Explosões termonucleares e novas espécies: o plano de Elon Musk para colonizar Marte
Bilionário espera colonizar o planeta vermelho em 20 anos, plano que alguns funcionários da SpaceX consideram absurdo
Tecnologia e Ciência|Kirsten Grind, do The New York Times
Há mais de duas décadas, Elon Musk, de 53 anos, tem centrado a SpaceX, sua empresa de foguetes, em seu objetivo perpétuo de chegar a Marte. No último ano, também intensificou seu trabalho sobre as medidas que serão tomadas se ele o concretizar.
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Ele ordenou que os funcionários da SpaceX aprofundassem o design e os detalhes de uma cidade marciana, segundo cinco pessoas com conhecimento da situação e documentos consultados pelo “The New York Times”. Uma equipe está elaborando planos para pequenos habitats em forma de cúpula, incluindo os materiais que poderiam ser usados para construí-los. Outra está trabalhando em trajes espaciais para combater o ambiente hostil de Marte, e uma equipe médica está investigando se os seres humanos podem ter filhos lá. Musk ofereceu seu esperma para ajudar a iniciar uma colônia, de acordo com duas pessoas a par de seus comentários.
As iniciativas, que ainda estão na fase inicial, representam uma mudança rumo a um planejamento mais concreto para a vida em Marte, já que o cronograma de Musk se acelerou. Em 2016 ele disse que seriam necessários de 40 a cem anos para haver uma civilização autossustentável no planeta, mas em abril declarou aos funcionários da SpaceX que agora espera que um milhão de pessoas vivam lá em cerca de 20 anos. “É muito urgente tornar a vida multiplanetária. Temos de fazer isso enquanto a civilização é muito forte”, afirmou em um vídeo postado com suas declarações.
Há muito tempo, Musk tenta desafiar o impossível, e com muita frequência consegue vencer as adversidades. Mas sua visão da vida no planeta vermelho leva suas ambições aparentemente ilimitadas ao ponto mais extremo – e, alguns diriam, beirando o absurdo. Ninguém jamais pisou em Marte, e a Nasa não espera alcançar esse marco até a década de 2040. E mesmo que as pessoas cheguem lá, serão recebidas por um terreno estéril, temperaturas geladas, tempestades de poeira e um ar impossível de respirar.
Mas Musk está tão convencido de criar uma civilização no planeta vizinho – uma vez disse que pensa em morrer lá – que essa ideia impulsionou quase todas as suas iniciativas empresariais na Terra. Sua visão de Marte é a base para a maioria das seis empresas que ele dirige ou das quais é dono, podendo, cada uma delas, contribuir para uma colônia extraterrestre, segundo documentos e pessoas com conhecimento dos esforços.
Duas pessoas relataram que a Boring Company, empresa privada de escavação de túneis fundada por Musk, foi iniciada, em parte, para preparar equipamentos que possam escavar a superfície de Marte. Musk disse que comprou a rede social X também para ajudar a testar como pode funcionar no outro planeta um governo dirigido por cidadãos com base em consenso. Também afirmou que prevê que os habitantes de Marte vão dirigir uma versão dos Cybertrucks com painéis de aço fabricados pela Tesla, sua empresa de veículos elétricos.
Musk, que tem uma fortuna de cerca de US$ 270 bilhões, declarou publicamente que só acumula ativos – que incluem um pacote de remuneração da Tesla de aproximadamente US$ 47 bilhões – para financiar seus planos para nosso planeta vizinho. “É uma forma de levar a humanidade a Marte, porque estabelecer uma cidade autossustentável lá vai exigir muitos recursos”, declarou ao tribunal em 2022 a respeito de seu pagamento da Tesla.
Por mais que Musk mencione esse objetivo há anos e a SpaceX tenha publicado dois desenhos básicos de uma colônia em 2018, muitos detalhes e a mudança da empresa para o planejamento de uma civilização não haviam sido relatados anteriormente. Musk manteve, em grande parte, os planos de colonização em sigilo porque a SpaceX, em virtude de um contrato de US$ 2,9 bilhões com a Nasa, deve primeiro enviar um foguete à Lua, segundo duas pessoas com conhecimento da empresa.
O “Times” entrevistou mais de 20 pessoas próximas a Musk e à SpaceX sobre os planos para uma cidade marciana e revisou documentos internos, e-mails, publicações em redes sociais e documentos legais. Muitas falaram sob a condição de anonimato porque haviam assinado acordos de confidencialidade.
Até essas pessoas se mostraram céticas quanto à possibilidade de Musk construir uma cidade em Marte durante sua vida. Algumas disseram que ele está só tentando superar Jeff Bezos, fundador da Amazon, que imagina seres humanos vivendo em gigantescas estações espaciais no sistema solar. Outras afirmaram que Musk estabeleceu um cronograma agressivo para Marte para fazer com que os funcionários da SpaceX trabalhem mais. Desenhos da colônia às vezes são referidos como um “pacote de marketing”, de acordo com duas delas.
Musk e a SpaceX não responderam às solicitações de comentários. Em uma postagem no X depois da publicação desta matéria, Musk declarou que não oferecera seu esperma e que ninguém na SpaceX fora instruído a desenvolver uma cidade marciana. “Quando as pessoas pediram que eu fizesse isso, expliquei que primeiro precisamos ter como objetivo chegar lá”, escreveu ele.
