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Tecnologia e Ciência

Matemática, diversão e soluções complexas: o cubo mágico completa 50 anos

Brinquedo aparentemente simples já foi relacionado com grupos de fãs entusiastas e até síndromes cognitivas

Tecnologia e Ciência|Siobhan Roberts, do The New York Times

Cubo mágico foi inventado pelo matemático húngaro Erno Rubik, em 1974 Akos Stiller/The New York Times - 22.05.2024

No primeiro sábado de janeiro, ainda bem cedo, Tomas Rokicki e algumas centenas de entusiastas se reuniram em um vasto auditório no Moscone Center, no centro de San Francisco, na Califórnia. Estava em andamento uma grande conferência de matemática, e Rokicki, programador aposentado de Palo Alto, também na Califórnia, ajudara a organizar uma sessão especial de dois dias sobre “matemática recreativa séria”, celebrando o 50º aniversário do Cubo de Rubik. Seu inventor, Erno Rubik, foi destaque às oito horas da manhã, por videoconferência, a partir do sul da Espanha.

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Arquiteto, designer, escultor e professor aposentado, o húngaro Rubik participou de uma sessão de perguntas e respostas com Rokicki e seus coorganizadores: Erik Demaine, cientista da computação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e Robert Hearn, cientista da computação aposentado de Portola Valley, na Califórnia.

Rokicki perguntou a Rubik sobre a primeira vez que ele resolveu o cubo: “Você começou pelos cantos?”

Atualmente, novos entusiastas aprendem no YouTube com tutoriais em velocidade aumentada. Mas Rokicki recomenda a estratégia antiga: seguir um caminho solitário e descobrir um método de resolução, mesmo que isso requeira semanas ou meses. (O cientista da computação Donald Knuth, que levou menos de 12 horas, começou à noite em sua mesa de jantar e trabalhou até a manhã seguinte.)


Começar pelas quinas é uma rota comum, já que, uma vez resolvidos os cantos, as arestas podem ser encaixadas com relativa facilidade. Rubik confirmou que, sim, começou pelas quinas. Conhecido por abordar essa prática e a vida em geral de maneira filosófica, ele acrescentou: “Meu método foi o entendimento.”

‘Cubitus Magikia’

Segundo Rubik, o Cubo foi criado na primavera de 1974. Apaixonou-se por ele ao preparar um curso de geometria descritiva e ao brincar com os cinco sólidos de Platão – poliedros convexos regulares. Mas, como escreveu em seu livro de memórias, de 2020, “Cubed, The Puzzle of Us All” (Cubo: o enigma de todos nós, em tradução livre): “Durante um bom tempo, não percebi que estava criando um quebra-cabeça.”


Por volta de seu 30º aniversário, em julho de 1974, ele criou a estrutura, percebeu seu potencial como quebra-cabeça e, depois de brincar com ele durante alguns meses, resolveu o Cubo pela primeira vez. Apresentou um pedido de patente em janeiro de 1975 e, até o fim de 1977, o “Cubo Mágico” estreou nas lojas de brinquedo da Hungria. “Os turistas o levavam na bagagem, ao lado de delícias húngaras, como salsicha e vinho Tokaji”, lembrou ele.

Um dos exportadores e embaixadores entusiastas foi David Singmaster, matemático que escreveu o livro “Notes on Rubik’s ‘Magic Cube’” (Notas sobre o ‘Cubo Mágico’ de Rubik). Nele, nomeou as faces – a de cima (U), a de baixo (D), a da direita (R), a da esquerda (L), a da frente (F) e a de trás (B) –, fornecendo uma maneira de orientar o Cubo e se referir às peças, às posições e aos movimentos. Também ofereceu um guia passo a passo para a solução. E relatou um perigo: Dame Kathleen Ollerenshaw, política britânica e matemática recreativa, desenvolveu um “‘polegar de cubista’, quadro de tendinite que exige uma cirurgia delicada para aliviar a condição”.


