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Tecnologia e Ciência

O futuro da energia limpa é uma batalha pelos corações e mentes dos consumidores

Ativistas e ONGs percorrem o território dos EUA para tentar convencer as pessoas a adotar produtos com energia renovável — e mostrar as vantagens disso

Tecnologia e Ciência|Jack Ewing, Clifford Krauss e Lisa Friedman

Quem dirige um carro elétrico pela primeira vez tem muitas dúvidas sobre o funcionamento do veículo. Com Mickey Marohn não foi diferente. Ele se perguntava: "Posso dirigir centenas de quilômetros para visitar meu pai sem precisar parar? Onde estarão os carregadores de bateria ao longo do caminho? Afinal, como é que se liga essa coisa?" Marohn, carpinteiro de 34 anos, parecia bastante ansioso enquanto se acomodava ao volante de um Chevrolet Bolt, perto do Parque Nacional Grand Teton, no Wyoming.

No test drive que fez, estava acompanhado de Alicia Cox, a diretora-executiva do Yellowstone-Teton Clean Cities, grupo sem fins lucrativos que promove o transporte verde. Foi então que Marohn passou de cético a curioso. Alicia disse que ele poderia economizar cerca de US$ 3 mil por ano, reduzindo gastos com combustível, se substituísse seu Chevy Impala por um Bolt. O carpinteiro considerou essa informação importante. "Posso economizar dinheiro e ainda ter a oportunidade de ajudar o planeta", comentou Marohn.

Embora muitos especialistas não imaginassem que o processo se desenrolaria em poucos anos, o fato é que o desenvolvimento da energia e dos transportes verdes avançou rapidamente. Mas ainda existem muitos obstáculos para sua exploração, incluindo esforços de políticos conservadores que querem prolongar a tradicional utilização de energia gerada por carvão, petróleo e gás. Sem falar das campanhas promovidas por ambientalistas e por residentes das áreas de passagem que tentam bloquear a instalação de novas turbinas eólicas, as linhas de transmissão e a exploração de minerais.

Também é importante convencer pessoas como Marohn de que os carros elétricos, as energias renováveis e os aquecedores e fogões elétricos são práticos, econômicos e até empolgantes.


Alicia Cox viaja pelo Wyoming oferecendo corridas gratuitas num Chevy Bolt como parte de um amplo — e, às vezes, quixotesco — esforço para conquistar corações e mentes a favor da luta para amenizar os efeitos das mudanças climáticas. É uma ação que trabalha no varejo, ou seja, conquista uma pessoa de cada vez. Paralelamente, funcionários da administração Biden estão tentando convencer os eleitores dos benefícios econômicos que as novas políticas energéticas e industriais da atual administração trazem.

Empresas como a General Motors, fabricante do Bolt, estão gastando bilhões de dólares para construir veículos elétricos que esperam vender em todos os lugares, até mesmo em estados conservadores como o Wyoming.


Mas, quando se fala em "salvar o planeta", o que se percebe nas conversas com ativistas, com formuladores de políticas e com executivos empresariais é que o argumento das alterações climáticas não vai muito longe. As pessoas, em grande parte, não vão comprar tecnologia verde, a menos que isso traga economia efetiva de dinheiro, impressione-as com um design deslumbrante ou tenha um desempenho de fazer cair o queixo.

Pesquisas de opinião recentes mostram que muitos, especialmente os conservadores, irritam-se com a perspectiva de que o governo os force a comprar um carro elétrico ou mesmo que tenham de abandonar seus aparelhos a gás natural. Talvez seja por isso que os que promovem a tecnologia verde evitam mencionar o tema das alterações climáticas.


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O Pew Research Center também fez uma pesquisa de opinião sobre o tema. Ela nos permite concluir que um futuro em que prevaleça a energia limpa exigirá campanhas de persuasão meticulosas e personalizadas. Cerca da metade dos americanos afirma não estar interessada em comprar um carro elétrico e um pouco mais da metade diz que não consideram utilizar painel solar, bomba de calor ou aquecedor elétrico de água.

Alicia foi direto ao ponto quando disse: "Nunca espero que uma pessoa adote um veículo elétrico logo na primeira corrida. Ela precisa de alguém caminhando a seu lado enquanto toma a decisão".

Venda de energia verde

Em Baldwin City, no Kansas, cidade rural a sudoeste de Kansas City, Jae Landreth gerencia um negócio de energia solar. Embora acredite nos efeitos das alterações climáticas, ele aprendeu a não mencionar o tema ao comercializar painéis solares com seus vizinhos. "Não é assim que se vende. Ninguém jamais vai tomar uma decisão a menos que isso o beneficie financeiramente", disse, enquanto tomava um café em sua casa.

A Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), de 2022, é uma lei federal dos EUA que procura conter o crescimento da inflação e reduzir o deficit orçamental do governo federal, abaixando os preços dos medicamentos, investindo na produção doméstica de energia e promovendo a energia limpa. Foi aprovada pelos democratas no ano passado e destinou centenas de bilhões de dólares para incentivar a produção eólica e solar, de veículos elétricos e outras formas de energia limpa.

