Gari é assassinado na rua que varreu poucas horas antes
Édson Rogério Santos, negro, de 29 anos, foi morto a caminho de um posto de gasolina
Cidades|Mariana Queen Nwabasili, do R7
Na noite de 15 de maio de 2006, em Santos, litoral de São Paulo, após deixar a casa da mãe, Débora Maria Silva, o gari Édson Rogério Santos, negro, de 29 anos, faz um caminho que o permitiria passar em um posto de gasolina. Somente durante o trajeto, ele havia percebido que o combustível de sua moto estava no fim.
Ele para no Auto Posto Umuarama, localizado na avenida Nossa Senhora de Fátima, nº 673, esquina com a rua Jovino de Melo, perto do morro da Água Branca. Porém, o estabelecimento está fechado. Dentro, apenas um frentista cuida de afazeres administrativos, enquanto um segurança observa a movimentação do lado de fora.
O gari deixa a moto no posto, atravessa a avenida em direção a um orelhão. A ideia é ligar para o amigo Ricardo e pedir socorro para conseguir gasolina e chegar em casa.
Rogério volta ao posto para esperar o colega. Está próximo de sua moto, quando viaturas chegam ao estabelecimento. Os policiais estranham alguém parado em um posto de gasolina àquela hora da noite em uma data considerada perigosa. Durante o dia, o boato de um toque de recolher havia corrido a cidade. Quem estivesse na rua tarde da noite seria, supostamente, inimigo da polícia, diziam os moradores.
A abordagem violenta dura cerca de dez minutos:
— O que está fazendo aqui na rua a essa hora?
— Sou trabalhador, não devo satisfação.
— Trabalhador é uma p... O que está fazendo na rua? Não sabe que não era para gente de bem estar na rua a essa hora hoje? Você é bandido, né. Tem passagem?
— Cumpri uma pena por roubo já, senhor, há muitos anos. Já cumpri a pena. Hoje sou trabalhador, tenho carteira assinada.
— Morreu, você é ladrão.
O amigo chega pouco depois e empresta sua moto para Rogério ir buscar gasolina em outro posto próximo. O gari segue pela avenida Nossa Senhora de Fátima. Mais adiante, duas viaturas sobem os faróis sinalizando para que ele pare. Rogério estaciona a moto em frente a um muro. Desce, sem retirar o capacete.
Os policiais saem das viaturas. De noite, não é possível ver quantos são exatamente e nem seus rostos. Um, dois, três, quatro, cinco tiros são disparados contra o corpo do gari, que tomba para frente. Rogério fica caído em frente ao número 288 da rua Torquarto Dias, rua que, naquela tarde, ele havia varrido. O local fica a cerca de 500 metros de onde ele havia sido abordado.
O assassinato ocorreu por volta das 23h. O corpo seria encontrado às 23h20, segundo o boletim de ocorrência.
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A mãe da vítima, Débora, conta que a moto usada por Rogério não passou por perícia. Uma série de inconsistências nas investigações fez com que ela tomasse a frente das pesquisas e passasse a exigir, pessoalmente, ao Ministério Público atenção sobre ocaso.
Após seis anos da morte de Rogério, o órgão pediu ao Instituto Médico Legal de São Paulo que fizesse a exumação do cadáver. A medida revelou que o gari havia sido enterrado com uma das balas ainda no corpo, mostrando o que Débora indicava há tempos: houve falha na investigação à época do homicídio.
As informações sobre os episódios citados acima têm base nos relatos dos familiares das vítimas e do defensor Antônio José Mafezolli Leite, entrevistados pelo R7.
Reconstituições também foram feitas a partir de dados que constam nos inquéritos dos casos e do documento “Instauração de Incidente de Deslocamento de Competência – Atuação de grupos de extermínio na Baixada Santista”, redigido em 2010 pelo movimento Mães de Maio, em conjunto com a Ong Justiça Global; ACAT (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura) Brasil e o Núcleo Especializado de Direitos Humanos e Cidadania da Defensoria Pública de São Paulo.