Existem precisamente 43.252.003.274.489.856.000 posições possíveis, nas quais as facetas do cubo podem ser permutadas Akos Stiller/The New York Times - 22.05.2024

O CubeLovers foi um dos primeiros grupos de discussão na internet – a primeira mensagem foi enviada por um estudante do MIT em julho de 1980: “Não sei sobre o que vamos falar, mas outro grupo de discussão não vai fazer mal (não muito).” Em março de 1981, com o Cubo já renomeado em homenagem a Rubik e ocupando as prateleiras das lojas de brinquedos americanas, o cientista cognitivo Douglas Hofstadter diagnosticou a febre como “cubitis magikia” – “distúrbio mental grave, acompanhado de coceira nas pontas dos dedos, que só pode ser aliviado por um contato prolongado com um cubo multicolorido. Os sintomas, frequentemente, duram meses. Altamente contagioso”, escreveu em sua coluna para a revista “Scientific American”.

Em novembro de 1982, a mania tinha diminuído – “O Cubo de Rubik: um frenesi chega ao fim”, dizia uma manchete do “The New York Times”. Mas foi ressuscitado nos anos 1990 pela World Wide Web – o sistema que opera a internet e permite a navegação. Em 2023, a Spin Master, empresa de brinquedos que atualmente detém a marca, vendeu globalmente 7,4 milhões de unidades, incluindo o Cubo clássico e outros quebra-cabeças relacionados. Ben Varadi, cofundador da Spin Master, observou que “o Cubo de Rubik tem 95 por cento de reconhecimento de marca” – praticamente todo mundo já ouviu falar nele. Diz a lenda que uma em cada sete pessoas no planeta já brincou com o Cubo. “Isso me dá esperança em relação ao mundo. Ele une as pessoas”, disse Rubik à sua audiência em San Francisco.

Complexidade a partir da simplicidade

Depois da sessão com Rubik, Rokicki apresentou uma palestra sobre os aspectos matemáticos do Cubo, começando com o fato de que ele pode ser embaralhado em cerca de 43 bilhões de bilhões de combinações coloridas. “Um número bem grande”, afirmou, possivelmente mais do que todos os grãos de areia do mundo.

Parte do apelo do quebra-cabeça é a complexidade que surge de sua simplicidade. O Cubo é composto por 20 “cubinhos” (oito cantos e 12 bordas centradas entre eles) e seis peças centrais ligadas ao núcleo. O mecanismo central é ancorado por uma cruz tridimensional, ao redor da qual as abas dos cubinhos da borda e do canto se entrelaçam de maneira geometricamente engenhosa, permitindo que a estrutura gire.

Os cubinhos exibem 54 faces coloridas, sendo nove de cada cor: branco, vermelho, azul, laranja, amarelo e verde. No estado resolvido, as seis faces do Cubo estão configuradas de modo que todas as nove faces dos cubinhos sejam da mesma cor. Girar o quebra-cabeça embaralha as cores – no total, existem precisamente 43.252.003.274.489.856.000 posições possíveis, nas quais as facetas podem ser permutadas.

Ao mesmo tempo, a forma essencial do quebra-cabeça – sua “cubicidade” – permanece inalterada, característica que demonstra a teoria dos grupos, o estudo matemático da simetria: um grupo de simetria de um objeto geométrico é o conjunto de transformações que podem ser aplicadas a ele sem alterar sua estrutura. Um quadrado tem oito simetrias – pode ser rotacionado ou refletido de quatro maneiras diferentes e ainda continua sendo um quadrado. Um cubo simples tem 48 simetrias. O Cubo de Rubik tem cerca de 43 quintilhões de simetrias. “Essas simetrias são uma propriedade fantástica. Aumentam significativamente a elegância do Cubo”, comentou Rokicki.

Com esse mesmo espírito, o encontro recreativo de matemática incluiu palestras sobre como construir um computador de origami; a arte controlada do malabarismo (em oposição ao “joggling”, que é basicamente perseguir as bolas descontroladamente); e problemas numéricos no tricô.

Barry Cipra, matemático e escritor da área, compartilhou um quebra-cabeça de uma bandeja de madeira que ele inventou, chamado “Desafio do Pedreiro”. A configuração: quatro fileiras de seis blocos semelhantes a tijolos, de comprimentos variados. O objetivo: organizar os tijolos de modo que nenhuma de suas juntas verticais se alinhe entre fileiras horizontais adjacentes.

Durante a apresentação de Cipra, vários membros da plateia correram para o palco (a seu convite) e começaram a procurar uma das 2.184 soluções do quebra-cabeça. Entre eles, Bram Cohen, programador de computador (e inventor do BitTorrent, protocolo de compartilhamento de arquivos) que desenvolve quebra-cabeças semelhantes ao de Rubik, como o Cubo de Engrenagens de Malta (em colaboração com Oskar van Deventer); e Rivka Lipkovitz, estudante do último ano do ensino médio e speedcuber – pessoa que resolve cubos em alta velocidade –, cujo recorde pessoal oficial em competição é de 14,71 segundos e, em casa, de 10,75 segundos.

