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Cabo Anselmo lista guerrilheiros que delatou

Leia a quinta parte da entrevista com José Anselmo dos Santos, agente duplo da ditadura

Brasil|Alvaro Magalhães, do R7

Edson Neves Quaresma e Yoshitane Fujimori foram mortos em dezembro de 1970. Aluizio Panhano Pedreira Ferreira desapareceu em maio de 1971 após ser capturado. Os três haviam tido contato com José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, antes de sua prisão, em junho de 1971. As “quedas” dos militantes foram apontadas como mais um indício de que ele já colaborava com o regime. Anselmo chega a dizer que Fujimori foi vítima de sua atuação, mas depois nega.

Na entrevista abaixo, ele faz referência a pessoas que o levaram até o líder da VPR, Carlos Lamarca, ainda 1970. Inês Etienne Romeu foi a guia de Anselmo no encontro. Poucos meses depois, ela foi capturada pela equipe de Fleury e se tornaria a única sobrevivente das torturas da Casa da Morte, em Petrópolis. O espião nega envolvimento na detenção de Inês.

Anselmo confirma, porém, ter colaborado com a captura de seu ex-colega de Marinha José Raimundo da Costa, integrante da VPR, e de Carlos Eugênio Paz, o Clemente, militante da ALN.

Confira a entrevista:

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R7 - O senhor nega a estimativa de que 200 pessoas foram presas a partir de sua atuação. Tem, então, ideia de quantos foram presos, mortos ou desapareceram a partir da colaboração do senhor?

José Anselmo dos Santos – Não, não tenho. Durante os pontos feitos em São Paulo, digamos que cada ponto rendesse outra pessoa, que levava a outra e assim vai. Como você vai saber?

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R7 - Essa ação em São Paulo ocorreu somente em 1971?

Anselmo – Sim.

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R7 - Depois disso, o senhor estava no Recife?

Anselmo – Sim, sim.

R7 - Há alguns casos de pessoas que teriam desaparecido a partir da sua atuação. Um deles é Luiz Araújo de Almeida, da Ação Libertadora Nacional, a ALN [grupo de esquerda], que teria levado Paulo de Tarso Celestino [desaparecido em julho 1971] a um encontro com o senhor. O senhor se lembra desse episódio?

Anselmo – Eu não lembro com quem eu me encontrava. Olha, com o Clemente [Carlos Eugênio Paz, outro militante da ALN, que está vivo] eu tenho certeza.

R7 - Clemente [Carlos Eugênio Paz] narra, em uma entrevista ao site Ópera Mundi, um episódio em que foi perseguido de automóvel por Fleury, na Vila Mariana, após encontrar-se com o senhor...

Anselmo – Eu li isso, eu li. Eu achei um pouco fantasioso pelo seguinte: o único encontro que eu tive com o Clemente foi em Santo Amaro e ele me passou um revólver. Nos encontramos numa rua, tinha o negócio da senha e tal. Ele me encontrou, me passou um revólver. Ele foi para um lado e eu fui para o outro.

R7 - Não houve um encontro num apartamento?

Anselmo – Não, não. Eu acho que isso aí já é exagero, fantasia, sei lá. É mito. Agora, eles estão no pleno direito de dizer qualquer coisa, porque eles têm toda uma organização para montar aquilo que eles quiserem dizer dentro dessa história. E eu sou um único. E é a primeira vez que eu estou falando... “A minha verdade” [título do livro].

R7 – Na época em que colaborava, o senhor se encontrou com José Raimundo da Costa?

Anselmo – José Raimundo, sim.

R7 - José Raimundo foi capturado depois de se encontrar com senhor?

Anselmo – Sem dúvida nenhuma.

R7 - Há alguma outra pessoa?

Anselmo – Ah! O Fujimori. [silêncio] O Fujimori? Não. O Fujimori não. O Zé Raimundo, o Clemente, sim. Tem pessoas que não foram presas, pessoas que me levaram de São Paulo para o Rio, para o encontro com o Lamarca. Aliás, não. Nessa época, nessa época, eu nem estava nisso [atuando como agente duplo].

R7 - Inês Etienne Romeu?

Anselmo – A Inês não. Eu nem tive contato com ela durante esse período em que eu estava... preso.

R7 - Na morte de Edson Quaresma o senhor também não teve envolvimento?

Anselmo – Também não. Foi antes, muito antes.

R7 - Ele morreu com Fujimori.

Anselmo – Eu não tenho nem ideia de quando o Fujimori foi... Ah é! Estava junto, é verdade. Acho que foi no mesmo caso. No mesmo tiroteio lá que morreram os dois [A versão oficial, na época, era de tiroteio].

R7 - No livro, o senhor narra muito rapidamente o encontro com o Onofre Pinto [um dos líderes da VPR] no Chile. Como foi esse contato?

