O que são VPNs, as redes usadas na Rússia para acessar sites banidos
Demanda por redes privadas disparou após governo do país bloquear redes sociais, semanas depois de invadir a Ucrânia
Tecnologia e Ciência|Filipe Siqueira, do R7
Como esperado por muitos analistas, a invasão da Ucrânia pela Rússia logo se tornou também uma guerra nas fronteiras digitais. Enquanto as bombas caem em cidades e os tanques tentam controlar estradas estratégicas, o presidente Vladimir Putin empreende grandes campanhas para dominar o ambiente virtual na Rússia.
Uma das medidas do governo russo foi banir localmente o Facebook, Instagram e Twitter, acusados de serem “sites extremistas”. Sites de notícias como a BBC e Deutsche Welle foram bloqueados ainda antes, no início de março, enquanto Putin aprovava uma lei que considerava crime se opor publicamente ao conflito ou sequer chamá-lo de guerra — em vez do termo oficial “operação militar especial”.
Como resposta, a demanda por ferramentas capazes de contornar esses bloqueios cresceu enormemente entre a população do país. Um desses recursos são as VPNs (Redes Virtuais Privadas), que estabelecem conexões seguras com criptografia, capazes de burlar a censura virtual, inclusive para conseguir usar sites e redes sociais proibidos.
Segundo dados do AtlasVPN, empresa que oferece conexões VPN, as instalações do app serviço na Rússia cresceram 11.253% desde 11 de março, quando o governo do país anunciou que bloquearia o Instagram. O número foi considerado um recorde histórico e um sinal de que seria cada vez mais difícil fiscalizar a internet.
Uma rede segura
Mas como uma VPN funciona e como ela ajuda pessoas que convivem com bloqueios na internet?
“Uma VPN é um canal de comunicação seguro que usa a infraestrutura da internet como meio de comunicação. A comunicação é protegida e confidencial porque todas as informações trafegam em formato criptografado”, define o professor Angelo Zanini, coordenador do curso de engenharia de computação do Instituto Mauá de Tecnologia, em entrevista ao R7.
Para funcionarem adequadamente, as conexões de um serviço de VPN utilizam uma série de protocolos de comunicação, que criam o que é conhecido como “tunelamento” das informações que trafegam na rede. É como uma rede própria dentro da internet pública, um caminho de trânsito alternativo, que protege as informações do acesso de terceiros, e por isso também mascara a origem do tráfego — o que as torna úteis para burlar proibições regionais em catálogos de serviços de streamings.
Se um invasor interceptar as informações que trafegam nesse tipo de rede, ele encontrará apenas pacotes criptografados que não podem ser decifrados nem associados a um endereço IP (código que identifica dispositivos com conexão com a internet, como computadores e smartphones) específico.
“Numa VPN, os dados são codificados com algoritmos de criptografia baseados em pares de chaves. Somente a chave correta que está no receptor consegue descriptografar as informações transmitidas”, completa Zanini.
As VPNs são muito usadas por empresas para que funcionários em outras localidades acessem informações importantes globalmente de forma segura ou compartilhem dados sem que eles trafeguem por canais públicos de internet. São as chamadas “intranets”.
Com o aumento das denúncias de vigilância e coletas de dados por agências de espionagem na internet, reveladas por denunciantes como Edward Snowden, as VPNs se popularizaram e se tornaram uma ferramenta importante de privacidade.
A forma como uma rede do tipo funciona dificulta também a atuação de governos com a intenção de bloqueá-las, uma vez que utilizam portas lógicas e conexões diferentes daquelas usadas pelo tráfego usual da internet.
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“As VPNs utilizam portas lógicas diferentes do acesso a um site. Essas portas utilizadas são diferentes — e muitas vezes configuráveis, dependendo do software de VPN que está sendo utilizado. Então é bem difícil impedir essa comunicação, pois não se sabe quais são todas as portas a serem fechadas para impedir”, ressalta o professor Zanini.
Burlando as leis
O governo russo precisou lidar com essa dificuldade quando tentou limitar o uso das redes privadas no país com uma lei que entrou em vigor em novembro de 2017. Pela legislação, as VPNs deveriam impedir que russos acessassem as URLs proibidas do Roskomnadzor — o órgão que regula a mídia e a internet na Rússia. Um levantamento do site TopVPN mostrou que cerca de 8.000 sites foram bloqueados no primeiro mês da invasão da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro — 294 desses sites são noticiosos.
Como não conseguiu fiscalizar eficientemente as conexões e o tráfego dentro das redes privadas, o governo emitiu uma regra adicional em que exigia que o tráfego dos maiores serviços de VPN do país passassem por servidores controlados pelo próprio governo.
A regra, que entrou em vigor em 2019, fez com que os serviços que estavam na mira do governo retirassem os servidores do país. Pelo menos 15 deles entraram em uma lista de proibição do Roskomnadzor, a exemplo do Cloudfare, Proton VPN, PrivateTunnel e Lantern. Apenas a Kaspersky, com sede em Moscou, aceitou as novas regras.
Essas idas e vindas deixaram as VPNs em uma espécie de limbo jurídico na Rússia. O uso delas não é ilegal, mas conectar-se a uma delas para acessar sites proibidos é considerado crime.
Esse detalhe ressalta a necessidade de saber se a VPN usada está bem configurada e tem um serviço transparente. VPNs gratuitas costumam ser mais vulneráveis, lentas ou guardam informações de usuários, o que as tornam perigosas em ambientes de vigilância de rede. Caso a segurança seja uma prioridade, um serviço pago pode ser a solução.
“Com as VPNs garante-se a segurança no canal de comunicação, mas, depois que se estabeleceu um canal de tráfego seguro entre dois pontos, nesses pontos as informações estarão em formato aberto”, diz Zanini.
Mensagens criptogradas em alta
Especialistas ressaltam, no entanto, que apenas usar VPNs pode não ser o bastante em um ambiente com internet controlada. Muitos habitantes do país começaram a utilizar também aplicativos de mensagens focados em privacidade, como o Signal, que reportou um “aumento significativo de tráfego” nos países envolvidos no conflito.
Segundo o serviço SensorTower, que monitora o ecossistema de apps mobile, o Signal experimentou um crescimento de 286% nas instalações na Rússia, no período entre 24 de fevereiro e 20 de março. Foram 484 mil downloads ativados, ante 110 mil do período anterior. Na Ucrânia, o crescimento foi ainda maior: 1.075%, em um total de 787 mil instalações no período.
A adoção massiva desse tipo de serviço pode gerar exatamente o efeito contrário ao esperado pelo governo russo: pulverizar o tráfego de internet do país e torná-lo ainda mais difícil de ser localizado. A guerra cibernética local está apenas começando.
LEIA ABAIXO: Refugiados, mortes e destruição: as consequências de um mês de guerra na Ucrânia
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