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Professor universitário diz que estudante negra não pode ser âncora de telejornal

Durante a aula, o  professor disse que o tipo de cabelo dela chama mais atenção que a notícia

Brasil|Giorgia Cavicchioli e Juca Guimarães, do R7

Fernanda (nome fictício) está no penúltimo ano do curso
Fernanda (nome fictício) está no penúltimo ano do curso

A estudante de jornalismo Fernanda (nome fictício), de 20 anos, estava apresentando um texto na bancada da aula de Comunicação e Expressão Oral - técnicas de dicção quando o professor disse na frente de toda sala que tipo de penteado dela não servia para ser âncora de telejornal.

Fernanda é negra e usa um cabelo étnico afro. O professor não tem formação em jornalismo, ele é graduado em fonoaudiologia. "Quando eu estava passando o texto na bancada, ele disse que, por conta dos padrões, o meu cabelo chamaria mais atenção que a notícia, por ser black e descolorido, e que dessa forma eu me encaixaria melhor como moça do tempo ou repórter", contou a estudante. 

A estudante ficou extremamente constrangida com a fala do professor durante o exercício em aula. Na hora, ela não teve reação e nenhum dos seus colegas de sala, a maioria brancos, reclamou ou discordou do comentário racista do professor.

"Fiquei muito triste. Chorei muito depois", disse a estudante. O caso aconteceu em uma tradicional universidade particular, fundada em 1972, de uma capital nordestina. "Na hora, fiquei bastante triste ao ouvir isso dele. Os alunos todos aceitaram isso como verdade, da mesma forma que eu no primeiro momento. Ele se aproveitou da autoridade como professor para impor o que é correto", desabafou.


A estudante fez uma reclamação para a coordenadora do curso de comunicação e agendou um reunião com o ouvidor da universidade. "Na primeira data para a reunião, a coordenadora cancelou o encontro sem me avisar e não fui recebida pelo ouvidor. No dia seguinte, voltei lá com uma amiga e contei para o ouvidor tudo o que aconteceu detalhadamente", disse a estudante.

O ouvidor afirmou que o caso seria apurado, mas tentou, por diversas vezes, convencer a estudante a desistir da denúncia. Afirmou ainda não acreditava que houve racismo ou injúria na aula. Fernanda disse que sustentaria a acusação.


A garota, de 20 anos, é estagiária em uma empresa e paga R$ 669,90 de mensalidade no curso de jornalismo. No estágio, ela recebe R$ 510 por mês. "Só consigo me manter na faculdade porque os meus pais se esforçam muito para me ajudar. O meu sonho é ser jornalista e apresentar um telejornal, do mesmo modo como outras jornalistas negras conseguiram", disse a estudante. 

O professor, autor da declaração racista, também é sócio de uma clínica de fonoaudiologia na cidade e é muito popular entre os alunos. Ele costuma dar carona para alunas dentro da universidade.


Denúncia

Fernanda foi em mais duas reuniões com o ouvidor para saber qual a atitude da universidade. Em uma delas, o ouvidor disse que não via "maldade nenhuma" no comentário do professor na sala de aula. "Se você der esse depoimento numa delegacia, o delegado vai dizer que não houve racismo. Eu não quero proteger ninguém, mas, às vezes, o aluno não percebe e isso toma uma proporção tão grande", disse.

"Enquanto isso, o professor fez reuniões com os alunos da sala. Eles começaram a me tratar com indiferença. Ninguém mais olhava na minha cara e eu me sentia muito mal. Criaram até uma hashtag #nãohouveracismo para colocar em publicações que comentavam o caso. O curioso é que as estudantes que defendem o professor não estavam na sala de aula no dia (20/5) e são as mesmas que pegam carona com ele", disse Fernanda.

A estudante foi até a delegacia especializada em atendimento a grupos vulneráveis e registrou um boletim de ocorrência contra o professor (veja abaixo o histórico do documento registrado no dia 6 de junho).

A universidade não tomou nenhuma providência protetiva em favor da aluna. Nas semanas seguintes, ela teve mais duas aulas e uma prova com o mesmo professor, que já estava ciente da denúncia, porém, nem sequer pediu desculpas pelo comentário na sala de aula. "Eu só queria que ele me pedisse desculpas e soubesse o quanto foi cruel com os meus sentimentos. A universidade também não deu importância para os meus sentimentos", disse.

Segunda a advogada Mayara Silva, é evidente que se trata de um caso de racismo. "Dizer que alguém não pode ocupar um espaço para o qual ela tem total capacidade, competência e desejo só por causa do cabelo é um caso de racismo escancarado. Na aula, o professor declarou, mesmo não sendo especialista na área, que aquele determinado tipo de cabelo não servia. Logo, todos com aquele cabelo, seja homens ou mulheres, são incluídos na fala dele sobre uma característica de raça. Ou seja, está atingindo uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça", disse a advogada, levando em conta os artigos da lei 7.716/89 do código civil.

Outro lado

Questionada pelo R7 sobre o caso de racismo na sala de aula, a universidade respondeu por meio de nota, assinada pela assessoria de comunicação.

'A ocorrência relatada chegou ao conhecimento da coordenação do curso, que de imediato acionou as instâncias competentes da Universidade para apuração dos fatos. O teor do relato causou grande surpresa à coordenação em razão do tratamento respeitoso e igualitário que caracteriza as relações entre os membros da comunidade universitária, em especial a comunicação entre professor e aluno, já que essa é a razão de existência da universidade.

Desse modo, em respeito à sua comunidade acadêmica e, sobretudo, aos valores e princípios éticos que a norteiam, a Universidade XXXX irá apurar rigorosamente os fatos, para que, logo após, as devidas providências sejam tomadas, já que a instituição não pactua – nem pactuará – com qualquer tipo de fato que possa desestabilizar e ameaçar o clima de respeito que deve pautar as relações entre alunos, professores e técnico-administrativos'.

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