Aprovada em Alagoas, “escola sem partido” terá de superar batalha jurídica para ser implementada
Lei já está em vigor no Estado, mas é questionada por ações no STF e no TJ de Alagoas
Educação|Diego Junqueira, do R7

Alagoas se tornou em abril passado o primeiro Estado a aprovar uma lei inspirada no programa “Escola Sem Partido”, que pretende combater uma suposta “doutrinação política e ideológica” nas escolas brasileiras. Apesar da vitória em âmbito local, a nova lei ainda vai enfrentar um longo caminho até ser efetivamente implementada. Ela é questionada por duas ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade), uma no STF (Supremo Tribunal Federal) e outra no TJ (Tribunal de Justiça) de Alagoas. E até que os julgamentos ocorram, a Secretária de Educação do Estado já avisou que não irá cumprir a lei.
Em novembro do ano passado, a Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou o Programa Escola Livre no sistema estadual de ensino.
O deputado Ricardo Nezinho (PMDB), autor do projeto, alega que no projeto que “é fato notório que professores e autores de livros didáticos vem-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes e determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”.
Ainda segundo o projeto, a “Secretaria Estadual de Educação deverá promover cursos de ética do magistério para os professores da rede pública, a fim de informar e conscientizar os educadores, os estudantes e seus pais ou responsáveis, sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente”.
O governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), contudo, vetou o texto em 25 de janeiro, alegando “inconstitucionalidade”, já que as diretrizes básicas da educação são de responsabilidade do governo federal.
“A proposta em análise impõe ao Executivo e à iniciativa privada a reformulação do Sistema Estadual de Ensino, com a criação de novas diretrizes para a atuação dos professores em sala de aula, bem como interfere nas atribuições regulares da Secretaria de Estado da Educação, criando obrigações antes não previstas”, escreveu o governador em seu veto.
Mas, em 26 de abril, a Assembleia Alagoana derrubou o veto do governador, por 18 votos a 8. Em 9 de maio, o presidente em exercício da assembleia, deputado Ronaldo Medeiros (PMDB), promulgou a Lei n.º 7.800/16, instituindo o programa. Assim que a lei foi publicada no Diário Oficial de Alagoas, a polêmica se acirrou.
Desde então, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) já avisou que não vai implementar a lei. Na prática, o programa afetaria o ensino de apenas 9% das escolas do Estado, já que recairia somente sobre as instituições estaduais. Alagoas tem atualmente 3.145 escolas e 892.384 estudantes, segundo dados do Educacenso de 2015. São 306 escolas da rede estadual, 2.288 escolas municipais, 536 escolas privadas e 15 escolas federais.
Em contato com o R7 na última sexta-feira (29), a Seduc voltou a afirmar, por meio de sua assessoria de imprensa, que só vai se movimentar após as ações de inconstitucionalidade serem julgadas.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Em 10 de maio, no dia seguinte à promulgação da lei, o MEC (Ministério da Educação), ainda sob a batuta de Aloizio Mercadante, enviou uma nota técnica à AGU com argumentos para uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a lei alagoana.
“O cerceamento do exercício docente, portanto, fere a Constituição brasileira ao restringir o papel do professor, estabelecer censura de determinados conteúdos e materiais didáticos, além de proibir o livre debate no ambiente escolar”, escreveu o então ministro.
Em 30 de maio, a Contee (Confederação nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) entrou com uma ADI no Supremo, a 5.537, que está nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso, ainda sem data para ser julgada.
Em 20 de julho, a AGU (Advocacia-Geral da União), já sob o governo interino de Michel Temer, enviou um parecer ao STF defendendo a “inconstitucionalidade” da lei alagoana.
Segundo a AGU, a lei afronta o pacto federativo, já que, de acordo com "o artigo 22, inciso 24 da Constituição, cabe privativamente à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional".
A AGU defende a concessão de liminar pedida pela Contee para suspender a eficácia da lei, apontando que a vigência da norma pode provocar prejuízos aos cofres públicos, já que também obriga a Secretaria de Educação Estadual a oferecer cursos de ética para professores da rede pública.
O governo do Estado de Alagoas também entrou com uma ADI para questionar a lei. Por meio da PGE (Procuradoria Geral do Estado), a ação foi ajuizada em 7 de junho no Tribunal de Justiça de Alagoas contra a Assembleia Legislativa estadual (o processo é o 0802207-49.2016.8.02.0000).
Segundo o documento da PGE, "a lei Escola Livre é inconstitucional por duas razões: a) há um vício formal (...) e b) houve vício material".
Como "vício formal", o governador alega que "a matéria tratada na lei é de cunho administrativo", e não do Legislativo. Já o "vício material" seria a violação do artigo 198 da Constituição Estadual, "que prevê liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamento, a arte e o saber, não sendo possíveis as limitações impostas pela Lei da Escola Livre".
A decisão agora cabe ao desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza. Assim como no STF, também não há data para julgamento da ação.
Procurado pelo R7, o deputado Ricardo Nezinho não atendeu aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem.
Em sua página no Facebook, Nezinho escreveu em 21 de julho que o projeto “ainda precisa ser destrinchado com a sociedade, que parece não ter entendido seus benefícios no campo pedagógico a longo prazo”.
Veja o que pensam professores e alunos sobre o Escola Sem Partido:
A tramitação do programa Escola Sem Partido (Projeto de Lei 193/2016), idealizado em 2003 pelo procurador de Justiça Miguel Nagib, é alvo de intensa polêmica. Recentemente, foi feita uma consulta pública para que a população se posicionasse a respeito ...
A tramitação do programa Escola Sem Partido (Projeto de Lei 193/2016), idealizado em 2003 pelo procurador de Justiça Miguel Nagib, é alvo de intensa polêmica. Recentemente, foi feita uma consulta pública para que a população se posicionasse a respeito do tema. Até a tarde desta sexta-feira (12), a página do Senado onde a votação está em pauta tinha 180.512 votos a favor e 191.036, contra. A ideia do projeto, de autoria do senador Magno Malta, é impedir a “doutrinação ideológica” em escolas. Veja, a seguir, o que professores e alunos pensam sobre o tema


