Em breve a IA será mais esperta que o ser humano
Criar sistemas de IA mais eficientes que o ser humano se tornou o objetivo explícito de algumas das maiores empresas do Vale do Silício
Tecnologia e Ciência|Kevin Roose, do The New York Times
San Francisco – Aqui estão algumas coisas em que acredito no que diz respeito à inteligência artificial:
Acredito que, nos últimos anos, os sistemas de IA começaram a superar o ser humano em vários domínios – matemática, codificação e diagnóstico médico, só para citar alguns – e que estão melhorando a cada dia.
Acredito que, muito em breve – provavelmente em 2026 ou 2027, ou talvez ainda este ano –, uma ou mais empresas de IA anunciarão ter criado uma Inteligência Artificial Geral, ou IAG, que normalmente é definida como “um sistema de IA de alcance geral que pode fazer quase todas as mesmas tarefas cognitivas que um ser humano executa”.
Acredito que, quando a IAG for anunciada, eclodirão debates sobre seu contorno e se discutirá se ela é ou não é uma IAG “real”. Mas creio também que isso não importará muito, porque o ponto mais visível – o de que estamos perdendo nosso monopólio sobre a inteligência de nível humano e fazendo a transição para um mundo com sistemas de IA muito poderosos – já será verdade.
Acredito que, na próxima década, uma IA poderosa gerará trilhões de dólares em valor econômico e inclinará o equilíbrio do poder político e militar para as nações que a controlam. A maioria dos governos e as grandes corporações já veem isso como um fato. Basta considerar as enormes somas de dinheiro que estão gastando para ver quem chega lá primeiro.
Acredito que a maioria das pessoas e instituições está totalmente despreparada para os sistemas de IA que existem hoje, principalmente os mais robustos, e que não há um plano realista em nenhum nível de governo para mitigar os riscos ou capturar os benefícios desses sistemas.
Acredito que os céticos mais ferrenhos da IA – que insistem que o progresso é feito de fumaça e espelhos, e que descartam o avanço da IAG, considerada por eles uma fantasia delirante – não só estão errados no mérito, mas estão dando às pessoas uma falsa sensação de segurança.
Acredito que, mesmo que você ache que a IAG vai ser ótima ou terrível para a humanidade – e, honestamente, pode ser muito cedo para dizer o que ela será –, sua chegada levanta importantes questões econômicas, políticas e tecnológicas para as quais atualmente não temos resposta.
Acredito que o momento certo para começar a se preparar para a IAG é agora.
Isso tudo pode parecer loucura. Mas não cheguei a essas visões como um futurista de olhos brilhantes, um investidor promovendo meu portfólio de IA ou um cara que tomou muitos cogumelos mágicos e assistiu a O Exterminador do Futuro 2.
Cheguei a elas como um jornalista que passou muito tempo conversando com engenheiros enquanto estes construíam sistemas de IA poderosos, com investidores que financiaram pesquisas e com investigadores que estudaram seus efeitos. E acredito que o que está se desenrolando na IA agora é maior do que a maioria das pessoas é capaz de entender.
Em San Francisco, onde fica minha base, a ideia de IAG não é marginal ou exótica. As pessoas aqui falam sobre “sentir a IAG”. Para elas, construir sistemas de IA mais inteligentes do que o ser humano se tornou o objetivo explícito de algumas das maiores empresas do Vale do Silício. Toda semana, encontro engenheiros e empreendedores trabalhando em IA que me dizem que a mudança – uma grande mudança, uma mudança que abala o mundo, o tipo de transformação que nunca vimos antes – está a caminho.
Eu também costumava zombar da ideia. Mas cheguei à conclusão de que estava errado. Algumas coisas me persuadiram a levar o progresso da IA mais a sério.
Os insiders estão alarmados
A coisa mais desconcertante sobre a indústria de IA de hoje é que as pessoas mais próximas da tecnologia – os funcionários e executivos dos principais laboratórios de IA – tendem a ser as mais preocupadas com a rapidez com que ela está avançando.
Isso é bem incomum. Em 2010, quando eu estava cobrindo a ascensão das mídias sociais, ninguém dentro do Twitter, do Foursquare ou do Pinterest pensava que seus aplicativos poderiam causar caos social. Mark Zuckerberg não estava testando o Facebook para encontrar provas de que este poderia ser usado para criar novas armas biológicas ou executar ataques cibernéticos independentes.
Mas, hoje, as pessoas com as melhores informações sobre o progresso da IA – aqueles que constroem a IA poderosa, que têm acesso a sistemas mais avançados do que o público em geral enxerga – estão nos dizendo que uma grande mudança está próxima. As principais empresas de IA estão se preparando ativamente para a chegada da IAG e estão estudando questões assustadoras sobre seus modelos – por exemplo, se eles têm capacidade de conspirar e enganar, prevendo a possibilidade de que se tornem mais hábeis e autônomos.
Sam Altman, CEO da OpenAI, escreveu que " estão surgindo sistemas que começam a apontar para a IAG".
Demis Hassabis, CEO do Google DeepMind, disse que a IAG provavelmente está “a três ou cinco anos de distância”.
Dario Amodei, CEO da Anthropic (que não gosta do termo IAG, mas que concorda com o princípio geral), comentou comigo no mês passado que acredita que estamos a um ou dois anos de ter “um número muito grande de sistemas de IA que serão bem mais inteligentes do que o ser humano em quase tudo”.
