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África e cultura negra aparecem com restrições nos livros didáticos

O R7 analisou resenhas de obras selecionadas nos guias do PNLD de 2013 e 2014

Educação|Mariana Queen Nwabasili, do R7

País gastou R$ 1,2 bilhão com livros nos último ano
País gastou R$ 1,2 bilhão com livros nos último ano País gastou R$ 1,2 bilhão com livros nos último ano

O ensino da história da África e da cultura afro-brasileira foi garantido por leis que existem há mais de dez anos. Porém, muitos livros didáticos usados nas escolas públicas ignoram, restringem, estereotipam ou mesmo diminuem a participação dos negros e da África na formação do Brasil. 

O R7 analisou resenhas das obras de português, história, geografia e artes plásticas selecionadas pelo governo federal nos últimos dois anos e descobriu que essas falhas de abordagem foram detectadas pela própria Secretaria de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação) nos guias de livros didáticos inscritos no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). 

Formação e materiais didáticos são chave para boa abordagem da história da África e dos negros nas escolas 

Português e artes

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Com relação ao material das disciplinas de português e artes usado no ensino médio, os documentos do MEC sinalizam que ainda são poucas as obras que consideram as produções africanas para o ensino de literatura, além das europeias (principalmente portuguesa) e das nacionais.

No ensino fundamental, as abordagens, quando são feitas, ocorrem de maneira indireta, por meio de desenhos e narrativas que expressão a diversidade étnica. As obras também destacam que o professor deve complementar o conteúdo com materiais que ele julgue necessários.

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Para Giselda Pereira de Lima, arte-educadora, especialista em mitos africanos e mestranda em Artes na Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo), o conteúdo nos livros é reflexo, entre outras coisas, de preconceitos para lidar com a produção literária e artística africana e afro-brasileira.

— Como a literatura africana tem uma base oral, existe uma resistência de aceitação por parte da academia, que valoriza muito mais aquilo que foi escrito enquanto literatura.

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Ela lembra que, no final do século 19 no Brasil, artistas e pesquisadores estavam buscando construir uma arte nacional que fosse de identidade não apenas europeia. Mas, nos projetos escritos, não houve preocupação em incluir a estética da arte negra e indígena. Isso refletiu na forma como a arte consta nos currículos escolares até hoje.

Quanto aos livros de artes do ensino médio, não há destaque para o estudo das produções africanas e afro-brasileiras. A apesar de ser mencionada a valorização da diversidade de expressões e proposições artísticas, há obras em que, novamente, a recomendação é para que a abordagem seja feita pelo professor.

— Mas isso é complicado, porque, no fim, o descrédito que foi dado à arte negra se reflete na escolha dos professores. Quando eles têm a opção de trabalhar contos africanos na sala, o que é oportuno na educação infantil durante a alfabetização, por exemplo, não o fazem por falta de referência ou por não entenderem os contextos culturais dos contos.

Aplicação da lei que valoriza cultura negra depende dos Estados e municípios, diz MEC

História e geografia

Os livros de história selecionados pelo PNLD em 2013, na sua maioria, trazem capítulos específicos sobre a história da África ou sobre a relação dela com a história do Brasil.

Porém, com relação às obras do ensino fundamental 1, a análise presente no Guia do MEC diz que: “para muitas obras, nos momentos históricos subsequentes à colonização, em relação ao movimento abolicionista, por exemplo, o tratamento dispensado ao tema valoriza as concepções tradicionais, que secundarizam a participação dos afro-brasileiros no processo histórico”.

Os guias também apontam que, na maioria dos livros didáticos da disciplina, a contribuição dos negros africanos brasileiros para a cultura nacional aparece associada à música, à dança, à alimentação, à religião, às festas e a termos incorporados à língua portuguesa.

Giselda explica que é importante que os professores valorizem com os alunos esses aspectos da cultura afro-brasileira, mas sem que sejam reproduzidos estereótipos.

— É preciso lembrar sempre que a arte negra está ligada a uma produção artística histórica, reflexiva e de resistência.

Já o material usado nas aulas de geografia aborda a cultura afro-brasileira e a diversidade étnica do Brasil de forma genérica e não estrutural nos conteúdos específicos de cada série.

Nas análises das obras do ensino fundamental 1, por exemplo, o MEC ressalta que: “a maior parte dos livros em questão trata essa contribuição — indígena e afrodescendente — como sendo parte de um momento específico da formação territorial e não como constituinte do espaço geográfico na atualidade”.

Com relação ao ensino fundamental 2, foram constatadas falhas das obras que dão “pouco ou nenhum destaque ao papel da mulher, do indígena e do afrodescendente na sociedade contemporânea, especialmente na brasileira, com pouca ênfase nas especificidades locais e regionais”.

A análise do ministério mostra ainda que do total dos 24 livros de geografia de abordagem nacional e regional para o ensino fundamental 2 inscritos no edital de 2014, somente a metade “promove positivamente a cultura afro-brasileira e dos povos indígenas”.

Governo diz que cumprimento pleno da lei exige tempo 

Macaé Evaristo, secretária da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) do MEC, diz que o órgão cumpre seu papel e que realiza a produção de conteúdos específicos de apoio aos professores. 

— O que a gente precisa perceber é que nós estamos lutando contra 500 anos de racismo. A Lei 11.645 foi riada para desconstruir uma lógica que estruturou a sociedade brasileira. Então estamos falando de uma concepção de transformação da escola e da educação do País.

O ensino da cultura negra nas escolas foi introduzido pela Lei 10.639, de 2003. Cinco anos depois o governo federal sancionou outra norma, a Lei 11.645, que determina que "os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira [...] nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados".

No ano passado, o FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação) gastou mais de R$ 1,2 bilhão com livros didáticos. Para participar da seleção pública, as obras têm que respeitar os temas do currículo escolar, entre eles, o ensino da história da África e cultura afro-brasileira. Entenda o processo de compra dos livros didáticos no infográfico.

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