O plano do Google para impedir que a Apple lance mecanismos de busca
Com pagamentos bilionários e uso do navegador Chrome, o gigante de buscas visa impedir o crescimento de concorrentes
Tecnologia e Ciência|Nico Grant
Durante anos, o Google observou, com preocupação crescente, a Apple aprimorar sua tecnologia de busca, sem saber se seu antigo parceiro e, às vezes, concorrente acabaria por criar um mecanismo próprio.
Esse temor aumentou em 2021, quando o Google pagou à Apple cerca de US$ 18 bilhões (R$ 88,3 bilhões) para manter o mecanismo de busca do Google como padrão nos iPhones, de acordo com duas pessoas a par dessa parceria, que não estão autorizadas a falar publicamente sobre ela. No mesmo ano, o Spotlight, sistema de busca da Apple para o iPhone, começou a mostrar melhores resultados aos usuários, como os que são encontrados no Google.
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O Google planejou pôr um freio nas ambições da Apple em silêncio. Procurou maneiras de enfraquecer o Spotlight, produzindo a própria versão para iPhone e persuadindo seus usuários a usar o Chrome, do Google, em vez do Safari, da Apple, segundo documentos internos do Google analisados pelo The New York Times. Simultaneamente, o Google estudou como abrir o controle da Apple no iPhone, aproveitando uma nova lei europeia destinada a ajudar pequenas empresas de tecnologia a competir com as grandes.
O plano do Google contra a Apple ilustra a importância que seus executivos davam à manutenção do domínio no setor de buscas, além de fornecer uma visão do complexo relacionamento da empresa com a Apple, concorrente em softwares e gadgets de consumo que tem sido um parceiro essencial no negócio de anúncios móveis do Google há mais de uma década.
Essa relação vem sendo examinada no processo antitruste histórico movido contra o Google pelo Departamento de Justiça e por dezenas de estados. Os advogados do governo argumentaram que o Google manipulou o mercado a seu favor por meio de acordos-padrão assinados com empresas como a Apple, a Samsung e a Mozilla. Esses pactos direcionam o tráfego para o mecanismo de busca do Google quando os usuários procuram informações na barra superior do navegador.
Esperava-se que o Google apresentasse sua defesa de três semanas no julgamento da ação. Até o momento, a empresa minimizou o papel que seus acordos-padrão com fabricantes de telefones e empresas de navegadores têm desempenhado no seu sucesso. Alega que seu mecanismo de busca é popular em razão de sua qualidade e inovação e que os usuários podem facilmente escolher outro nas configurações de seus dispositivos.
Mas os documentos analisados pelo Times mostraram que o Google entendeu o poder dos padrões em canalizar os usuários para um produto ao tentar mudar a escolha do Safari pela Apple como o navegador-padrão do iPhone.
"A concorrência na indústria de tecnologia é feroz, e competimos com a Apple em muitas frentes. Hoje em dia, há mais maneiras do que nunca de pesquisar informações, e é por isso que nossos engenheiros fazem milhares de melhorias por ano no mecanismo de busca, para garantir que forneçamos os melhores resultados", afirmou Peter Schottenfels, porta-voz do Google, acrescentando que, embora o Google aposte nas configurações-padrão porque são importantes, os usuários podem alterá-las — e alteram. A Apple não quis comentar.
Segundo os documentos analisados, no último outono setentrional, os executivos do Google se reuniram para discutir como reduzir a dependência da empresa em relação ao navegador Safari, da Apple, e a melhor maneira de usar a nova lei europeia para prejudicar a fabricante do iPhone. Embora o Google tenha considerado várias opções, incluindo a quantidade de dados a que deveria ter acesso no iPhone, não se sabe ao certo qual foi a decisão dos executivos.
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Na época, a União Europeia (UE) estava preparando a Lei dos Mercados Digitais, criada para ajudar as empresas menores a romper o controle das grandes da indústria de tecnologia. O Google, que já era uma das maiores empresas de internet do mundo, viu ali uma oportunidade.
Ao abrigo da lei, a UE está forçando as grandes empresas de tecnologia classificadas como "guardiãs" a abrir suas plataformas para os concorrentes até março, oferecendo aos usuários a opção de escolher qual serviço usar e impedindo que favoreçam os próprios serviços nas plataformas.
Espera-se que a lei force a Apple a permitir que os clientes na UE baixem lojas de aplicativos concorrentes. Os usuários que configurarem um novo dispositivo da Apple na Europa também poderão ter a opção de selecionar um navegador-padrão que não seja o Safari.
O Google, que a lei obrigará a permitir maior concorrência nas buscas, explorou maneiras de fazer lobby com os reguladores da UE para abrir o sistema de software rigidamente controlado da Apple para que pudesse atrair usuários do Safari e do Spotlight, de acordo com os documentos. Executivos debateram até que ponto a empresa deveria ser agressiva ao defender o acesso ao sistema operacional da Apple.
Ainda segundo os documentos analisados pelo Times, os executivos do Google perceberam que, se tivessem de escolher, o número de usuários europeus do iPhone que optassem pelo Chrome poderia triplicar, o que significaria que a empresa poderia ficar com mais receita de anúncios de pesquisa e pagar menos à Apple.
"Os regulamentos destinados a ajudar as empresas menores a entrar no mercado com muita frequência também podem ser usados pelos operadores titulares para obter vantagem sobre seus rivais", disse, em entrevista, Gus Hurwitz, membro sênior da Escola Carey Law da Universidade da Pensilvânia, especialista em tecnologia e concorrência.
O Google e a Apple têm uma parceria de mecanismo de busca para o Safari desde 2002, cinco anos antes do lançamento do iPhone. A relação ficou mais complicada quando o Google lançou o sistema operacional móvel Android em 2008, concorrente direto do iPhone.
A empresa estava preocupada com o Spotlight da Apple desde o lançamento do recurso. Em 2014, uma apresentação interna discutiu o impacto que o novo sistema operacional da Apple, o iOS 8, poderia ter sobre a receita do Google. A segunda página do conjunto de slides se intitulava "Resultado final: é ruim", segundo uma apresentação mostrada como prova no julgamento antitruste.
Em 2018, a Apple contratou um poderoso executivo de busca do Google, John Giannandrea, e expandiu sua equipe de funcionários de pesquisa enquanto construía um sistema Spotlight mais capaz. As melhorias feitas na ferramenta em 2021, como parte do iOS 15, geraram preocupações no Google com as intenções da Apple no mercado de buscas, informou uma pessoa a par das discussões.
Os documentos mostraram que, em resposta, o Google iniciou um esforço para criar a própria versão do Spotlight, que deveria funcionar em iPhones. Apresentava aos usuários fatos e informações rápidas de arquivos, mensagens e aplicativos no dispositivo.
Nos últimos anos, a Apple não utilizou o Spotlight para obter consultas comerciais — que apresentam anúncios nos resultados do Google —, de modo que a ferramenta não prejudicou os negócios de pesquisa da empresa.
Mesmo assim, ainda segundo os documentos, no ano passado os executivos do Google consideraram maneiras de persuadir a UE a designar o Spotlight como mecanismo de busca. Este continha pelo menos cinco recursos de pesquisa, oferecendo imagens da web; respostas e resultados "ricos", que forneciam informações adicionais, como fotos; e busca universal, que podia examinar dispositivos, aplicativos e a web. A UE ainda não decidiu se vai abrir o Spotlight para maior concorrência nos termos da lei.
© 2023 The New York Times Company
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