"Pelo menos uma vez por semana ouço uma ofensa", diz gay espancado na zona oeste de SP
Mesmo exposto à intolerância, advogado destaca que não abre mão de ser quem é
Cidades|Ana Cláudia Barros, do R7
Passar pela esquina das ruas Teodoro Sampaio com Henrique Schaumann, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, faz reacender na memória do advogado André Baliera, 30 anos, imagens dolorosas. Foi lá, a duas quadras de onde morava, que no início da noite de 3 de dezembro de 2012, Baliera sofreu ferimentos difíceis de cicatrizar.
As marcas das escoriações já não podem mais ser vistas, mas as sequelas da violência daquela segunda-feira teimam em resistir ao tempo. Homossexual, Baliera apanhou após revidar agressão verbal. Não suportou ser xingado por alguém que sequer conhecia. Para ele, não há dúvidas: o ataque teve motivação homofóbica.
— Atravessei a primeira das faixas, no canteiro, e comecei a atravessar a faixa no sentido Ibirapuera. Foi quando passei na frente do carro em que estavam os dois. Eu usava um fone de ouvido bem grande e só vi que um deles estava falando comigo. Não entendi exatamente o que era e tirei o fone. Ele estava me agredindo verbalmente. Ele falou: "'Viado', porque você está aí? Passa logo”. Eu o xinguei de volta, como reação automática. Aí, aconteceu o que era bastante surreal. Eles entraram na contramão da Teodoro Sampaio, fizeram uma conversão na frente dos carros para conseguir me acessar, porque eu já tinha atravessado a rua. Deram um jeito de entrar em um posto de gasolina na esquina. Trocamos mais ofensas e aí partiram para agressão.
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Nem mesmo o fato de a vítima estar desacordada fez cessar os golpes.
— Depois que comecei a apanhar, já não vi mais nada. Há testemunhas que dizem que os dois me bateram, mas só posso afirmar que quem me agrediu foi o motorista. Ele só parou de bater porque a polícia o tirou de cima de mim.
O processo corre na Justiça e o advogado de Baliera trabalha para que os dois envolvidos respondam por tentativa de homicídio, e não apenas pela agressão. A principal base de argumentação é de que houve dolo eventual na medida em que foi necessária a intervenção policial para conter a violência.
Baliera afirma que, fora o fato de ter sofrido agressão física, ser hostilizado em função de sua orientação sexual faz parte de uma rotina incômoda.
— Já havia acontecido muitas vezes antes e continua. Eu não nego meus trejeitos, ando de mãos dadas com meu namorado. A grande questão é que o fato de eu não me posicionar da maneira como a sociedade espera faz com que as ofensas verbais sejam bastante rotineiras. Se eu fizesse uma média, pelo menos uma vez por semana, ouço uma ofensa. Infelizmente, naturalizamos isso de tal forma que parece vantagem quando não acontece. Não posso andar tranquilo em um espaço público sem imaginar que isso vai acontecer. E quando não acontece, fico feliz. É uma inversão.
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Mesmo exposto à intolerância, o advogado destaca que não abre mão de ser quem é.
— Se eu me escondesse seria uma autoagressão a todo o momento. Eu não me agrido. As pessoas, sim. Eu me recuso. Infelizmente, de um jeito ou de outro, vai sempre haver um martírio.
Da violência na esquina da Teodoro Sampaio com Henrique Schaumann, Baliera, que por um tempo teve medo de sair de casa e precisou se afastar do trabalho, carrega um sentimento de risco iminente que nem o tratamento médico e a terapia foram capazes de sanar.
— Até hoje, não tem uma vez que eu passe por lá e não me lembre do que aconteceu. Penso: “Foi ali onde apanhei”. Considerando que já se foram mais de dois anos, o que posso dizer é que hoje não tenho mais aquela sensação de “não vai acontecer comigo”. E isso é muito ruim. O sentimento é de que o perigo é iminente, de que posso ser agredido outra vez. É de que qualquer um é um potencial homofóbico, é um potencial agressor. Isso te causa um certo pé atrás com tudo. A insegurança que isso me provoca é muito cruel. Essa paz que eles [acusados pela agressão] me tiraram. Não consigo ver perspectiva de que vá passar tão cedo. Isso foi o que os dois fizeram de pior para mim. As agressões, os hematomas foram embora, mas essa sensação, a forma como interpreto a sociedade por conta do que eles fizeram comigo, é muito triste.
Na avaliação do advogado, não há equivalência entre ele e um heterossexual em termos de direitos.
— Embora a gente cumpra os mesmos deveres, eu não me sinto, na prática, detentor dos mesmos direitos. Um casal heterossexual quando anda de metrô não precisa ficar se policiando para ver se alguém vai ou não bater nele. Se eu ando de mãos dadas com meu namorado no shopping, tenho que ficar tolerando [as agressões verbais]. A todo momento tenho que tolerar a intolerância do outro para não caçar briga. E é muito ruim. Quando me xingam, xingo de volta, agora, você percebe nos olhares, na forma como as pessoas tentam evitar com que as crianças vejam, como se fosse um grande problema uma criança ver dois homens de mãos dadas. A sociedade não me devolve aquilo que dou para ela.
Indagado se tem esperança de que um dia a população LGBT viverá em um contexto menos hostil e com mais respeito, responde deixando transparecer um misto de cansaço e de ceticismo.
— Não acho que seja um caminho curto, não acho que vou estar vivo para ver. Estamos caminhando a passos muito pequenos. Às vezes, damos um passo para frente e dois para trás.