“Foi uma grande decepção”, diz pai de vítima sobre CPI da boate Kiss
Relatório final da comissão foi encerrado ontem e criticado por familiares de vítimas
Cidades|Do R7
Um relatório de 90 páginas, boa parte dele em tom de agradecimento a diversas instituições, é o resumo de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) instalada na Câmara Municipal de Santa Maria para apurar fatos relacionados ao incêndio na boate Kiss, em janeiro deste ano. O desfecho do trabalho da CPI foi divulgado na quarta-feira (3) e desagradou familiares e amigos de vítimas. A situação piorou na última semana, após a divulgação da gravação de uma conversa entre membros da comissão indicando que havia orientações de que a apuração de responsabilidades no incêndio teria que “dar em nada”.
Para o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia na Boate Kiss, Adherbal Alves Ferreira, a CPI “não tem a menor importância”.
— [Foi uma] decepção total. Dentre o bloco [de vereadores], a gente não pode generalizar, mas foi uma grande decepção, principalmente no que diz respeito à situação da gravação, que percebemos que havia uma grande camuflagem.
Adherbal também criticou os trabalhos da comissão e disse que os membros não tinham condições de investigar aquilo que se propuseram.
— Esse relatório, para nós, não vale nada. Foi o relatório mais falso de toda a história do Brasil. Em uma situação dessas, de um assassinato em massa, e ninguém culpa ninguém, ninguém liberou alvará para ninguém. É um absurdo uma coisa dessas. Ninguém viu nada. É uma blindagem total de todos os setores. Eu não sei quem poderia ter a culpa, mas elas [vereadoras integrantes da CPI], infelizmente, não sabem apurar nada.
CPI
Iniciada no começo de março, a comissão parlamentar ouviu pessoas ligadas ao fato, também colheu peças do inquérito policial que investigou o incêndio e da denúncia do Ministério Público contra os quatro acusados de envolvimento direto na tragédia – os empresários sócios da Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Leão e Marcelo de Jesus dos Santos –, soltos no fim de maio.
Os integrantes da CPI reforçaram, no relatório, a responsabilidade dos réus e de instituições como o Corpo de Bombeiros e a prefeitura, já mencionados no inquérito policial.
A comissão tratou como “preocupante” a situação da Prefeitura de Santa Maria em relação à concessão de alvarás e aprovação de projetos. “Se, de um lado, não se consegue identificar um aspecto denegatório às individualidades funcionais, parecem ser bastante evidentes as limitações estruturais do órgão público executivo municipal”, diz o documento.
Gravação
Na semana passada, foi divulgada a gravação de uma conversa entre os vereadores Maria de Lourdes Castro e Tavores Fernandes de Oliveira – presidente e vice-presidente da comissão, respectivamente – e de um assessor dele. Eles discutiam sobre atitudes da relatora da CPI, a vereadora Sandra Rebelato. O assessor de Tavores fala sobre supostas orientações.
— Ela [Sandra] pediu que não poderia dar em nada [a CPI], porque chegaria não sei onde.
A vereadora Maria de Lourdes manifesta preocupação com as investigações chegarem ao nome do secretário municipal de Relações de Governo e Comunicação, Giovani Mânica.
— Vamos jogando, porque vai chegar no [Giovani] Mânica, e chegando no Mânica, vai chegar no prefeito [Cezar Schirmer].
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Câmara ocupada
Revoltados com suspeita de que CPI terminaria “em nada”, parentes e amigos de vítimas da tragédia ocuparam o plenário da Câmara Municipal na tarde de terça-feira (25). O grupo, de aproximadamente 150 pessoas, exigia o fim dos trabalhos da comissão e a renúncia dos vereadores integrantes dela. O prédio foi liberado na segunda-feira (1º), sem que as reivindicações fossem atendidas.
Para Adherbal, permanecer no plenário, foi uma forma protestar contra o que os vereadores fizerem.
— A única coisa que nos deixou mal foi o estresse que nós tivemos todo esse tempo para chegar a nada. Se nós não tivéssemos ocupado a Câmara, iríamos ficar mais decepcionados ainda. [...] A sensibilidade humana é péssima. Eles não são sensíveis, eles não perderam nenhum familiar, é por isso que não estão dando bola. O que vale mais é o dinheiro.
O presidente da associação de familiares de vítimas e sobreviventes ainda disse estar indignado com a suposta alegação de que a ocupação da Câmara causou um prejuízo de R$ 30 mil ao Legislativo municipal.
— Nós provamos para a sociedade, de uma forma ordeira e pacífica, essa grande verdade. E agora, por finalizar ainda, nós deixamos a casa totalmente arrumada. Não deixamos nenhuma despesa para a casa e agora eles vêm dizer que tiveram um prejuízo de R$ 30 mil. Mais uma vez o povo está sendo enganado.
Ele ainda lamentou a falta de comprometimento de alguns parlamentares em esclarecer os fatos em torno da tragédia.
— É triste a casa legislativa estar ocupada por pessoas que não deveriam estar lá, que não representam o povo. [...] Vamos nos reunir agora com a diretoria [da Câmara] e ver qual posição nós podemos tomar, se fazemos um relatório paralelo ou até mesmo, quem sabe, alguém se entusiasme e monte uma CPI de verdade.