administram os próprios Canais.
A Meta também deu a entender que pode introduzir Canais pagos no futuro, uma maneira de pessoas e organizações ganharem dinheiro oferecendo postagens ou conteúdos exclusivos para seus assinantes. É um caminho já bem trilhado por empresas como Patreon, OnlyFans e, mais recentemente, o X.
O “Financial Times”, em vez de criar um canal principal, tem três canais ativos sobre assuntos específicos: os mercados financeiros (209 mil seguidores), a guerra Israel-Hamas (53 mil seguidores) e a eleição dos EUA (22 mil seguidores). Rachel Banning-Lover, chefe de mídia social e desenvolvimento do “Financial Times”, disse que o canal de mercados começou há um ano com a postagem de uma matéria por dia, gratuita para leitura. “Cresceu muito depressa. Nosso objetivo era atingir 40 mil pessoas nos primeiros três meses e chegamos a esse número nas primeiras semanas”, comentou ela.
Depois que a guerra entre Israel e o Hamas começou, o “Financial Times” iniciou um canal que, a princípio, fornecia um briefing diário para acompanhar as notícias sobre o avanço da guerra. Era uma forma de combater a desinformação compartilhada na plataforma e em outros sites de mídia social.
Banning-Lover disse que o sucesso de um Canal do WhatsApp depende um pouco de as pessoas terem se inscrito para receber notificações push para os Canais. Os usuários precisam optar por receber as notificações, e o WhatsApp não fornece às editoras nenhum dado sobre quantos seguidores optaram por receber.
O “Financial Times” entrevistou usuários três meses depois do início de seu experimento com os Canais do WhatsApp e descobriu que muitos deles queriam mais notificações push do canal da publicação, afirmou Banning-Lover, acrescentando: “O que não queremos que aconteça é que as pessoas desliguem as notificações push.”
Banning-Lover disse também que o “Financial Times” conseguiu determinar a localização geográfica de seus leitores por meio de tags adicionadas ao link da web compartilhado em seu Canal. “A Índia, o Reino Unido e os EUA são nossos maiores públicos, mas também temos muitos leitores do sul global. É bem interessante, e estamos realmente satisfeitos por termos alcançado pessoas que, normalmente, não alcançaríamos.”
Swati Sharma, editora-chefe da Vox.com, declarou que sua empresa tenta alcançar públicos “não obcecados por notícias” e o público internacional por meio de seu Canal do WhatsApp, que tem 482 mil seguidores. Este vê isso, segundo ela, principalmente como uma forma de criar reconhecimento de marca e introduzir novos produtos, como podcasts e boletins informativos, em vez de uma fonte significativa de tráfego de usuários. “Estamos tentando deliberadamente colocar postagens longas. Achamos que isso pode nos destacar. Se as pessoas permanecerem no aplicativo e consumirem nossas informações, vamos achar ótimo.” Sharma revelou também que a Vox tem experimentado publicar mais matérias jornalísticas no fim de semana e em horários diferentes para atender o público internacional e que planeja usar o Canal para fazer crowdsourcing (construção coletiva) de perguntas para seu novo podcast, “Explain It to Me” (algo como “Explique-me isso”).
Já a revista “The Atlantic” está vendo seu Canal no WhatsApp, que tem 2,8 milhões de seguidores, como um lugar de experimentação em vez de uma grande fonte de tráfego, disse Adrienne LaFrance, editora executiva da publicação, acrescentando: “Vemos uma postagem ocasional do WhatsApp gerar uma pequena onda de leitores, mas nem de longe isso acontece na escala de plataformas como o Facebook ou o Google, mesmo nesta nova era pós-distribuição social da internet. Mas temos de encontrar nosso público onde quer que ele esteja. Para a ‘The Atlantic’, isso é o mais importante. A web social está passando por uma mudança dramática. É um momento exasperante, mas também, mais do que isso, significa que há enormes oportunidades para jornalistas se conectarem com o público de uma nova maneira.”
c. 2024 The New York Times Company