Encontros cúbicos

Existem muitos caminhos para resolver o Cubo. Durante sua palestra, Rokicki se concentrou em um número específico: qual é o número mínimo de movimentos necessários para resolver até mesmo as posições mais embaralhadas?

Ele se propôs calcular essa quantidade, conhecida como o “número de Deus”, em 1999. Em 2010, encontrou a resposta: 20. Contou com a ajuda de muita gente talentosa, sobretudo de Herbert Kociemba, cuber – alguém que resolve cubos – e programador alemão, conhecido por seu algoritmo homônimo. O feito também se beneficiou de muito tempo de computação doado pelo Google, e de outro algoritmo que aproveitou as simetrias do Cubo, reduzindo o número de cálculos necessários em um fator de 48, e, consequentemente, reduzindo a potência de computação necessária.

A obsessão atual de Rokicki é identificar todas as posições do número de Deus – elas são “extremamente raras e dificílimas de encontrar”, afirmou ele ao público. Enquanto falava, três computadores em sua casa trabalhavam nessa tarefa – seus 336 gigabytes combinados escavam, diariamente, cerca de cem mil posições de distância 20. Até agora, Rokicki tem um banco de dados com cerca de cem milhões de posições. “São tesouros matemáticos”, observou.

O Cubo também é um bom desafio para sistemas de aprendizado de máquina e de robôs. Maria Mannone, física teórica e compositora italiana, inventou o “CubeHarmonic”, instrumento musical desenvolvido com colaboradores japoneses. “É um Cubo de Rubik no qual, em cada faceta, há uma nota. Ao misturar o cubo, embaralhamos acordes musicais”, explicou por e-mail.

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Invader, artista de rua parisiense, cria obras “rubikcubistas”: telas figurativas configuradas como um mosaico com centenas de cubos. Sua versão de “Les Demoiselles d’Avignon”, primeira pintura cubista de Picasso, usou 1.848 cubos para fazer uma reprodução do mesmo tamanho que a versão original.

Lauren Rose, matemática da Faculdade Bard, em Nova York, usa o Cubo como ferramenta de ensino em cursos para estudantes de matemática (que se aprofundam em álgebra) e para pessoas que não são da área (elas aprendem a resolver o quebra-cabeça, explorar padrões, contar suas configurações e projetar e construir mosaicos). “Há tantos aspectos complexos nesse quebra-cabeça. É uma boa maneira de fazer com que as pessoas queiram aprender matemática”, disse ela na conferência em San Francisco, acrescentando que parte do motivo pelo qual o Cubo perdurou é que ele é “muito acessível e divertido”.

Atualmente, todos os sólidos de Platão já foram transformados em variantes de quebra-cabeças tridimensionais que podem ser torcidos, e, inspirados no original, há o Rubik’s Revenge 4x4x4 e o Cubo do Professor, que vai do 5x5x5 até o 7x7x7, o maior usado em competições da Associação Mundial do Cubo. O 21x21x21 é o maior disponível no mercado (US$ 1.499,99). O 256x256x256 só existe no âmbito virtual, no qual foi resolvido por uma equipe de seis pessoas, com 633.494 movimentos, em um tempo acumulado de aproximadamente 96 horas.

Durante a sessão de perguntas e respostas, Rokicki perguntou a Rubik sobre o Cubo Oco Void, do inventor japonês Katsuhiko Okamoto, que criou dezenas de variantes do original. De alguma forma, o Void está sem os cubos centrais e a mecânica interna que mantêm unida a icônica invenção de Rubik. Este filosofou novamente sobre o assunto: “A perfeição é um encontro idealista. Também adoro o som do Cubo e seu movimento”, afirmou, explicando que entende as explorações impulsionadas pela curiosidade, adicionando ou tirando alguma coisa, mas que prefere a combinação clássica de cubinhos e de cores.

Rubik acrescentou depois que não era tão fã de quebra-cabeças projetados só para esse intuito: “Amo o conteúdo intrigante da vida e do universo como ele é.”

c. 2024 The New York Times Company

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