Embora nenhum republicano tenha votado a favor do projeto de lei, grande parte desse dinheiro foi enviada para estados liderados pelo Partido Republicano no Sul, onde muitos fabricantes de automóveis, fabricantes de baterias e empresas solares estão construindo fábricas, aproveitando, em parte, os benefícios fiscais que a legislação oferece.

Para o presidente Joe Biden, que tentará a reeleição no próximo ano, ser reconhecido pela geração de novos empregos é um imperativo político. Isso explica por que sua secretária de Energia, Jennifer Granholm, passou parte do mês de julho viajando pelo Sudeste do país em uma caravana composta exclusivamente por veículos elétricos.

Jennifer parou em universidades e escolas primárias, em uma loja de ferragens e em uma igreja batista. Defendeu a tese de que o investimento federal em energia limpa está criando milhares de empregos, poupando o dinheiro dos consumidores e até protegendo a nação contra o presidente Vladimir Putin, já que a Rússia tem utilizado as exportações de combustíveis fósseis como elemento de pressão política e econômica.

Entretanto, as alterações climáticas não entraram na lista apresentada por Jennifer para justificar a adesão à energia verde. Saboreando um café preto em um Starbucks nos arredores de Memphis, no Tennessee, a secretária de Energia declarou que prefere se concentrar na mensagem de que as políticas do governo Biden estão transformando a região em um centro industrial vibrante: "É importante dar suporte à mensagem, porque a adesão faz sentido para as pessoas no local onde vivem".

Empregos e economia de dinheiro

Em alguns estados que fizeram parte do itinerário de Jennifer, como a Carolina do Norte e a do Sul, a Geórgia e o Tennessee, uma sondagem detalhada, feita pelo Programa de Comunicação sobre Alterações Climáticas, da Universidade Yale, detectou que a maioria dos residentes aceita o aquecimento global como um fato, mas há um ceticismo geral quanto à ideia de que os humanos são os responsáveis por ele.

"O clima sempre se alterou", disse Sue Burns, de 59 anos, em um encontro de entusiastas dos carros Pontiac, em Murfreesboro, no Tennessee, acrescentando que "a esquerda está fora de controle" quando insiste que a queima de combustíveis fósseis é a causadora de uma crise planetária. No entanto, ela não dirige um dos carrões da Pontiac; ao contrário, dirige um Prius que funciona como um híbrido de motor de combustão interna e motor elétrico. "Comprei o carro para economizar dinheiro na gasolina."

Entre os residentes dos estados que se beneficiam do impulso econômico, as reações talvez estejam mais brandas. Nos arredores de Dalton, na Geórgia, a fabricante de painéis solares Qcells planeja expandir os negócios. A fábrica está instalada em um distrito cujo representante no Congresso é Marjorie Taylor Greene, republicana que já chamou os combustíveis fósseis de "incríveis" e as alterações climáticas de "farsa".

William Turner, de 49 anos, um dos constituintes de Marjorie, afirmou sobre o aquecimento global: "Não acredito muito nessas coisas. Mas não tenho nada contra a energia solar, especialmente se ela criar empregos".

O verdadeiro teste de opinião pública virá quando as fábricas prometidas estiverem em funcionamento, ressaltou Jason Walsh, diretor-executivo da BlueGreen Alliance, parceria que agrega sindicatos e grupos ambientalistas. "Mensagens políticas e propaganda na imprensa não vão convencer ninguém. Mas um contracheque, sim."

Pouco menos da metade dos democratas apoiam a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, de acordo com o Pew Research Center. Apenas 12% dos republicanos concordam com essa mesma ideia. Talvez seja por isso que Joe Biden enfatiza tanto o lado econômico positivo de suas políticas ambientalistas.

Em julho, Biden foi à Carolina do Sul e provocou os republicanos. Eles votaram contra as políticas de combate às alterações climáticas e os projetos de infraestrutura, mas estão colhendo seus benefícios. O presidente visitou a Flex, fábrica de carregadores rápidos para carros elétricos que está instalada em um distrito representado pelo republicano Joe Wilson, que havia declarado que a Lei de Redução da Inflação fora "aprovada em detrimento das famílias americanas". Biden disse sobre a lei: "Não recebemos muita ajuda do 'outro time', mas isso não nos impediu de fazer o que fizemos".

O governador Roy Cooper, da Carolina do Norte, um democrata, declarou em uma entrevista que os republicanos estavam tentando bloquear ou reverter os esforços feitos até aqui para promover a eficiência energética, a produção de caminhões e ônibus elétricos e o desenvolvimento da energia eólica no mar. "Mas, apesar deles, a economia prevalecerá. Mesmo que alguns neguem a ciência e as alterações climáticas, não podem negar que empregos bem remunerados surgirão."

