Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Tecnologia e Ciência

Origem do coronavírus é incerta, mas ciência sabe que é da natureza

Pesquisadores analisaram o genoma do SARS-COV-2 e concluíram que o vírus não foi criado ou manipulado em laboratório

Tecnologia e Ciência|Brenda Marques, do R7

Cientistas analisaram o material genético do novo coronavírus
Cientistas analisaram o material genético do novo coronavírus

Nesta terça-feira (21), a OMS (Organização Mundial da Saúde) negou que o novo coronavírus tenha saído de um laboratório. O pronunciamento veio após os Estados Unidos anunciarem uma investigação sobre como o vírus se espalhou pelo mundo e o presidente Donald Trump insinuar que seu surgimento aconteceu no laboratório do Instituto de Virologia, na cidade chinesa de Wuhan. 

O cientista francês Luc Montagnier, vencedor do Nobel de Medicina de 2008, afirmou em entrevista em 17 de abril que o coronavírus SARS-CoV-2, causador da covid-19, foi criado em um laboratório de Wuhan, na China. Sua declaração causou polêmica e foi rebatida por outros cientistas, como Simon Wain Hobson, virologista molecular do Instituto Pasteur, de Paris. 

"Existem muitos especialistas trabalhando na origem do vírus, ainda não sabemos a fonte inicial, mas tudo aponta para sua origem animal e que não foi manipulada nem construída em laboratório ou em qualquer outro lugar. Essa é a posição da OMS como uma organização baseada na ciência", disse a porta-voz da OMS, Fadela Chaib.

Mutações indicam 'seleção natural'

O novo coronavírus tem origem natural, de acordo com cientistas do Scripps Research, centro de pesquisa norte-americano sem fins lucrativos.


Os pesquisadores analisaram o genoma (o material genético) do SARS-COV-2 e concluíram que não há evidências de que o vírus tenha sido produzido ou manipulado em laboratório. As informações foram publicadas pela revista Natural Medicine.

"Ao comparar os dados disponíveis da sequência do genoma para cepas conhecidas de coronavírus, podemos determinar firmemente que o SARS-CoV-2 se originou através de processos naturais", afirma Kristian Andersen, professor associado de imunologia e microbiologia da Scripps Research.


Cepa é uma palavra em espanhol que significa amostra. Uma amostra viral, portanto, é a variação de um vírus conhecido, como explica o virologista e pesquisador Flávio Guimarães da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"Por exemplo, nós somos da espécie Homo Sapiens. O vírus também é dividido em espécies que seguem um padrão. Se, de repente, começa a circular um vírus com pequenas variações daquele padrão, ele pode ser considerado uma amostra diferente daquele mesmo vírus", detalha.


O foco foi analisar as proteínas em formato de espinho localizadas na superfície do novo coronavírus. Elas funcionam como uma armadura que serve para que o vírus agarre e penetre nas células de humanos e animais.

Os cientistas descobriram que uma porção específica dessas proteínas evolui e se tornou capaz de atingir efetivamente um receptor presente nas células humanas, que está envolvido na regulação da pressão arterial.

A partir dessa constatação, eles concluíram que o novo coronavírus é resultado da seleção natural, e não um produto da engenharia genética.

Além disso, características da estrutura molecular do vírus comprovam que ele tever origem natural. Alguém que estivesse tentando projetar um novo coronavírus capaz de gerar infecções faria isso com base na espinha dorsal de um vírus já conhecido por causar doenças.

Entretanto, os cientistas descobriram que a estrutura do SARS-CoV-2 é muito daquela de outros coronavírus já conhecidos. Ela se parece, principalmente, com vírus encontrados em morcêgos e pangolins.

"Essas duas características do vírus, as mutações na proteína em formato de espinho e sua espinha dorsal distinta, descartam a manipulação de laboratório como uma origem potencial para o SARS-CoV-2", resume Andersen.

Novo coronavírus tem genoma único e sem cicatrizes

Erna Kroon, professora titular do departamento de microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que é possível que um vírus tenha saído de um laboratório, mas tenha origem natural. Entretanto, as evidências mostram que isso não aconteceu com o novo coronavírus.

"Os estudos estão mostrando que são amostras [do vírus] que já existiam na natureza", observa. A especialista ressalta que é difícil para os cientistas criarem um vírus em laboratório. 

"Nós temos vírus e seus genomas que são conhecidos há muitos anos, como o da varíola e o da gripe, mas existe uma dificuldade de dizer 'esse gene é responsável por isso'. O vírus usa o maquinário da nossa célula, é muito difícil você conseguir provar qual a função de uma proteína viral, porque geralmente elas são multifuncionais", explica.

Guimarães, por sua vez, explica que quando um vírus é produzido em laboratório, ele sofre alterações que deixam marcas em seu genoma.

"A gente não consegue criar um vírus do zero. Para alterá-lo é preciso incluir pedaços de outro vírus ou fazer isso com base em outro que já existe. Essas sequências genéticas [maniouladas] ficam como cicatrizes no genoma do vírus", descreve.

Ainda de acordo com ele, o SARS-COV- 2 é um vírus "com genoma único, sem essas cicatrizes deixadas quando o genoma é manipulado".

Erna cita as hipóteses de que o novo coronavírus tenha vindo do morcego ou do pangolim, um mamífero. De acordo com ela. esses saltos do vírus de animais para humanos podem acontecer por duas razões: mutações genéticas ou seleção natural.

"Os vírus trocam informações entre si. Isso acontece muito com o vírus da gripe, por isso temos que tomar vacina todos os anos", exemplifica. "No caso do coronavírus, a troca de material genético não é fácil, mas pode acontecer", acrescenta.

No caso da seleção natural, o vírus pode se adaptar a um outro organismo, conforme apareça um novo hospedeiro.

"[Os vírus] sofrem muitas mutações naturais, isso é como um sistema de defesa. Essas mutações podem ser bem-sucedidas no novo hospedeiro ou não", pondera.

A professora usa como exemplo o fato de que doenças causadas por outros coronavírus, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), de 2003 na China, e a Síndrome Respiratória no Oriente Médio (MERS), de 2012, na Arábia Saudita eram mais letais, porém não tinham a mesma eficiência para se disseminar como o novo coronavírus.

Guimarães esclarece que essa passagem do vírus do hospedeiro animal para o humano é um evento muito comum que recebe o nome de "quebra da barreira específica".

"Não é algo exclusivo desse coronavírus. Aconteceu, por exemplo, com os vírus que são transmitidos pelo Aedes aegypti. Para isso, eles usam receptores que são muito conservados na cadeia zoológica", afirma.

Ser conservado na cadeia zoológica significa estar presente em diferentes seres vivos. "Se o vírus usa um receptor [para grudar na célula] que está presente em mamíferos e é igual em morcegos e humanos, já existe a possibilidade de infectar humanos, porque esse receptor é similar em todos", conclui o pesquisador.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.