Anselmo – É. Eu havia perdido os contatos aqui, né? Perdi todos os contatos... Eu, então, viajo para o Chile para refazer contatos. Penso: ‘Bom, e agora? Como é que é?’ E decido: ‘Eu vou ao Chile, faço contatos e vai continuar a mesma coisa. Eu faço o ponto e a polícia se encarrega’.

R7 - Mas, sem contatos, como o senhor encontrou o Onofre lá?

Anselmo – Ah, tá! Durante a viagem que eu fiz para Cuba, passando pela Tchecoslováquia, eu fiquei em um hotel internacional e conheci duas meninas chilenas. Então, eu e o outro menino que estava comigo fizemos contato com essas duas chilenas. Estávamos sempre juntos, fomos a teatro juntos, passeamos juntos. E eu sabia do nome das meninas chilenas [não usavam codinomes]. Eu tinha o telefone de uma delas. Fui a Santiago, telefonei, nós nos encontramos. E ela disse: ‘Olha, quem vai poder te ajudar nisso é a outra moça’. Aí me colocou em contato com a outra moça, que era ativista e tinha contato com o senador Altamirano [Carlos Altamirano Orrego, então secretário-geral do Partido Socialista do Chile]. Eu tinha conhecido o senador Altamirano em Cuba, na conferência da OLAS [Organização Latino-Americana de Solidariedade, composta por movimentos de esquerda latino-americanos]. Então, ela me conduziu ao gabinete do Altamirano. Ele mandou que eu esperasse no hotel e, um dia depois, foi dado o contato. E o contato era... o Onofre Pinto.

R7 - E, mesmo no Chile, o [investigador, hoje delegado] Carlos Alberto continuou te seguindo?

Anselmo – Não, o Carlos Alberto não foi. Mas que durante todo tempo havia seguimento, havia.

R7 - Inclusive no Chile?

Anselmo – Inclusive lá no Chile.

R7 - O senhor lembra quem era?

Anselmo – Nem sabia quem era. Só sabia que estava presente.

R7 - Mas isso era uma desconfiança do senhor ou o senhor tinha certeza?

Anselmo – Não era desconfiança, não. Era certeza. O próprio pessoal aqui, o Fleury no caso, disse: ‘Você vai estar coberto o tempo inteiro’. Coberto significa: ‘Alguém vai estar vigiando você o tempo inteiro’.

R7 - O senhor não chegou a pensar em pedir asilo no Chile?

Anselmo – Se eu pedisse asilo naquele instante... Quando eu fui ao Chile, o Chile já estava comunista. Eu iria pedir asilo, também sendo contrário? Conscientemente, eu era contrário àquilo. Eu ia pedir asilo dali para quê? Para ficar distante do meu País. Não, eu nasci aqui e tenho que morrer aqui. É aqui que eu tenho que pagar meus pecados e morrer. Eu posso ir lá, achar muito bonito. Conhecer a França, conhecer a Itália, conhecer a Suíça, passar pelo Canadá, pela Irlanda. Eu passo, lindo, poxa. Mas simplesmente um passeio cultural. Agora, a minha raiz está aqui. Comer mandioca, tapioca.

R7 - O senhor conhecia outros infiltrados?

Anselmo – A informação que eu tinha era informação lá de dentro. Se você quiser saber alguma coisa mais, e se ele quiser falar, procure o Carlos Alberto.

R7 - O senhor não conheceu nenhum outro infiltrado?

Anselmo – Não. Eu li alguma coisa... Vamos lá: isso aqui é ilação. Eu li, penso: ‘Puxa, aconteceu isso, pode estar acontecendo isso’. Eu li que pessoas fizeram também o trabalho de informação, depois trocaram de nome e estão vivas até hoje. E as famílias nunca tiveram contato: são desaparecidos. E as famílias recebem indenização.

R7 - Quem seriam essas pessoas?

Anselmo – Ah! [aceno negativo] Você acha que, se alguém fez isso, vai dizer? Não vai nunca dizer.

R7 - O senhor não tem possíveis nomes?

Anselmo – Não, não. De leituras que eu fiz, eu cheguei a essa conclusão. E, se você for pesquisar, você vai ver três ou quatro nomes que estão lá postos.

LEIA A SEXTA PARTE DA ENTREVISTA: A cirurgia plástica e a participação nos atos anti-Dilma

E leia também:

Parte 1: Marighella, a Revolta dos Marinheiros e a fuga facilitada

Parte 2: A prisão em 1971 e a tortura

Parte 3: A decisão de mudar de lado e a vida como agente duplo

Parte 4: A morte de Soledad, a traição de Fleury

Parte 7: A 'consciência tranquila'

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