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Tecnologia e Ciência

Energia nuclear é o novo campo da IA; o que pode dar errado?

Empresa que projeta os chips e o software é a favorita do mercado de ações e teve uma valorização de 144% só neste ano

Tecnologia e Ciência|Jeff Sommer, do The New York Times

A possibilidade de reativar outras usinas nucleares está sendo avaliada, como a de Palisades, no Michigan, e a Duane Arnold, no Iowa Stefan Kühn (Sob Licença Creative Commons)

Quer apostar no futuro da IA (inteligência artificial)? A opção óbvia é a Nvidia, empresa que projeta os chips e o software que tornam possível a operação da IA. É a favorita do mercado de ações e teve uma valorização de 144% só neste ano. Mas alguns corretores da bolsa de valores encontraram uma alternativa menos comum e mais discreta: ações de companhias de serviços públicos, especificamente das que são proprietárias de usinas de energia nuclear.

Duas delas, a Constellation Energy e a Vistra, estiveram entre as empresas de melhor desempenho no Índice S&P 500 em setembro, com rendimentos superiores a 30%. O preço das ações da Constellation Energy, maior operadora de usinas nucleares dos Estados Unidos, teve um aumento em 20 de setembro, depois da assinatura de um contrato para fornecer energia aos centros de dados de IA da Microsoft, que só crescem. A energia será gerada pela empresa na usina nuclear Three Mile Island, perto de Harrisburg, na Pensilvânia.

Qualquer pessoa que tenha lido as notícias em 1979 ou esteja familiarizada com a história da energia nuclear sabe que a Three Mile Island foi o cenário do pior desastre nuclear da história dos Estados Unidos. Atualmente, por causa da quantidade de energia que a IA requer, a empresa pretende reabrir uma seção da usina desativada há cinco anos que não foi danificada e mudar seu nome para Crane Clean Energy Center, que não traz associações tão negativas.

A Vistra afirma que também vem mantendo contato com várias operadoras de IA. E o acordo da Constellation com a Microsoft veio depois de um contrato, firmado em março, da Talen Energy com a Amazon, envolvendo a IA e a energia nuclear. A Talen concordou em fornecer à Amazon uma quantidade grande de eletricidade da usina nuclear Susquehanna Steam Electric Station, localizada perto de Berwick, na Pensilvânia, na qual a empresa de serviços públicos tem uma participação de 90%.


Considere os rendimentos anuais do mercado de ações, incluindo os dividendos:

– Índice S&P 500, 22%.


– Constellation Energy, 121%.

– Vistra, 208%.


– Talen Energy, 185%.

Outras empresas de serviços públicos também obtiveram algum impulso graças à IA, mas, de modo mais amplo, nada foi tão impressionante quanto o crescimento dessas companhias.

A possibilidade de reativar outras usinas nucleares está sendo avaliada, como a de Palisades, no Michigan, e a Duane Arnold, no Iowa, processo árduo e caro que exige um investimento significativo e a aprovação de órgãos reguladores. As usinas nucleares em atividade que estão fornecendo energia para outros propósitos podem ser realocadas futuramente para operações mais lucrativas com centros de dados de IA.

Em teleconferência no mês passado, o diretor-executivo da Dominion Energy, Robert Blue, indicou que a empresa “certamente está aberta à ideia de um acordo desse tipo na usina Millstone Power Station”, cujas operações tiveram início em Waterford, Connecticut, em 1970.

Mas o setor de energia nuclear não é o único que pode ter o ciclo de vida ampliado. Algumas usinas antigas a carvão, cujo fechamento já está programado, podem ter uma nova chance de continuar ativas. A necessidade crescente de eletricidade para os centros de dados de IA supera a capacidade dos produtores de energia de construir e operar geradores mais limpos, usando a energia solar ou a eólica. Essa situação gera um custo na poluição do ar, incluindo as emissões de carbono que contribuem para o aquecimento global.

É claro que as usinas de energia nuclear também têm desvantagens. Mesmo as melhores produzem resíduos radioativos que não podem ser eliminados durante o período de uma vida humana. Mas não queimam carbono nem emitem na atmosfera pequenas partículas prejudiciais aos pulmões. Embora seja difícil e caro construir uma nova usina e obter aprovação das autoridades reguladoras, há um grande interesse por usinas nucleares antigas.

Mas, para quem conhece bem os problemas ambientais associados à energia nuclear, é impressionante pensar que as ações de empresas desse setor podem experimentar uma nova alta impulsionada pelo crescimento da IA.

