Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Tecnologia e Ciência

Geoengenharia: o novo alvo dos teóricos da conspiração e dos céticos da vacina

Nos EUA, legisladores republicanos apresentaram um projeto de lei para proibir a colocação de aerossóis na atmosfera para bloquear parte da radiação do sol

Tecnologia e Ciência|Christopher Flavelle, do The New York Times

Teste de sistema de brilho de nuvens em Alameda, na Califórnia, causou alvoroço, embora o exame da própria cidade tenha concluído que o experimento era inofensivo Ian C. Bates/The New York Times

À primeira vista, pareceu um pouco estranho o que houve na Legislatura do Tennessee, nos EUA, nesta primavera setentrional. Os legisladores republicanos apresentaram um projeto de lei para proibir a geoengenharia solar — colocar aerossóis na atmosfera para bloquear parte da radiação do sol. À medida que as mudanças climáticas aumentam as temperaturas na Terra, há um interesse crescente na geoengenharia como uma forma de resfriar o planeta. Mas esta ainda é muito teórica, e não há comprovação de que alguém no Tennessee esteja planejando usá-la.

A principal testemunha que depôs em apoio à proibição foi um médico sem nenhuma qualificação aparente em ciência atmosférica, que, falsamente, alegou que a geoengenharia estava sendo praticada em todo o país. Para provar seu ponto de vista, os democratas ridicularizaram o projeto de lei e tentaram emendá-lo com menções ao Homem das Neves, ao Pé-Grande e a Sasquatch, o Abominável.

A proibição, no entanto, passou pela Legislatura. O governador Bill Lee, republicano, assinou o texto, tornando o Tennessee o primeiro estado a proibir a geoengenharia.

Nos bastidores, o projeto de lei foi o resultado do lobby de ativistas conhecidos nos círculos republicanos por seus esforços anteriores para combater a obrigação de tomar vacina. “Usamos as conexões e o relacionamento que construímos nos últimos dois anos lutando pela liberdade médica”, explicou Danielle Goodrich, da East Tennessee Freedom.


Há anos, o debate sobre geoengenharia tem se limitado principalmente a acadêmicos e ambientalistas. Eles concordam que a mudança climática é uma ameaça à existência, mas divergem quanto à possibilidade de o ser humano tentar atenuá-la manipulando os processos naturais.

Segundo alguns especialistas, incluindo o proeminente geofísico David Keith, a geoengenharia pode salvar vidas, e experimentos ao ar livre são necessários para entender quais são os benefícios e os riscos de seu uso. Outros especialistas, incluindo a organização sem fins lucrativos Friends of the Earth, dizem que a geoengenharia ofusca a necessidade urgente de reduzir a poluição que está aquecendo o planeta. Também se preocupam com a falta de regras internacionais para garantir que ela seja implantada de forma segura e justa.


Agora, a esses críticos das posições pró-geoengenharia se juntaram grupos que vêm de um lado muito diferente da sociedade americana: céticos da vacina, teóricos da conspiração e organizações como a East Tennessee Freedom. Todos parecem motivados por uma profunda desconfiança do governo, e não pelo que Goodrich chamou de “suposta crise climática”.

Esses novos oponentes da geoengenharia encontram apoio de republicanos de extrema-direita. Desde janeiro, legisladores em mais de meia dúzia de estados apresentaram legislação semelhante para proibir preventivamente a geoengenharia.


“A política da geoengenharia é realmente estranha”, afirmou Benjamin Day, ativista sênior da equipe Justiça em Clima e Energia, da Amigos da Terra. De acordo com ele, é estranho compartilhar uma meta com grupos que parecem tentar desacreditar o governo e refletir o que ele chamou de “distanciamento da verdade”.

Pesquisadores argumentam que uma proibição da geoengenharia que inclua experimentos preliminares prejudicaria a ciência. Uma agência científica britânica comentou este mês que forneceria US$ 75 milhões para testar tecnologias de geoengenharia, incluindo experimentos ao ar livre, porque, sem testes físicos, “não seremos capazes de fazer julgamentos adequados” e saber se a geoengenharia é viável e segura.

“À medida que a pressão para o uso da geoengenharia no planeta cresce, é ideal que tenhamos a ciência para nos ajudar a entender melhor quais podem ser seus benefícios e suas desvantagens, antes que decisões sejam tomadas”, declarou Fred Krupp, presidente do Fundo de Defesa Ambiental, que este ano comprometeu milhões de dólares para financiar pesquisas de geoengenharia.

A campanha nacional para proibir a geoengenharia parece ter se iniciado em Rhode Island, em 2014, quando uma legisladora olhou para o céu e enxergou ali uma conspiração.

Karen MacBeth, deputada estadual e educadora, apresentou um projeto de lei que multaria ou prenderia qualquer pessoa que, conscientemente, se envolvesse em geoengenharia em Rhode Island. Seu argumento era que isso poderia prejudicar o solo, a água e a qualidade do ar. Ela se declara a primeira legisladora estadual do país a propor uma proibição assim.

O texto do projeto de lei de MacBeth tinha uma lista do que ela afirmava serem os potenciais efeitos colaterais prejudiciais da geoengenharia, incluindo mudanças nos padrões de precipitação, aumento da chuva ácida, danos à camada de ozônio da Terra e instalação de painéis solares menos eficazes.