![A professora Sara Siqueira, que leciona no ensino fundamental do município de São Paulo, diz que a Escola Sem Partido pode atrapalhar a sua aula e o processo de formação dos alunos: “[Com o projeto] você está legitimando que exista somente uma ideologia. É a ideologia do cale-se, que é a ideologia do não conheça ou fique somente com uma visão de mundo”. Segundo ela, o projeto tenta tirar das escolas o debate sobre “temas que são muito caros para o debate da sociedade em geral. Principalmente as questões de gênero, raça e políticas”.
— Como a escola se isenta desses debates? Como que não podemos fazer esses debates dentro da escola sendo que isso é parte de todos os sujeitos?](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/OJVZ4JSXT5K5VHHKQX4PLKDNC4.jpg?auth=97bb52ae0008d5b62ce0efdc92838f6406869c51f08fdb7931895441136d87f7&width=552&height=368)

![Em um trecho do programa é dito que “liberdade de ensinar não se confunde com a liberdade de expressão. Não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa”.
Nostre diz que existe, no projeto, “uma preocupação louvável” que diz que “não podemos permitir que um professor pare de ser professor e se torne um ator político-partidário”. Porém, ele diz que, quando casos como esses acontecem hoje nas escolas, já existe uma “repulsa pela própria direção [da escola], pelos pais e alunos”. Portanto, na prática, esse tipo de “doutrinação” já é coibido de uma forma natural e que não seria necessária uma lei para tratar a questão de uma forma subjetiva.
— Não se pode tentar retirar do professor a sua individualidade, suas crenças e suas paixões. Elas fazem parte do professor. Ao manifestar suas ideias ele não está violando nenhum direito. Os limites que existem são éticos-sociais que existem em qualquer trabalho. Não se pode submeter esses limites a uma avaliação dos pais. Não é o pai que avalia se aquilo é adequado ou não.
A avaliação do advogado diz respeito a uma outra passagem do programa que diz que “cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral” e que “nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar a sala de aula para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos”](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/RPEGOK3WP5PRHGZDCHYGHNH7YM.jpg?auth=a1a13ed0f494bf0c7fd816e31c39ef1f864412d5625094170d2538b28aab0a70&width=1000&height=750)


![A questão de gênero também é abordada no projeto dizendo que “o Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”.
Segundo a professora Sara, quando os educadores falam em tratar gênero na escola a intenção é fazer com que os estudantes respeitem as diferentes orientações sexuais, identidades de gênero e que as meninas jovens e da periferia tenham mais noção sobre o seu próprio corpo e direitos.
— A gente está falando da questão de igualdade de tratar meninos e meninas para que eles se reconheçam como iguais. A gente consegue perceber que discutindo desigualdade de gênero está desconstruindo um discurso que legitima a violência. Para que as meninas entendam que elas não precisam ser tratadas como menores por serem mulheres, é chegar no índice de redução de gravidez na adolescência.
A professora, que trabalha com jovens no Glicério, região que ela afirma ser fragilizada em relação a políticas públicas, diz que é importante também falar sobre questões sobre racismo e intolerância religiosa. Os estudantes, que lidam com esses temas todos os dias, precisam desenvolver pensamento crítico sobre a forma como se colocam no mundo.
— Como eu não falo do que é concreto para eles? Do porquê, na nossa sociedade, os meninos vão ser mais abordados [pela polícia] porque são negros](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/2R4EJM464RJVRLANOD7A32BWOE.jpg?auth=9f06cb563758ac5b521ee8b5724c596249bc6c5d0bf0a496b4d95e8a9a5e3df1&width=1000&height=668)