Uma necessidade insaciável

No início dos anos 1980, quando era jornalista do “Newsday”, em Long Island, cobri as notícias que abordavam a energia nuclear durante um período de declínio marcado, do qual esta nunca se recuperou totalmente.

Depois do acidente em Three Mile Island, muita gente no mundo inteiro temeu uma catástrofe nuclear. A oposição bipartidária levou ao fim de uma usina nuclear comercial em Shoreham, na pitoresca costa norte de Long Island, que foi construída, mas nunca entrou em operação total. O Estado assumiu o controle da Long Island Lighting Co., empresa de energia que tinha sido proeminente e que construiu a usina de Shoreham.

Naquela época, eu não imaginava que, em 2024, a IA impulsionaria uma alta no mercado de ações de empresas de serviços públicos com ativos de energia nuclear. Isso ultrapassava minha capacidade de previsão e, creio, a de qualquer ser humano. Embora algum dia a IA talvez possa ajudar a fazer esse tipo de prognóstico, não acho que esteja pronta neste momento. Mas a fome da IA por energia já é insaciável.

Isso se dá por dois motivos: primeiro, porque a IA avançada roda em supercomputadores, a maioria cheia de equipamentos da Nvidia, que consomem uma quantidade de eletricidade enorme para processar os dados que “treinam” os sistemas de IA para dar respostas e transformar os dados.

Segundo, porque o consumo energético para que os chatbots de IA respondam a perguntas e façam pesquisas também é muito alto. Quando você solicita ajuda de um chatbot para fazer uma lição de espanhol, cozinhar uma receita ou obter informações a respeito das ações de uma empresa, mesmo essa busca simples em um sistema automatizado como o ChatGPT consome eletricidade.

Mas quanta exatamente? Conversei com Jesse Dodge, pesquisador sênior do Instituto Allen de Inteligência Artificial, organização sem fins lucrativos sediada em Seattle, que explorou esse tema. Ele e seus colegas calcularam os quilowatts-horas consumidos pelo hardware avançado da Nvidia em uma busca simples, e resumiram as descobertas assim: “Estimamos que uma pergunta feita ao ChatGPT pode consumir a mesma quantidade de eletricidade que uma lâmpada acesa durante aproximadamente 20 minutos.”

Ele apontou que o uso generalizado da IA entre as pessoas está consumindo energia — e, no processo, outros recursos ambientais valiosos, como a água para resfriar as usinas e os centros de dados — de uma maneira que seria difícil de justificar se as pessoas parassem para pensar a respeito disso. E acrescentou: “É um problema que só tende a crescer”.

Além de global, também se trata de um problema regional, porque os consumidores valorizam as respostas rápidas, e tudo é mais eficiente quando os supercomputadores de IA e suas fontes de eletricidade estão perto das principais áreas metropolitanas, nas quais a maioria dos consumidores vive.

Já deixamos para trás a fase experimental da IA, quando alguns poucos pesquisadores faziam buscas ocasionais com consumo energético alto. O campo está crescendo rapidamente: milhões de pessoas fazem pesquisas usando a IA e novos aplicativos surgem o tempo todo. Por isso, muitos pesquisadores calculam que o consumo total de energia da IA está se aproximando de valores significativos em nível global. Atualmente, consome quase tanto quanto países como a Suécia ou a Argentina, e até 2030 pode ultrapassar o gasto energético da Índia. Quem sabe onde a IA vai parar?

Não ouso dizer que o céu é o limite. Em alguns círculos de investimento, há grande ceticismo. Sem dúvida, muitas das novas aplicações da IA serão maravilhosas, mas não se sabe direito até que ponto essa tecnologia será útil ou lucrativa. Em junho, a instituição financeira Goldman Sachs divulgou um relatório com um título provocativo: “IA generativa: muito gasto para pouco benefício?”

Como investidor, evito apostar em qualquer inovação específica, por isso aplico meu dinheiro em fundos de índices amplos e de baixo custo que acompanham o mercado como um todo. Também sou incapaz de julgar o potencial limite da IA ou de calcular em longo prazo o futuro da energia nuclear no mercado. O atual crescimento das ações é só o início de um renascimento duradouro? Não vou fingir que sei a resposta.

Mas o entusiasmo pela IA continua crescendo. Ela precisa de eletricidade, mesmo que tenha de vir de Three Mile Island. Atualmente, as apostas furtivas em IA mediante empresas de serviços públicos de energia nuclear são uma alternativa criativa e incomum à compra de ações da Nvidia.

c. 2024 The New York Times Company

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