Jogar videogame pode ser um hábito saudável durante a quarentena
Para especialistas, imersão obtida nos games quebra a monotonia de exercícios físicos tradicionais e cria momentos 'fora de casa'
Tecnologia e Ciência|Caio Sandin, do R7
Enquanto para alguns, os videogames são apenas uma forma de entretenimento simples, onde se apertam botões aleatoriamente para tentar vencer um jogo, para muitos, eles são uma porta aberta para infinitas realidades.
Esta imersão vivenciada pelos jogadores é o que pode tornar os videogames em grandes aliados no tratamento de pacientes que precisam de fisioterapia e, também, para todos neste momento de quarentena em meio a pandemia do novo coronavírus (covid-19).
Para Karen Trippo, doutora em ciências da saúde e pesquisadora do departamento de fisioterapia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a utilização dos games como uma atividade física não é nenhuma novidade. Desde 2006, ela desenvolve estudos sobre o uso do lado lúdico dos jogos dentros de clínicas e consultórios.
"Eu vi nos vídeogames uma forma diferente e divertida de realizar a fisioterapia, fora do monótono, porque muitas vezes a gente vê pessoas desistindo do tratamento, que as vezes é doloroso e cansativo. E a adesão é vital para o resultado de um tratamento", afirma Karen.
A eficácia deste método não é somente comprovada na prática, como é reconhecida pelo COFITTO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional) desde 2015 como prática fisioterapêutica.
A também pesquisadora da UFBA e doutora em ciências da saúde, Adriana Saraiva, comenta o método."Não é uma brincadeira. O paciente entende, no processo, que existe um objetivo, que aquele jogo escolhido naquele momento, com aquele acessório utilizado em conjunto, cumpre um objetivo no tratamento."
Jogando no isolamento
No momento atual, em que muitos estão em isolamento dentro de casa, aquele videogame que está guardado em um armário pode ajudar na hora de se manter ativo.
Neste caso, Adriana ressalta que o foco é na prática de exercícios moderados, que auxiliam no condicionamento cardiorrespiratório, na força muscular e na parte imunológica. “Quando você pensa neste exercício sendo realizado de uma forma divertida, você soma a isto muita mais a sensação de prazer, de bem estar, a melhora do humor e até uma competitividade.”
Tornar o exercício em algo mais atrativo é o principal auxílio que os videogames proporcionam na hora de começar a suar a camisa.
“Fazer exercício em casa é como ir à academia, mas você ainda precisa do ânimo extra de estar ali, sozinho, fazendo. Com o uso do videogame, isto pode ficar mais atrativo para pessoas de todas as idades", diz Adriana.
Karen destaca que desta forma, “você acaba fazendo o exercício sem pensar, sem contar 3 séries de 12 vezes. Isso, porque o seu foco é no objetivo proposto pelo jogo, que acaba estimulando o jogador a realizar o movimento com uma qualidade maior, ao contrário de um exercício comum, em que se pode economizar na hora de se fazer um gesto”.
Elas ainda complementam que é um tipo de exercício que "não tem contraindicações. Se a pessoa pode fazer exercícios, ela pode fazer com o videogame".
Os únicos alertas são para as questões de segurança — como tomar cuidado com os arredores e com o piso para que não se escorregue. Outra orientação é fazer pausas de 15 ou 20 minutos para tomar água e descansar um pouco.
Realidade virtual
Para aqueles que possuem qualquer tipo de visor de realidade virtual — desde os mais simples, em que se usa o celular como visor, até os mais sofisticados — esta pode ser outra opção viável para auxiliar na hora de se exercitar.
“Existe uma sensação de completa imersão para aquele local. E isso te dá um fôlego extra para que você faça o movimento da melhor maneira possível. Todos os exercícios recomendados para quem está em casa acabam sendo realizados durante o jogo”.
Além disso, Karen ressalta os benefícios que alguns aplicativos baixados no próprio smartphone, para utilização com os visores simples, podem ter para a saúde como mental e até prevenção de problemas físicos.
“Existem aplicativos e jogos gratuitos para relaxamento e para meditação, que trabalham a respiração e podem colaborar em tratamentos preventivos para problemas respiratórios, trabalhando a questão da expansibilidade torácica, promovendo exercícios”, afirma Karen.
Saúde mental
Adriana explica que a imersão proporcionada pelos jogos eletrônicos é um fato muito importante para o sentimento de alívio da tensão:
“Quando você está jogando, você se transporta para dentro do avatar que está controlando, então aquele ambiente novo que está na tela é onde você se enxerga. Isso se torna num momento de como se você estivesse saindo de casa, você engana sua mente e, neste momento de tensão, esta pode ser uma ótima vantagem”.
As pesquisadoras indicam que não é qualquer tipo de jogo que vai trazer uma sensação de alívio, mas que, na medida certa, eles podem se tornar uma forma de brincadeira saudável.
“Tudo depende da idade e do tempo de exposição ao jogo. Jogos que causam estresse e instabilidade emocional podem gerar uma ansiedade ainda maior, quando jogados por um período prolongado. Mas seguindo as classificações indicativas, é possível encontrar jogos que estimulem a cognição de crianças, além de proporcionarem o divertimento”, diz Adriana.
Outra interatividade que o videogame pode proporcionar é o contato com amigos, quando se joga online, saindo um pouco do ambiente fechado da quarentena, mas o excesso de jogos virtuais também não é aconselhável.
“Temos que aprender a oscilar entre as atividades, não só precisa de jogos virtuais, eles são um aliado, mas não tem só este tipo de jogo. E a internet está recheada de ideias para se fazer em casa e entreter, principalmente, as crianças, que podem ser transportadas para um mundo lúdico, que é o mundo delas”, orienta Karen.
Karen e Adriana são sócias no projeto Gameterapia Brasil, onde desenvolvem projetos de fisioterapia utilizando os videogames com sensores de movimento.
Elas disponibilizaram gratuitamente, durante a quarentena, um workshop chamado “Gameterapia imersiva”, onde abordam os exercícios que podem ser feitos utilizando visores de realidade virtual.