Mesmo com retorno de PMs às ruas, situação no ES está longe da normalidade; veja relatos
Regiões periféricas continuam com problemas de transporte e vivem clima de tensão
Cidades|Ana Ignacio, do R7
Doze dias após o início do movimento de paralisação de policiais militares no Espírito Santo, a população ainda enfrenta uma rotina complicada. Mesmo com o retorno de parte do efetivo — de acordo com a Secretaria de Segurança Pública ao menos 1.900 PMs estavam nas ruas nesta terça-feira (14), sendo 700 na Grande Vitória além do reforço da Força Nacional e do Exército — moradores, policiais e mulheres que continuam acampadas em frente aos batalhões do Estado afirmam que a situação está longe de ser considerada “dentro da normalidade”.
Os policiais argumentam que querem voltar ao trabalho; as mulheres relatam dificuldades da família até para comprar comida e os moradores esperam que as negociações avancem para que o dia a dia do Estado possa voltar ao normal.
Veja a seguir o que pensam alguns dos personagens envolvidos na crise que o Espírito Santo enfrenta:
Paulo Victor Aquino, 27 anos, advogado, morador: “As coisas estão melhores, mas longe da normalidade”
"Tem sido divulgado que a questão está normalizada e não está. Para gente está bastante claro. Ontem [segunda-feira,13], foi assaltado o principal ponto turístico de Vitória, o convento da Penha. Tinha ônibus queimado e está sendo muito vaga essa conversa de que a situação está resolvida. Alguns PMs voltaram e a Força Nacional vai ficar o tempo que for preciso, mas isso vai ser para sempre? Porque se não houver o diálogo do governo com os policiais a gente vai continuar pagando o preço. Meu sentimento pessoal é que as coisas estão melhores, mas longe da normalidade.
Anunciaram que podem demitir policiais e isso só tem aumentado os ânimos e ampliado esse clima de guerra. Quando a Força Nacional e o Exército forem embora a gente vai continuar dependendo desses mesmo militares. Mais de 90% da categoria participou desse movimento e agora esses caras vão voltar para rua mais insatisfeitos. A resposta do governo foi só de repressão e quem vai continuar pagando o preço somos nós.
A situação não estava normal nem antes. O que gerou esse movimento foi uma situação de anormalidade. Aqui na minha região a gente já via que tinha revezamento de colete, racionamento de gasolina, viaturas sucateadas. A situação já estava precária.
Ninguém apoia e estamos sofrendo na pele, só que a forma como o governo tem reagido a gente considera muito ruim. O secretário de segurança, logo no início, fechou o diálogo e falou que não teria conversa enquanto os PMs não voltassem para as ruas, isso aí acirrou os ânimos [...] O governo tem atacado todos os personagens do conflito.
Ontem, voltou parte do comércio e das aulas, mas é mais a população enfrentando do que uma situação de normalidade. Na periferia, a situação ainda é bastante tensa. A presença da Força Nacional e do Exército é aplaudida na rua porque ameniza nossa situação. Mas o sentimento geral é que sabemos que isso é provisório. Nessa queda de braço, o principal prejudicado é a sociedade, é a gente. Isso é uma questão que me preocupa muito".
R, cabo da PM, 32 anos, 13 anos de polícia: “A expectativa dos PMs é que se resolva o mais rápido possível”
"Os quarteis continuam bloqueados. O que voltou foi uma parte do policiamento a pé. Está todo mundo tenso com a situação e esperamos que se resolva logo, o mais rápido possível e não pode ter autoritarismo. A negociação [com o governo] é direta com as mulheres. Não podemos intervir, mas a gente está tendo um apoio popular muito grande por parte da sociedade.
A população está sofrendo, mas sabe que é um estado rico e que não precisaria estar assim. Não deveria chegar no ponto que está e se o governo olhasse para o funcionalismo público de uma outra forma seria diferente. O ES tem um dos maiores PIBs do Brasil, uma renda per capita alta.
Saio de casa normal. Vou para o batalhão e fico lá porque não tem como sair. Chego, coloco minha farda no batalhão. E fico lá.
Está sendo criada uma falsa sensação de segurança. Tentam passar para a população que está tudo bem, mas na verdade a gente sabe que tudo continua praticamente do jeito que estava. Não tem viatura, o Exército não vai conseguir patrulhar todos os lugares, principalmente a periferia.
A expectativa de todos os policias é que se resolva o mais rápido possível e que haja um acordo. O governo falou que não pode dar aumento, mas há outros benefícios e são questões que poderiam pôr fim ao movimento.
Está muito no tom de ameaça ainda. Nesse fim de semana, a pressão estava muito grande em cima dos policiais. Há notícias de militares que teriam até tentando suicídio por causa de pressão que estão sofrendo...pressão de punição e expulsão".
G., 26 anos, acampada em batalhão de Vitória: “Não querem saber da gente. Não querem mais conversar”
"A gente tem esperança de que o governador olhe com cuidado nossa proposta. A gente preparou uma abrindo mão do reajuste salarial e fizemos pedidos que não afetam a lei de responsabilização fiscal que o governo alega ser o problema. Só que tivemos negativa. Eles não querem saber da gente, não querem mais conversar.
Não está nada tranquilo. Acabaram de tacar fogo em um ônibus aqui em Vitória. O que a gente quer é uma negociação e diálogo com o governo. A gente abriu mão do reajuste em prol da sociedade. Eles falam que vão contratar novos policiais... então se tem dinheiro para concurso, tem dinheiro para atender alguns dos nossos pedidos.
A polícia não está rodando como eles dizem. Eles não vão para periferia. Ficam em lugares nobres, então dá uma sensação de segurança, mas a polícia não está nas ruas.
A gente sente apoio [da população] no sentido de pressionarem o governo a negociar. Nesses dias tenho visto que, quanto mais a gente pensa que estamos enfraquecendo, mais fortes a gente está ficando".
Sem acordo
Governo e integrantes do movimento de paralisação travam uma queda de braço há mais de uma semana na tentativa de chegar a um acordo para desobstrução dos batalhões. Na segunda-feira (13), houve uma nova rodada de negociações e o governo do Espírito Santo não aceitou a proposta apresentada pelas mulheres e associações da categoria.
Na nova tentativa de acordo, as mulheres abriam mão do reajuste imediato de 43% para os policiais e nenhum outro porcentual de reajuste era mencionado, mas a categoria pedia a concessão de auxílio fardamento de R$ 533,50 em duas parcelas anuais, a incorporação imediata aos vencimentos de escalas extras, cronograma para promoções, o pagamento de auxílio-alimentação e o realinhamento da tabela de subsídios. O documento também pedia anistia total aos policiais militares e mulheres envolvidas no movimento. O governo capixaba descartou a hipótese.
Em nota, o governo afirmou que "muito embora as entidades reconheçam que o cenário econômico nacional e as condições limitadas do governo estadual inviabilizam a concessão do reajuste solicitado, há o pedido de uma pauta que impacta, de forma expressiva, o orçamento e as finanças do Espírito Santo".
Além disso, o governo afirma que chegou a firmar dois acordos com as associações da classe que não foram cumpridos. O movimento de mulheres de PMs sempre negou ter fechado qualquer tipo de acordo com a administração estadual.