Salvar a humanidade
Musk é fascinado por Marte desde que leu o romance de ficção científica de Isaac Asimov, “Fundação”, em 1951, quando tinha dez anos. No livro, o protagonista constrói uma colônia em uma galáxia para salvar a humanidade da queda de um império interestelar.
Em 2002, fundou a SpaceX, empresa privada com sede em Hawthorne, na Califórnia. Com o tempo, criou foguetes parcialmente reutilizáveis e conseguiu contratos governamentais, alguns deles com a Nasa. Nos últimos anos, lançou a Starlink, serviço de internet por satélite que se expandiu mundialmente.
Para chegar a Marte, a SpaceX construiu o Starship, foguete reutilizável de aproximadamente 122 metros, cujo objetivo imediato é levar astronautas da Nasa à Lua, mas o plano é que, mais tarde, ele possa transportar residentes para o planeta vizinho e também servir como uma pequena estação espacial.
De acordo com três pessoas familiarizadas com o foguete, uma versão futura do Starship pode abrigar um espaço habitável na parte frontal. Duas delas disseram que os planos preveem vários andares para habitação, com instalações como uma pista de atletismo e uma sala de cinema. Um desenho do interior do Starship, versão que Musk publicou no X, mostra uma violinista flutuando em gravidade zero, tocando para uma multidão.
O Starship poderia transportar cem passageiros por vez para Marte, viagem que seria feita aproximadamente a cada dois anos, afirmou Musk em uma apresentação de 2016 no Congresso Astronáutico Internacional. A Nasa divulgou que uma viagem a Marte, localizado a cerca de 225 milhões de quilômetros da Terra, levaria até nove meses.
Em 2018, engenheiros da SpaceX se reuniram com pesquisadores universitários e com outras pessoas em uma reunião privada no Colorado para discutir a tecnologia necessária para sobreviver em Marte, segundo notas da reunião obtidas pelo “The New York Times”. Os temas incluíram a coleta de gelo para fazer água e a seleção da área adequada no planeta para construir uma colônia.
No ano passado, as últimas versões do Starship foram construídas na Starbase, instalação da SpaceX em Boca Chica, no Texas. Em junho, o foguete retornou com sucesso de um voo teste ao espaço feito pela primeira vez.
Planejamento da colônia
Ao longo dos anos, Musk deixou pistas sobre como acredita que as pessoas viveriam em Marte.
Um dos temas gira em torno da continuidade da vida humana no planeta. Os cientistas não determinaram se é possível ter filhos no espaço. Musk disse que crianças não serão permitidas nos primeiros voos para Marte em razão dos perigos, por mais que espere que um dia elas possam viver lá.
Mas Musk tem um plano: em sua entrevista de 2013 para o vídeo científico, afirmou que pretendia criar uma espécie própria em Marte (ideia que repetiu ao longo dos anos aos funcionários da SpaceX e a outras pessoas próximas à empresa): “Acho bastante provável que queiramos fazer bioengenharia de novos organismos que se adaptem melhor à vida em Marte. A humanidade, de certa forma, tem feito isso ao longo do tempo, mediante uma espécie de seleção artificial.”
Ele também tem uma estratégia para o aquecimento: pretende abordar as temperaturas gélidas de Marte com uma série de explosões termonucleares que aquecerão o planeta criando sóis artificiais, disse em entrevista a um podcast de 2022. Centenas de painéis solares, potencialmente construídos pela Tesla, vão ajudar a aquecer os lares e a criar energia, informaram três pessoas familiarizadas com seus planos.
Nos últimos meses, as declarações de Musk deram lugar a um planejamento mais concreto para os funcionários da SpaceX. A equipe de design industrial está criando e atualizando representações de uma cidade, segundo duas pessoas. A colônia vai se concentrar em uma cúpula gigante voltada para a vida comunitária, com outras menores espalhadas ao seu redor. Ultimamente, os debates estão centrados em quais materiais podem ser usados nessas cúpulas. Musk está particularmente preocupado em garantir que a cidade tenha uma aparência atraente, de acordo com outras duas pessoas.
Civilização estabelecida?
Assim como Musk, muitos dos mais de 12 mil funcionários da SpaceX acreditam na vida em outro planeta, segundo pessoas familiarizadas com a empresa e os documentos consultados pelo “The New York Times”. Muitos que trabalham lá às vezes usam uma camiseta com os dizeres “Ocupar Marte” ou “Pai de foguete” e publicam sugestões para a colônia no planeta em um site interno. Uma ideia recente era construir a cidade na encosta de uma cratera gigante.
Alguns dos funcionários que trabalham nos planos para Marte estão em Boca Chica, e outros, do escritório do sul da Califórnia, chegam na segunda-feira e retornam na sexta. Muitos trabalham mais de cem horas por semana.
Pessoas ligadas à empresa contaram que a presença de Musk em Boca Chica diminuiu recentemente. Duas delas observaram que Musk vai para lá uma vez por mês, às vezes no meio da noite durante algumas horas com seu filho pequeno, X Æ A-12, e que antes ia semanalmente.
Mas sua determinação em prol de uma civilização marciana parece inabalável. Em maio, um funcionário da Nasa disse que a agência não esperava pousar humanos em Marte até a década de 2040. No mesmo mês, Musk publicou no X que levaria menos de dez anos para enviar pessoas para lá, e que, em cerca de 20 anos, existiria uma cidade marciana. “Com certeza, em 30 anos a civilização vai estar estabelecida”, escreveu.
c. 2024 The New York Times Company