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Tecnologia e Ciência

Picape de Elon Musk: o Cybertruck da Tesla se tornou uma guerra cultural sobre rodas

Design inspirado em ficções distópicas e personalidade combativa de seu fabricante tornam o veículo divisivo

Tecnologia e Ciência|Joseph Bernstein, do The New York Times


Cybertruck Tesla recebendo polimento durante um evento da Agência de Proteção Ambiental em Washington Pete Kiehart/The New York Times - 20.03.2024

Se um carro pode encarnar a época em que foi criado, o Tesla Cybertruck corresponde a uma guerra cultural sobre rodas.

Quando Elon Musk, diretor executivo da Tesla, o revelou em uma apresentação em Los Angeles, há cinco anos, parecia saber que aquela enorme cunha de aço inoxidável seria polêmica. “Não vai ser para todo mundo”, afirmou na época.

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Desde que o gigante elétrico começou a sair da fábrica da Tesla, em novembro passado, sua forma geométrica de bordas rígidas tem provocado reações de amor ou ódio. E, mais do que qualquer outro Tesla, o Cybertruck parece representar o próprio Musk, que vive chamando a atenção na internet e que alguns amam e outros odeiam.

Ultimamente, tornou-se um esporte entre os críticos do veículo identificar os proprietários da picape que estacionam mal e dirigem de forma agressiva, e generalizar sobre quem se identificaria com uma máquina tão chamativa.


Também surgiu um microgênero de vídeos na internet que mostram Cybertrucks imobilizados por areia, água e neve – com frequência, acompanhados de comentários carregados de satisfação.

Segundo Richard Zhang, de Pittsburgh, proprietário de um Cybertruck, a grande maioria das interações que teve sobre sua caminhonete foram positivas, mas as desfavoráveis foram muito, muito negativas. “As pessoas estão tão cheias de raiva que perderam todo o senso de decência e respeito”, disse Zhang, de 30 anos, sobre os críticos que encontrou.


Drew Magary, redator do SFGate, site de notícias de San Francisco, recentemente deu uma volta em um Cybertruck e, em uma coluna satírica, destacou alguns estereótipos sobre os admiradores do veículo: “Eu me encaixo perfeitamente no perfil do cliente. Sou alto, branco e falo alto. Não tenho muitos amigos onde moro. E o mais importante é que quero desesperadamente que as pessoas pensem que sou incrível.”

Expressão da personalidade

Os consumidores há muito tempo expressam sua personalidade e seu estilo de vida por meio do carro que têm; basta pensar no Chevrolet Corvette como um símbolo da crise da meia-idade. Mas fazia muitos anos que nenhum automóvel – nem outro bem de consumo, na verdade – provocava reações tão fortes e tinha um significado cultural tão expressivo. Tudo começa com Musk.


Os anos de desenvolvimento do Cybertruck, de certa forma, coincidiram com a transformação pública do chefe da SpaceX. Musk, antes um queridinho do Vale do Silício celebrado por seu compromisso com as energias limpas e com a exploração espacial, tornou-se o combativo proprietário do X, antigo Twitter, e um apoiador fervoroso do ex-presidente Donald Trump.

Alguns o veem como um defensor da liberdade de expressão e um pioneiro do setor tecnológico que transformou algumas ideias inovadoras em riqueza; outros, como um bilionário interesseiro e conspiracionista.

Sua imagem pública não ofuscou completamente a marca Tesla. De acordo com David Tracy, redator-chefe do site de cultura automobilística The Autopian, os outros produtos da empresa continuam a existir independentemente de Musk – até certo ponto. “São lógicos, aerodinâmicos, eficientes, e fazem sentido do ponto de vista da utilidade. Você pode se convencer de que qualquer um teria desenvolvido esses carros”, observou Tracy, engenheiro automotivo, em referência ao restante da linha Tesla – elegantes sedãs elétricos que se assemelham aos demais veículos nas ruas.