A deputada estadual e educadora Karen MacBeth apresentou projeto que multaria ou prenderia aqueles que, conscientemente, se envolvessem em geoengenharia Christopher Capozziello/The New York Times

Em uma entrevista, MacBeth, que deixou o cargo em 2017, atribuiu sua preocupação com a geoengenharia a algo não mencionado em seu projeto de lei: ela acreditava que alguém já estava usando aviões para pulverizar deliberadamente produtos químicos no ar. “Quando criança, eu olhava para cima e via grandes nuvens e céus azuis brilhantes. De repente, comecei a ver essas listras permanentes vindas de aviões. E, agora, isso está acontecendo no mundo todo”, disse MacBeth, que teme que as listras venham de uma substância prejudicial à saúde.

As crenças de MacBeth são mais conhecidas como a teoria da conspiração “chemtrails” (trilhas químicas), que postula que os aviões estão secretamente emitindo trilhas químicas perigosas, e não o vapor de água liberado naturalmente como efeito da condensação dos motores dos aviões, que se transforma em trilhas visíveis de cristais de gelo no ar frio. Não há provas que sustentem a teoria dos chemtrails, mas ela atraiu muitos seguidores nas redes sociais.

Democrata que virou republicana, MacBeth apresentou e reapresentou seu projeto de lei, mas nunca conseguiu submetê-lo a votação. Depois que deixou o cargo, outros legisladores de Rhode Island se apropriaram de sua causa e continuaram reintroduzindo o projeto.

A campanha contra a geoengenharia ganhou impulso depois de junho de 2023, quando a Casa Branca, orientada pelo Congresso, divulgou uma agenda de pesquisa federal para geoengenharia solar, embora o governo Biden tenha deixado claro que a pesquisa federal em geoengenharia continuaria com limitações. Mas o relatório disse que experimentos ao ar livre, combinados com modelos de computador e estudos de laboratório, podem ser valiosos. Isso foi o suficiente para inundar a plataforma X com postagens críticas e provocar manchetes na mídia conservadora, como a que disse que o “Relatório da Casa Branca sinaliza abertura para manipular a luz solar com o objetivo de prevenir a mudança climática”.

Desde janeiro, legisladores republicanos apresentaram projetos para proibir a geoengenharia em New Hampshire, no Tennessee, no Kentucky, na Dakota do Sul, em Minnesota, em Ohio, na Carolina do Sul e na Pensilvânia. A maioria desses projetos de lei se assemelha à legislação apresentada em Rhode Island. Mas o único sucesso da campanha até agora foi mesmo o Tennessee.

A testemunha que se apresentou com mais frequência em apoio à proibição foi Denise Sibley, médica em Johnson City, no Tennessee, e fundadora do grupo que se tornou o East Tennessee Freedom. Sibley afirmou aos legisladores que a geoengenharia está sendo praticada em todo o país e citou como prova o relatório da Casa Branca, que, de fato, não diz nada disso.

'A política da geoengenharia é realmente estranha', diz Benjamin Day, ativista da equipe de Justiça Climática e Energética da Friends of the Earth Ann Hermes/The New York Times

A proibição do Tennessee inclui a “injeção, liberação ou dispersão intencional, por qualquer meio, de produtos químicos, compostos químicos, substâncias ou aparelhos na atmosfera com o propósito expresso de afetar a temperatura, o clima ou a intensidade da luz solar, dentro das fronteiras do estado”. Isso incluiria a semeadura de nuvens, prática de décadas na qual produtos químicos são injetados nas nuvens para desencadear a precipitação.

Augustus Doricko, dono de uma empresa de semeadura de nuvens, testemunhou que a legislação impediria os agricultores de se beneficiar de uma ferramenta que já é amplamente utilizada. “Se você é a favor de privar os agricultores do Tennessee de ter a melhor tecnologia que já está disponível em outros estados, então vote no projeto de lei do jeito que está”, declarou Doricko aos legisladores.

Fazendo lobby pela aprovação do projeto de lei estava Goodrich, que lançou uma campanha nacional antigeoengenharia em um podcast chamado Rebunked (Refutado). Ele disse no podcast que a geoengenharia é um exagero do governo, semelhante à obrigação das vacinas: “Estão fazendo experimentos conosco sem nosso consentimento. Deixamos de ser emissores sujos de germes durante a Covid e passamos a ser emissores sujos de carbono. Ambas as coisas são falsas e estão tentando infringir nossos direitos”.

Goodrich acrescentou que a East Tennessee Freedom obteve o modelo de legislação com uma mulher chamada Jolie Diane, que comanda o site Zero Geoengineering. “Jolie é uma inestimável fonte de informação”, comentou Goodrich. Ela deu crédito a Diane por ter introduzido proibições em New Hampshire, no Kentucky e na Dakota do Sul, entre outros lugares.

Em uma declaração, Diane afirmou que não tem “liberdade para revelar os detalhes” das suas interações com os legisladores estaduais. E Sibley não respondeu aos pedidos de comentário.

No seu site Zero Geoengineering, Diane alerta sobre outras ameaças, incluindo a obrigação da vacina; a conectividade sem fios de quinta geração, conhecida como 5G; e culturas geneticamente modificadas.

Os esforços de Diane para proibir a geoengenharia no país inteiro parecem ter começado em 2018, quando fez uma apresentação em uma biblioteca de Rhode Island. Na gravação dessa apresentação, ela diz que produtos químicos estão sendo pulverizados pelos militares, pela CIA e pelo “estado profundo”: “O projeto de lei que temos é um modelo, uma base, que levamos a diferentes estados. Nós o adaptamos às especificidades locais para torná-lo mais completo. Agora, esses locais também terão esperança”.

c. 2024 The New York Times Company

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.