Não é uma 'Missão Impossível'

No Wyoming, onde o carvão, o petróleo, o gás natural e as picapes turbinadas são sobejamente apreciados, Patrick Lawson, de 42 anos, trava uma batalha solitária. Membro da tribo indígena Arapaho do Norte, ele tenta fazer com que as empresas locais instalem estações de recarga para veículos elétricos. Possui um Tesla Modelo Y e um Ford F-150 Lightning. À noite, trabalha como motorista de Uber, menos para ganhar dinheiro e mais para despertar interesse pelos veículos elétricos. Uma vez por ano, Lawson participa do Rocky Mountain Rebels Car Show, em Riverton, no Wyoming, que fica ao lado de sua reserva. "Quero mudar a percepção de que os carros elétricos não são tão bons quanto os carros grandes e barulhentos", disse ele.

É uma tarefa difícil. Na parada da noite de sexta-feira que abre o show, a mãe de Lawson, Susan Lawson, dirigiu um Tesla Modelo X vermelho. As inconfundíveis portas em forma de asas estavam abertas. Enquanto ela esperava o início do desfile, no estacionamento de uma madeireira, uma mulher de meia-idade, que se identificou apenas como Cheryl, "uma patriota e dona de um pequeno negócio", se aproximou. "Uau, é um Tesla. Que carro lindo!", exclamou. Mas, em seguida, mudou o tom: "Não acredito em carros elétricos, porque o governo poderia desligá-los. O governo controla nossa eletricidade".

Alguns espectadores do desfile fizeram comentários favoráveis à aparência do Tesla. Mas outros jogaram umas pedrinhas. "Eles estão a caminho de Jackson", alguém disse se referindo à cidade turística liberal. "Boa sorte para quem sobreviver nessa coisa", gritou outro.

Depois que os Lawson estacionaram em frente ao alojamento Elks do local, um homem fingindo segurar uma metralhadora disparou uma série de balas imaginárias contra os veículos elétricos. Mas esse tipo de reação não desanima Patrick Lawson, que administra a empresa de internet de sua tribo e uma pequena empresa de recarga de baterias para carros elétricos chamada Wild West EV.

Lawson levantou US$ 174 mil para juntar a uma verba federal de mesmo valor, cujo objetivo era a instalação de estações de recarga na prefeitura e no aeroporto, mas a Câmara Municipal de Riverton recusou o dinheiro. A única estação de carregamento pública da cidade é a que está na frente de uma lanchonete e que, frequentemente, é bloqueada por caminhões, às vezes estacionados deliberadamente na horizontal para impossibilitar a recarga.

Os 40 carros que participaram da corrida de obstáculos que faz parte do Car Show foram vencidos por um piloto a bordo de um Tesla. Os espectadores ficaram impressionados, mas, mesmo assim, continuaram céticos. "Isso não atende às necessidades de todos", disse Kent Wheeler, técnico em uma oficina de pintura de automóveis.

Enquanto isso, Lawson permanece otimista: "Estou nessa luta há muito tempo para saber que não é uma 'Missão Impossível'".

A Ford Motor, a GM e dezenas de outras empresas estão investindo centenas de bilhões de dólares para remodelar suas fábricas e construir novas plantas para produzir veículos elétricos. Mas eles não querem fabricar carros que sejam comprados apenas por democratas.

Uma empresa que tem uma estratégia de marketing eficiente para enfrentar a questão do meio ambiente é a Polaris, de Minnesota, que fabrica veículos off-road de tração nas quatro rodas usados por caçadores e agricultores. Em abril, a Polaris começou a vender um veículo elétrico por US$ 25 mil, chamado Ranger XP Kinetic. A publicidade mal toca no tema do meio ambiente e enfatiza, principalmente, o desempenho. A estratégia parece ter funcionado. A produção inicial se esgotou duas horas depois que a Polaris começou a aceitar pedidos. "Conhecíamos o público-alvo e, realmente, nos concentramos nos benefícios do produto", afirmou Josh Hermes, vice-presidente de veículos elétricos off-road da Polaris.

Há sinais de que a oposição conservadora está oscilando. A legislatura, controlada pelos republicanos no Alabama, onde a Mercedes-Benz fabrica carros elétricos e a Polaris constrói o Kinetic, destinou US$ 1 milhão por ano para criar uma campanha que incentive os residentes locais a comprar um veículo elétrico. "Queremos ter certeza de que vamos abraçar os empregos e as oportunidades econômicas que vêm com essa nova geração de veículos", declarou em um comunicado Kenneth Boswell, diretor do Departamento de Assuntos Econômicos e Comunitários do Alabama.

Quinton Lucas, prefeito democrata de Kansas City, disse que os legisladores republicanos, no Missouri, tentaram impedir que ele aumentasse o salário mínimo, tornasse os edifícios mais eficientes em matéria de energia e restringisse a compra de armas. No entanto, de acordo com Lucas, não tentaram impedir que Kansas City comprasse carros e caminhões elétricos.

Afinal, inspetores de construção e supervisores do Corpo de Bombeiros dirigem carros elétricos. No aeroporto municipal, tratores elétricos entregam bagagens, enquanto ônibus elétricos transportam passageiros. A tecnologia faz com que a cidade economize milhares de dólares por veículo em custos de manutenção e combustível. "Em geral, eles percebem tudo de novo que fazemos e, muitas vezes, tentam se antecipar", afirmou Lucas sobre o legislativo. "Isso me diz que, de fato, o problema não existe."

c. 2023 The New York Times Company

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