Ainda assim, a política de Musk pode estar repelindo alguns possíveis compradores da Tesla e contribuindo para a recente queda nas vendas. Talvez isso faça com que os motoristas dos Cybertrucks se destaquem ainda mais. E, em uma cultura obcecada com as implicações políticas das decisões dos consumidores, talvez seja inevitável que a aquisição de um Cybertruck seja interpretada como uma maneira de simpatizar com Musk e suas ideias.

A avaliação cautelosamente positiva de Tracy atraiu uma quantidade tão grande de comentários raivosos dos que odeiam a picape futurista que ele rapidamente escreveu uma continuação intitulada: “Analisar o Tesla Cybertruck é totalmente inútil.”

Referências estranhas

As referências visuais da picape não vêm do design automotivo contemporâneo. Segundo um quadro de avisos interno da Tesla, compartilhado por Walter Isaacson, biógrafo de Musk, o Cybertruck se inspira na ficção científica distópica das décadas de 1980 e 1990: filmes, animes e jogos de RPG que são textos sagrados da imaginação geek (pessoas que têm um conhecimento profundo de áreas específicas, como tecnologia, ciência, ficção científica, quadrinhos ou cultura pop).

Nesses mundos sombrios, em que corporações reinam sobre uma classe urbana marginalizada e repleta de violência, os carros costumam funcionar como uma arma blindada. (O quadro de ideias da Tesla também tinha imagens de tanques e aviões de combate.) Musk há muito tempo se gaba da estrutura à prova de balas do Cybertruck, e, no dia em que o automóvel foi apresentado, Franz von Holzhausen, designer-chefe da Tesla, golpeou a porta com uma marreta sem causar nenhum amasso – mas uma pequena bola de metal também lançada por ele quebrou uma janela.

Para os membros de uma elite tecnológica preocupada com os problemas da vida urbana na área da Baía de San Francisco e em outros lugares, é difícil não ver o Cybertruck como um carro dos sonhos – ou um veículo com o qual podem enfrentar seus pesadelos.

De fato, o aspecto de fortaleza da picape e seu preço elevado (a partir de cerca de US$ 80 mil) parecem corresponder às ansiedades contemporâneas em torno da desordem social, segundo Michael Rock, sócio fundador da 2x4, consultoria de marcas: “É a encarnação da cultura do medo. Por que alguém precisa de um carro blindado na região dos Hamptons? É uma mentalidade. Você construiu uma coisa enorme ao seu redor, e tudo gira em torno dessa ameaça externa, e você está nesse contêiner à prova de balas.”

Para a legião de transeuntes que, de acordo com os proprietários, querem tocar o Cybertruck, sentar nele e tirar uma selfie, o veículo não é um ponto de atenção política ou cultural, mas sim uma coisa rara: um produto genuinamente inovador voltado para a produção em grande escala.

Em alguns círculos sociais, o aspecto único da picape a transformou em um cobiçado símbolo de status e em objeto de considerável fascinação. Celebridades como Kim Kardashian e Serena Williams foram vistas em um Cybertruck. No YouTube, existe uma sólida cultura, aparentemente imparcial, em torno da modificação do veículo e da experimentação de suas características incomuns.

De fato, vem sendo dada tanta atenção às conotações tecnológicas de direita do Cybertruck que é fácil esquecer que ele não deixa de ser um veículo elétrico de aproximadamente 2.720 quilos – tipo de carro que antes era associado aos liberais da região costeira dos Estados Unidos.

Dwayne Sinclair, de 58 anos, engenheiro de sistemas de Redondo Beach, na Califórnia, e proprietário de um Cybertruck, que se autodefine como um esquerdista e não gosta da política de Musk, disse que nenhuma das reações negativas que recebeu sobre seu novo veículo veio de pessoas que ele imagina serem liberais. Pelo contrário, ele relatou que vários homens dirigindo uma caminhonete alta, como a Ford F-150, que há muito tempo é o veículo mais popular nos Estados Unidos, lhe mostraram o dedo do meio.

Recentemente, Sinclair estava em uma estação de recarga da Tesla quando ouviu o ruído de um motor: “Chegou um cara com uma caminhonete a diesel grande e superpesada, e ao passar por mim começou a rir. Foi estranho. Do nada você se depara com alguém que começa a rir descontroladamente.”

c. 2024 The New York Times Company

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