Talvez devêssemos desconsiderar essas previsões. Afinal, os executivos de IA lucram com o exagero desmedido dado à IAG e podem ser incentivados a aumentar os benefícios ou os perigos dela.
Contudo, muitos especialistas independentes – incluindo Geoffrey Hinton e Yoshua Bengio, dois dos pesquisadores de IA mais influentes do mundo, e Ben Buchanan, o principal especialista em IA do governo Biden – vêm dizendo coisas semelhantes. Assim como uma série de outros economistas, matemáticos e autoridades de segurança nacional proeminentes.
Para ser justo, alguns especialistas duvidam que a IAG esteja na iminência de aparecer. Mas, mesmo que você ignore todos que trabalham em empresas de IA, ou têm interesse no resultado, ainda existem vozes independentes, suficientemente confiáveis, com previsões de um cronograma curto para a IAG, que devemos levar a sério.
Os modelos de IA melhoram
Para mim, tão persuasiva quanto a opinião de especialistas é a prova de que os sistemas de IA de hoje estão melhorando rapidamente, de formas bastante óbvias para qualquer usuário.
Em 2022, quando a OpenAI lançou o ChatGPT, os principais modelos de IA lutaram com aritmética básica, frequentemente falharam em problemas de raciocínio complexos e muitas vezes “alucinaram” ou inventaram fatos inexistentes. Os chatbots daquela época podiam fazer coisas impressionantes com o estímulo certo, mas você não se arriscaria a usar um para algo extremamente importante.
Os modelos de IA de hoje são muito melhores. Agora, modelos especializados estão obtendo pontuações de nível de medalhista na Olimpíada Internacional de Matemática, e modelos de uso geral ficaram tão bons em resolver problemas complexos que foram criados novos e mais difíceis testes para medir suas habilidades. Alucinações e erros factuais ainda acontecem, mas são mais raros em modelos mais novos. Muitas empresas agora confiam em modelos de IA e os incorporam em funções essenciais voltadas para o cliente.
À medida que essas ferramentas melhoram, estão se tornando úteis para muitos tipos de trabalho de conhecimento executivo. Meu colega do “Times”, Ezra Klein, escreveu recentemente que os resultados do Deep Research do ChatGPT, recurso premium que produz resumos analíticos complexos, estavam “dentro da média” dos pesquisadores humanos com os quais trabalhou.
Também encontrei muitos usos para ferramentas de IA no meu trabalho. Não uso a IA para escrever minhas colunas, mas lanço mão dela para muitas outras coisas, como a preparação para entrevistas, o resumo de artigos de pesquisa, a criação de aplicativos personalizados para me ajudar com tarefas administrativas. Nada disso era possível alguns anos atrás. E acho implausível que qualquer pessoa que use esses sistemas regularmente para trabalho sério possa concluir que atingiu o último nível.
Se você realmente quer entender quanto a IA melhorou recentemente, converse com um programador. Um ou dois anos atrás, as ferramentas de codificação de IA existiam, mas seu objetivo era acelerar os codificadores humanos sem pretender substituí-los. Hoje, engenheiros de software me dizem que a IA faz a maior parte da codificação real para eles e que cada vez mais sentem que seu trabalho é supervisionar os sistemas de IA.
Jared Friedman, parceiro da Y Combinator, aceleradora de startups, revelou recentemente que um quarto do lote atual de startups da aceleradora estava usando IA para escrever quase todo o seu código: “Há um ano, eles teriam construído seu produto do zero – mas agora 95% dele é construído por IA.”
Preparar-se demais é o melhor
A maioria dos conselhos que ouvi sobre como as instituições devem se preparar para a IAG se resume a coisas que deveríamos fazer de qualquer maneira, como modernizar nossa infraestrutura de energia, fortalecer nossas defesas de segurança cibernética, acelerar os sistemas de aprovação de medicamentos projetados por IA, escrever regulamentações para evitar os danos mais sérios da IA, ensinar alfabetização em IA nas escolas e priorizar o desenvolvimento social e emocional em vez de habilidades técnicas que logo se tornarão obsoletas. São ideias sensatas, com ou sem IAG.
Alguns líderes do setor de tecnologia temem que temores prematuros em relação à IAG nos levem a regular a IA de forma muito agressiva. Mas o governo Trump sinalizou que quer acelerar o desenvolvimento da IA, não o contrário. E bastante dinheiro está sendo gasto para criar a próxima geração de modelos de IA – centenas de bilhões de dólares (e com mais a caminho) –, o que faz parecer improvável que as principais empresas de IA pisem no freio voluntariamente.
Também não me preocupo com indivíduos se preparando demais para a IAG. Um risco maior, creio, é a maioria das pessoas não perceber que uma IA poderosa já está bem na cara delas – eliminando seu emprego, enredando-as em tramoias, prejudicando-as ou a alguém que amam. Isso é, mais ou menos, o que aconteceu durante a era da mídia social, quando falhamos em reconhecer os riscos de ferramentas como o Facebook e o Twitter até que elas estivessem grandes e arraigadas demais para mudar.
É por isso que acredito em levar a sério a potencialidade da IAG desde já, mesmo que não saibamos exatamente quando ela chegará ou precisamente que forma tomará.
Se nos colocarmos em uma posição de negação – ou se simplesmente não estivermos prestando atenção –, podemos perder a chance de moldar essa tecnologia quando ela mais importa.
c. 2025 The New York Times Company