Delegado que investiga incêndio na boate Kiss perdeu prima na tragédia
“Creio que temos o dever de dar uma resposta à sociedade”, disse Arigony
Cidades|Paulo Roberto Tavares, especial para o R7, em Santa Maria
A última quarta-feira (30) foi o único dia que o delegado regional de Santa Maria (RS), Marcelo Arigony, conseguiu dormir cinco horas. De acordo com ele, desde que começaram as investigações sobre o incêndio na boate Kiss, no domingo (27), o tempo para dormir se resume a duas horas por dia.
Filho de policial — seu pai é Luiz Antônio Arigony, de 69 anos — o delegado atingiu o ápice de sua carreira bem jovem, com 30 anos. Com passagens pela chefia de gabinete do chefe de Polícia e por duas delegacias, em Porto Alegre, no início dos anos 2000, Arigony atualmente divide o tempo entre as funções de delegado e de professor da cadeira de direito penal em uma universidade particular da cidade. Pai de uma filha de 18 anos, Ana Luiza Arigony, a família tem uma ligação direta com a polícia. Além do pai, uma irmã também passou em concurso para a instituição.
Atualmente, com o mundo todo voltando os olhos para Santa Maria, o sentimento do policial é de responsabilidade para com as vítimas e, também, com as famílias do Rio Grande do Sul. Quando o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, visitou Santa Maria, pouco depois da tragédia da casa noturna, reuniu-se com os policiais que ficariam com a responsabilidade de investigar o caso, e pediu que agissem com justiça e serenidade. “Creio que temos o dever de dar uma resposta à sociedade”, disse, como que cobrando a si mesmo. "E isso será feito com Justiça e sem precipitações, evitando um caça às bruxas", garantiu.
Veja a cobertura completa da tragédia
Sem deixar os hábitos gaúchos, Arigony recebe o batalhão de repórteres em seu gabinete, com uma cuia na mão, tomando chimarrão. Após explicar o que foi feito no dia, abre espaço para perguntas, muitas inclusive se repetem, deixando-o nervoso. Porém, a irritação desaparece na próxima pergunta. "Peço a vocês, que me deixam trabalhar", disse na quarta-feira (30), após mais uma coletiva com a imprensa. "Preciso, junto com os outros delegados, analisar os documentos que chegaram, nos encontramos a cada final de tarde", combinou.
Única luz da boate vinha do banheiro e pode ter confundido público na hora do incêndio
"Minha filha não morreu, ela foi assassinada", diz pai de vítima de tragédia em Santa Maria
O delegado, ainda hoje, se diz aliviado pelo fato da filha ter comemorado a festa de aniversário no sábado (26) e em outra boate. Antes de sair, foi feito um churrasco e, depois, Ana Luiza foi para a boate Absinto, onde tinha deixado uma lista de 35 convidados. O pai se sente aliviado.
— Até hoje dou graças a Deus por terem comemorado no sábado. Se tivéssemos deixado para domingo, seria na Kiss, e sabemos o que ocorreria.
No entanto, o destino não poupou a família de Arigony. A prima dele, Sabrina Mendes, 18 anos, foi uma das vítimas fatais do incêndio na Kiss. O delegado lembra que foi acordado às 4h, com a notícia. A primeira providência foi ligar para a filha, que tinha ido dormir na casa dos avós paternos.
Eles sobreviveram: conheça as histórias de quem escapou da tragédia em Santa Maria
Ao atender ao telefone, a primeira coisa que ela falou foi o fato de Sabrina ter ido à casa noturna. Em seguida, lembrou o delegado, ele foi direto ao local. Quando entrou, deparou-se com uma cena marcante: 40 corpos empilhados, um por cima dos outros, no banheiro, mostrando bem o que tinha sido a desesperada tentativa de se salvar. "Foi algo marcante", comentou o homem que, na terça-feira (29), chorou ao conversar com jovens que faziam um protesto pacífico, em frente à sede da delegacia regional.
— De manhã, me ligaram dizendo que a Sabrina estava desaparecida e ela foi encontrada, por agentes aqui da delegacia, um pouco mais tarde.